Selo Scream & Yell: baixe e ouça “Vizinhos”, de Catalina Ávila, conexão Colômbia / Brasil

por Leonardo Vinhas

A música de Catalina Ávila é fortemente influenciada pelo folk colombiano, e embora essa seja uma influência predominante, fica difícil defini-la como uma “artista folk”. E seus caminhos pelo pop e pelo rock existem, sim, mas são aspectos tangenciais em suas composições. O fato de ela unir esses mundos não cria um “alt.folk” nem nada do tipo. Na verdade, sua música é bastante misteriosa: mesmo sem grandes produções, se permite ousadias quase épicas. Da mesma forma, não tem problema em estender a duração das faixas, mas não briga contra o pop.

Mais que tudo, é uma música gregária. Ainda que seja uma “artista solo”, essa multinstrumentista colombiana (cujo instrumento principal é a bateria) não é do tipo que evita colaborações e criações coletivas. E foi pensando nesse lado, e também na ideia de decifrar o “mistério” descrito no parágrafo anterior, que lhe propus a ideia desse disco.

“Vizinhos” foi gestado ao longo de 2021, comigo e com Catalina selecionando possíveis parceiros para somarem-se a ela na recriação de suas composições. A nós se juntou um terceiro elemento, o músico e produtor Rodrigo Stradiotto, que trazia muito forte a ideia de não só criar pontes entre a música andina e a brasileira, mas principalmente trabalhar para que essas pontes levassem a lugares novos.

Dessa forma, “Vizinhos” acabou trazendo criações colaborativas inéditas de Catalina Ávila com artistas do Espírito Santo (André Prando), Rio de Janeiro (Vivian Benford), São Paulo (Lila May), Distrito Federal (Ramiro Galas, das bandas Forró Red Light e YPU) e Curitiba (o próprio Stradiotto), além do binacional Duo Finlandia (formado pelo argentino Mauricio Candussi e pelo brasileiro Raphael Evangelista). Acompanhar o nascimento dessas faixas foi um privilégio, e ver Stradiotto mixá-las, buscando reforçar certos aspectos mais “globais” da sonoridade de Catalina, foi essencial como parte da proposta de “decifrar o enigma”.

Além das seis canções criadas para esse álbum, couberam ainda duas outras faixas: os singles “Un Cabrito” e “Todo por Decir” (com Fernanda Takai). A ideia de unir essas oito canções era criar uma espécie de “coletânea de inéditas” que pudesse apresentar a arte de Catalina Ávila aos brasileiros. Também havia a intenção de ser mais um passo na aproximação de pessoas pela música – algo mais necessário que nunca, em meio a tanto divisionismo e polarização.

“Fui ao Brasil pela primeira vez em 2006 e a impressão que o país me deixou era muito forte. Muita beleza nas pessoas, interior e exterior, e muita alegria, acolhimento. Além disso, o idioma soa como se as pessoas estivessem cantando, e não falando. Então desde esse momento fui tocada. Voltei para Bogotá com pandeiro, agogô, cuíca e outros instrumentos de percussão. Comecei, também, a ouvir muito mais músicas brasileiras”, rememora Catalina.

Hoje o país ocupa “um grande lugar, que não sei como chamá-lo, mas onde me sinto cada vez mais amada, a cada porta que se abre”, na definição da própria artista. É uma relação crescente, e esse disco acrescenta alguns passos largos nessa jornada. “Na verdade, é um passo enorme para mim e para a Colômbia, ver que essas minhas criações foram vertidas para outro idioma e serão escutadas nesse outro idioma, e sentir o amor de cada artista participante por uma música que criei… Não sei nem como explicar, é uma luz enorme que brilha sem que se possa ver sua totalidade. Eu ainda não terminei de assimilar isso tudo”, disse Catalina poucos dias antes do lançamento.

Bem, agora essa assimilação cabe também ao ouvinte. Que essa ponte musical e emotiva ajude cada pessoa que ouvir esse disco a se sentir mais perto da Colômbia e, mais que tudo, ajude a lembrar que mesmo em meio à morte e à opressão, a arte, a criação e a sensibilidade são não apenas possíveis como necessárias.

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Ficha técnica:
Produção executiva: Leonardo Vinhas
Direção artística: Leonardo Vinhas e Rodrigo Stradiotto
Mixado e masterizado por Rodrigo Stradiotto, exceto:
– “Laquemeaqueja (Ramiro Galas Mix) – mixada por Ramiro Galas, masterizada por Rodrigo Stradiotto
– “Todo por Decir” e “Un Cabrito” – mixadas por Catalina Ávila, masterizadas por Rodrigo Stradiotto.

Capa: Catalina Ávila
Distribuição digital: Casete (Colômbia)
Lançamento: Selo Scream & Yell

“Vizinhos”, de Catalina Avila
Faixa a faixa por Leonardo Vinhas

01) “Todo por Decir”
Participação especial: Fernanda Takai
Essa canção surgiu a partir do convite para integrar o projeto “¡Estamos! Canções da Quarentena”. Em poucos dias, Catalina compôs, arranjou e gravou a canção, ainda no começo da pandemia. Meses depois, a faixa foi regravada com a participação de Fernanda Takai. “Como o convite para criar essa música tinha partido de um brasileiro, queria incluir uns versos em português”, conta Catalina. “Aí escrevi para alguns músicos que conheci quando tocava com os Aterciopelados: Paulinho Moska e Fernanda Takai. Fernanda me respondeu de imediato e acabamos fazendo um vídeo ‘não-oficial’ juntas”. Um novo clipe está sendo preparado, já que essa será uma das faixas de trabalho do vindouro segundo LP de Catalina.

02) “Colibri”
Participação especial: Duo Finlandia
Anos atrás, uma amiga muito próxima de Catalina perdeu seu filho, vitimado por um suicídio. Nos dois meses que se seguiram à tragédia, Catalina esteve acompanhando constantemente a amiga, dando-lhe apoio, e ao fim desse período nasceu “Colibri”. Além da letra em português, a nova versão ganhou uma camada de violoncelos gravados por Raphael Evangelista em seu home studio em Paris, enquanto Mauricio Candussi registrou seu acordeão em Cordoba. Com a mixagem acontecendo em Curitiba, tornou-se a mais “internacional” de todas as faixas desse disco, e uma discreta ode à expansão da vida.

03) “La Loca de la Casa”
Participação especial: André Prando
“Ela tem uma dinâmica teatral, na qual estou dialogando com minha própria mente, que me diz coisas negativas e positivas. Ela quer tomar o controle o tempo todo, mas eu estou tratando de fazer amizade com minha mente e conhecê-la melhor”. Na gravação do álbum “Origem”, esse diálogo acontece com o músico Edson Velandia. Porém, na “versão brasileira”, André Prando assume não só as vozes como também transformou alguns versos e acrescentou instrumentos. Acentuando a “loucura” da canção, houve uma troca de idiomas (Catalina canta em português e André, em espanhol) e a adaptação de vários neologismos, além do clima à Mutantes que se nota no arranjo.

04) “Flores Secas (Stradiotto Pacifico Dub)”
Participação especial: R. Stradiotto
É basicamente uma canção de amor perdido. Rodrigo Stradiotto desconstruiu a canção em seu remix, valorizando o refrão e encontrando conexões quase insuspeitas com o trip hop. Embora seja a mais ousada transformação dentre as faixas deste disco, consegue manter-se fiel ao universo musical de Catalina.

05) “La Pelona”
Participação especial: Lila May
É uma canção sobre o medo da morte – da própria e das pessoas queridas. “La pelona” é uma imagem para a morte (a palavra também designa uma mulher careca), de uso comum no México e, em escala um pouco menor, na Colômbia. O tema místico era praticamente um convite à presença de Lila May, cantora e compositora paulistana que trabalha em um universo de forças e concepções que não se quantificam pela experiência racional. Foi, de longe, a faixa mais trabalhosa do álbum – May não tinha acesso a bons estúdios e bons equipamentos, e desdobrou-se além do possível para conseguir registrar sua voz com a devida qualidade, processo no qual foi auxiliada (à distância) por Rodrigo Stradiotto. O resultado, porém, compensou bastante, com a faixa mais dramática e quase roqueira do disco.

06) “Un Cabrito”
Conta Catalina: “Conheci essa canção quando era estudante de teatro. Minha professora de voz colocava para escutarmos na versão da espanhola Estrella Morente. O título original é ‘Tangos del Chavico’, na verdade, mas fui mudando até que me apropriei da canção. A ‘música do cabrito’ tornou-se uma referência forte do meu trabalho. Ritmicamente, é um cruzamento de uma ronda infantil com música sefardita, com novos elementos sendo adicionados a cada nova repetição. Sinto um amor profundo pela música sefardita e amo essa canção em especial, ela acabou ficando como uma das preferidas do meu repertório”.

07) “Deshojar”
Participação especial: Vivian Benford
Foi a primeira canção da autoria de Catalina que ela gravou, e trata de não aferrar-se às coisas que já passaram – ou seja, desapegar. O tema é bastante adequado ao universo musical e afetivo da carioca Vivian Benford, que cuidou com especial cuidado da adaptação da letra ao português. “Deshojar” já havia sido gravada em “Origem” e também ao vivo em estúdio com a cantora colombiana Pedrina, mas a versão aqui registrada assume com gosto seu caráter “cinematográfico”, no sentido Angelo Badalamenti da expressão.

08) “Laquemeaqueja (Ramiro Galas Mix)”
Participação especial: Ramiro Galas
Assim como a faixa que abre esse álbum, a versão original de “Laquemeaqueja” veio de um convite feito para participar de um projeto do selo Scream & Yell – no caso, o álbum “Conexão Latina”. É uma queixa contra si próprio, um protesto contra o ato de repetir os próprios erros e se manter em um círculo permanente de atitudes que não trazem bem algum (bem adequado aos tempos atuais, não?). Ramiro Galas, do Forró Red Light, se concentrou no lado frenético para poder criar uma versão bastante dançante para o tema que, em sua primeira gravação, era quase psicodélico.

 

CATÁLOGO COMPLETO DO SELO SCREAM & YELL

SY00 – “Canção para OAEOZ“, OAEOZ (2007) com De Inverno Records
SY01 – “O Tempo Vai Me Perdoar”, Terminal Guadalupe (2009)
SY02 – “AoVivo@Asteroid”, Walverdes (2011)
SY03 – “Ao vivo”, André Takeda (2011)
SY04 – “Projeto Visto: Brasil + Portugal” (2013)
SY05 – “EP Record Store Day”, Giancarlo Rufatto (2013)
SY06 – “Ensaio Sobre a Lealdade”, Rosablanca (2013)
SY07 – “Ainda Somos os Mesmos”, um tributo à Belchior (2014)
SY08 – “De Lá Não Ando Só”, Transmissor (2014)
SY09 – “Espelho Retrovisor”, um tributo aos Engenheiros do Hawaii (2014)
SY10 – “Projeto Visto 2: Brasil + Portugal” (2014)
SY11 – “Somos Todos Latinos” (2015)
SY12 – “Mil Tom”, um tributo a Milton Nascimento (2015)
SY13 – “Caleidoscópio”, um tributo aos Paralamas do Sucesso (2015)
SY14 – “Temperança” (2016)
SY15 – “Ainda Há Coração”, um tributo à Alceu Valença
SY16 – “Brasil También Es Latino” (2016)
SY17 – “Faixa Seis” (2017)
SY18 – “Sem Palavras I” (2017)
SY19 – “Dois Lados”, um tributo ao Skank (2017)
SY20 – “As Lembranças São Escolhas”, canções de Dary Jr. (2017)
SY21 – “O Velho Arsenal dos Lacraus”, Os Lacraus (2018)
SY22 – “Um Grito que se Espalha”, um tributo à Walter Franco (2018)
SY23 – “A Comida”, Os Cleggs (2018)
SY24 – “Conexão Latina” (2018)
SY25 – “Omnia”, Borealis (2019)
SY26 – “Sem Palavras II” (2019)
SY27 – “¡Estamos! – Canções da Quarentena” (2020)
SY28 – “Emerge el Zombie – En Vivo”, El Zombie (2020)
SY29 – “Canções de Inverno – Um songbook de Ivan Santos & Martinuci” (2020)
SY30 – “SIEMENSDREAM”, Borealis (2020)
SY31 – “Autoramas & The Tormentos EP”, Autoramas & The Tormentos (2020)
SY32 – “O Ponto Firme”, M.Takara (2021)
SY33 – “Sob a Influencia”, tributo a Tom Bloch (2021)
SY34 – “Pra Toda Superquadra Ouvir”, Beto Só (2021)
SY35 – “Bajo Un Cielo Uruguayo” (2021) com  Little Butterfly Records
SY36 – “REWIND” (2021), Borealis
SY37 – “Pomar” (2021), Vivian Benford
SY38 – “Vizinhos” (2021), Catalina Ávila
SY39 – “Conexão Latina II” (2021), Vários artistas
SY40 – “Unan Todo” (2022), Vários artistas
SY41 – “Morphé” (2023), Rodrigo Stradiotto
SY42 – “Paranoar” (2023), YPU (com Monstro Discos)
SY43 – “NO GOD UP HERE” (2023), Borealis
SY44– “Extras de “Vou Tirar Você Desse Lugar”, Cidadão Instigado & Plástico Lunar (2024) – Com Allegro Discos

Discos liberados para download gratuito no Scream & Yell:
01 – “Natália Matos”, Natália Matos (2014)
02 –  “Gito”, Antônio Novaes (2015)
03 – “Curvas, Lados, Linhas Tortas, Sujas e Discretas”, de Leonardo Marques (2015)
04 – “Inverno”, de Marcelo Perdido (2015)
05 – “Primavera Punk”, de Gustavo Kaly e os Hóspedes do Chelsea feat. Frank Jorge (2016)
06 – “Consertos em Geral”, de Manoel Magalhães (2018)
07 – “Toda Forma de Adeus”, Jotadablio (2023)

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