Conexão Latina: Molina y Los Cósmicos

por Leonardo Vinhas

Nicolás Molina está que é só felicidade. O álbum de estreia que gravou sob o nome de Molina y Los Cósmicos ganhou um público muito maior que sua origem em Castillos, um município uruguaio com apenas sete mil habitantes, poderia fazer supor. Listado entre os melhores do ano na avaliação de sites e revistas de Uruguai, Argentina. Espanha e até do Brasil, “El Desencanto” abriu uma estrada tão ampla quanto as evocadas pelas sete faixas do disco. Como que para comprovar, Nicolás prepara já o segundo, com mixagem do norte-americano Craig Schumacher, que já produziu ou mixou gente como Calexico, Neko Case, KT Tunstall, Evan Dando e Amos Lee, entre outros.

“El Folk de la Frontera”, nome da criança em gestação, sairá ainda em 2015. Apesar do trabalho em estúdio, os shows não param. Surpreende, portanto, escutá-lo dizer que não cogita viver de música, tampouco assumi-la como atividade principal. Surpreende também ver como está desfrutando abertamente do prazer proporcionado pelo reconhecimento e pela exposição, contrariando a prática do cenário indie (ao qual ele inegavelmente pertence) de menosprezar, pelo menos em discurso, o sucesso colhido com seu trabalho.

Molina e sua música são exemplares claros de uma geração que cresceu praticamente sem referências do que era um mundo sem internet. Uma geração que conseguia desde cedo ter acesso – por exemplo – ao alt.country norte-americano com a mesma facilidade que teria para consumir, digamos, Shakira ou U2. Bastava querer, e ter uma conexão mais ou menos boa. Também é uma geração que cresceu querendo “compartilhar” coisas online, numa estética semi-profissional que faz com que melancolia e alegria tenham o mesmo filtro estético.

Essa soma de fatores levou, inconscientemente, ao folk “charrua norte-americano” de “El Desencanto” (baixe o disco no site oficial: www.molina.uy), ao popular clipe de “En El Camino del Sol”, às letras simultaneamente confessionais e introspectivas. E sim, o resultado final é merecedor dos frutos colhidos.

Por isso, é justo que Molina esteja feliz, e o demonstre durante todas as etapas da entrevista, que aconteceram inicialmente num hotel central de Porto Alegre durante o festival El Mapa de Todos e continuaram, adequadamente, em conversas no chat do Facebook. Ele fez um ótimo disco, prepara o que parece ser outro tão bom quanto (já há uma faixa, “Y.T.C. en el Fin del Mundo”, disponível online), e procura atender ao crescente número de convites para shows que vem recebendo – ainda que a banda agora esteja desfalcada da tecladista e vocalista Emma Ralph, que foi morar em Nashville, EUA.

O tempo dirá se o propósito de Nicolás Molina de manter-se distante da indústria musical se manterá. Por ora, sua música fala bastante bem por ele, e a entrevista a seguir ajuda a preencher as entrelinhas.

Vocês conseguiram alcançar países diferentes, há notas sobre a banda em blogs do mundo todo… A que você atribui essa popularidade?
Nosso primeiro clipe, “En el Camino del Sol”, passou em muitos lugares importantes, como a rádio KEXP, e foi sendo divulgado entre amigos de quem assistia nesses canais de muita projeção. Foram um vídeo e uma canção muito populares, e isso chamou a atenção para o disco – comecei a receber pedidos até dos Estados Unidos, de gente querendo comprar o vinil! O CD também vendeu bem, só em nossa cidade vendemos 300. E tivemos muitos downloads no Bandcamp, ainda que a maioria fosse gratuito – mais de 2 mil baixaram grátis, e umas 40 pessoas pagaram pelo disco.

Não imaginava que a diferença entre downloads pagos e gratuitos no Bandcamp pudesse ser tão grande. Mesmo assim, o resultado financeiro parece ter sido bom, porque foi anunciado que o segundo disco seria gravado com recursos obtidos por crowdfunding, mas não se arrecadou o necessário. Aí vocês anunciaram que os lucros de “El Desencanto” ajudariam a financiar o que faltasse.
De fato, não conseguimos o tanto quanto precisávamos, embora muitas pessoas tenham colaborado, principalmente da Espanha e do Uruguai, e algumas delas tenham sido bem generosas. Mas com os lucros do primeiro disco vai ser possível completar o que falta, e o disco vai ser feito do jeito que planejamos.

Ele vai seguir a mesma linha de “El Desencanto”?
Vai ter elementos semelhantes, porque quando eu comecei a compor as canções que fariam parte do repertório da banda, fiz as do primeiro disco e a desse próximo no mesmo período. Mas aí fui notando que havia algumas que falavam de desencanto mesmo, de decepção, e outras tratavam mais de coisas e histórias da fronteira – que é de onde sou (Nota: Castillos fica a 75 km da cidade de Chuí, no Rio Grande do Sul), e gosto muito de tudo o que se refere à região. Então, na hora de gravar, decidi separar, e optei por começar com as de desencanto porque são mais universais.

Interessante você falar desse apreço pela fronteira, porque, quando escutei pela primeira vez, o som me pareceu um pouco derivativo do alt.country, com influência de Calexico, Iron & Wine e coisas do tipo. Depois fui notando vários elementos… não diria folclóricos, mas uruguaios mesmo, uma identidade nacional em cima da influência mais norte-americana. E agora me soa exatamente como uma música própria, e não um remake das coisas gringas.
E é isso. Sou um remake de mim mesmo. Recrio as coisas que são importantes para mim do meu jeito, e aí estão o country norte-americano, a cultura da fronteira e o indie pop espanhol.

Sim, Nacho Vegas me parece mais presente que qualquer outra.
Nacho Vegas foi um motor para o disco. É uma referência enorme. E aconteceu uma coisa estranha: alguém disse a ele no Twitter que ele deveria visitar o Uruguai, e ele respondeu que estava escutando Molina y Los Cósmicos…

Falando em fronteira e influências: no show que fizeram em Porto Alegre no ano passado, durante o festival El Mapa de Todos, tocaram uma bela versão de “Cowboy Fora-da-Lei”, de Raul Seixas, acompanhados dos músicos gaúchos Alex Vaz, Santiago Neto e Clarissa Mombelli. Qual a participação que o rock brasileiro teve em sua formação?
Obrigado pelo elogio! Curtimos muito também, eu e o pessoal da banda, e também adoramos estar na companhia da Clarissa, do Santiago e do Alex. A música brasileira é muito importante para mim. Cresci ouvindo Mamonas [Assassinas], Raul [Seixas], Cazuza, Caetano [Veloso] e a cada dia fico mais surpreso com o bom nível do Brasil: todo dia saem discos geniais. E escuto nomes como Boogarins, Far From Alaska, Rodrigo Amarante (qualquer projeto desse cara dá certo) Ian Ramil ou a simpática Mallu [Magalhães].

Voltando ao próximo disco: ter Craig Schumacher mixando é um sinal de que essa referência americana ainda é forte na concepção de como vocês querem soar. Como chegaram a ele?
Gravei e produzi a maior parte do primeiro disco, e isso meio que me deixou exausto. Tocar, gravar, produzir, mixar, tudo junto… Então saí procurando alguns estúdios e produtores no Uruguai, e fui recebido com muita frieza e pouquíssimo entusiasmo em quase todos, e o preço que os melhores estúdios cobravam eram altíssimos. Escrevi então a alguns estúdios estrangeiros, e Craig me respondeu com muita alegria, com uma receptividade e interesse que não encontrei no Uruguai. E no fim, mixar com ele, no exterior, vai custar o mesmo que gravar no meu país, custos de viagem incluídos… Mas veja, é por isso que eu digo que sem a internet nada disso teria acontecido. A repercussão da banda, os convites para shows, o contato com Craig, tudo isso só foi possível graças ao relacionamento que a internet proporciona com a música e os músicos.

Mas a internet também tem um lado voraz, que impulsiona novidades e depois as descarta, as coloca no esquecimento. Você acha que o momento desse risco aparecer pode estar próximo para a banda?
Acho que não, na verdade ainda somos uma novidade, estamos colhendo os frutos desse momento, recebendo maior atenção em lugares como Argentina, Espanha e Colômbia. Ainda somos algo “fresco”, então é um momento de aproveitar. Mas, claro, aparece esse medo, de talvez o segundo disco não atender as expectativas. Ainda ontem estava pensando nisso. Mas ele foi criado junto com o primeiro, tem o mesmo DNA, o mesmo toque, então não me preocupo. Além disso, no momento não estou vivendo da banda. Tenho uma padaria, dela tiro meu sustento. Espero não ter que viver de música para que possa continuar fazendo a música que quero fazer. Além disso, no Uruguai, penso que a única maneira de viver de música é sendo professor.

E isso vale para a banda também? A propósito, Molina y Los Cósmicos são uma banda, ou apenas uma identidade para lançar suas composições?
Não, somos uma banda. O que acontece é que é muito complicado manter uma banda firme numa cidade de sete mil pessoas. Meu melhor amigo Ripi tocou baixo comigo, trabalhou nas composições, mas decidiu que não queria estar em uma banda, ter o estresse dos ensaios e das viagens. Então não permaneceu. Tive propostas de músicos uruguaios – gente muito boa, profissional de estúdio – que queria tocar comigo, e eu poderia ter feito isso, chamado esses caras para serem meus músicos de apoio. Mas eu quero ter uma banda mesmo. Talvez os músicos que estão comigo atualmente não tenham experiência ou não sejam tão reconhecidos quanto os profissionais da capital, mas me sinto bem com eles e eles também são a essência de Molina y Los Cósmicos. E é assim como quero que seja, porque, como te disse, me importa fazer a música que quero fazer, trabalhando com as pessoas que queiram entrar nessa. Meu negócio é familiar, pequeno, mas me permite viver e ainda continuar com a música.

Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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