Para entender: Los Fabulosos Cadillacs

por Leonardo Vinhas

Como se nota a partir do próprio nome, a modéstia nunca foi o forte dos Fabulosos Cadillacs. Por muito tempo, intitularam-se “a maior banda argentina” (com os fãs e grande parte da imprensa fazendo eco durante certo período), e, do falecido Gustavo Cerati (Soda Stereo) ao nosso Herbert Vianna, não foram poucos os artistas que se irritaram com as declarações ególatras do vocalista Vicentico e a postura confrontacional da alguns de seus companheiros. A verdade é que, apesar de um começo bastante incipiente, os Cadillacs fizeram por merecer sua fama, boa ou má, e também seu lugar na história da música latina.

Formada em 1983, estreou com o fraco “Bares y Fondas” em 1985. O instrumental era pobre, e a sonoridade, um decalque (no limite do plágio) da estética e das canções das bandas 2 Tone, especialmente o Madness. Porém, o segundo disco já traria itens da identidade essencial da banda: a mistura de ritmos (dub e ska se somavam à receita), discurso levemente politizado, a identidade de “turma” que divide o mundo entre “nós” e “os outros” (o hit “Yo No Me Sentaría en Tu Mesa” é uma ode à amizade e ao mesmo tempo um desprezo a quem não os respeita).

Gradativamente, os discos seguintes ampliariam o leque musical, incorporando muitos ritmos caribenhos (notadamente a salsa e o mambo) e sul-americanos, refletindo o progresso instrumental da banda. Seu sexto álbum, “El León” (1992), é normalmente apontado como o momento em que essa mistura atingiu o ponto ideal, tendo aparado alguns excessos e ajustando uma musicalidade rica e bem cuidada, que entretanto não escorregava para o virtuosismo estéril ou a macumba para turista.

Nessa época, passaram também a incorporar guitarras e baixos distorcidos ao seu som. A coletânea “Vasos Vacios” (1993) comprovava isso ao trazer regravações de três temas antigos em arranjos mais pesados, mas foi uma das faixas inéditas da compilação que apontaria a guinada da banda nos anos 1990: “Matador” tornou-se, canção e clipe, o maior sucesso dos Cadillacs. Trata-se de uma poderosa peça percussiva, exemplar de um indecifrável estilo que amalgama as influências latino-americanas (inclusive a percussão de influência africana da Bahia) em energia bruta roqueira.

Nesse clima, e influenciados por Mano Negra e Red Hot Chili Peppers, gravam em 1995 “Rey Azúcar”. Reflexo da fase de sucesso, tinha a moral de contar com Chris Frantz e Tina Weymouth (ambos ex-Talking Heads) na produção, além das participações especiais de Debbie Harry (na deliciosa versão reggae de “Strawberry Fields Forever”), Mick Jones (no hit anti-Pinochet “Mal Bicho”, cujo clipe foi proibido durante anos no Chile) e Big Youth (que co-assinava e cantava “Queen of The Ghetto”).

Os dois discos seguintes – “Fabulosos Calavera” (1997) e “La Marcha del Golazo Solitario” (1999) – estavam em algum lugar entre Mr. Bungle, Fishbone, Thelonius Monk e Frank Zappa. Se o primeiro era mais pesado e enlouquecido (apesar de momentos delicados como as belas “Niño Diamante” e “Amnesia”), o último já era uma obra harmonicamente complexa, ritmada e jazzy, sem deixar de lado o alto astral (mesmo quando reflexivos) e certa pegada pop. São obras impressionantes, e formam, com “Rey Azúcar”, a trilogia indispensável da banda.

Porém, esses três álbuns foram gestados em momentos de conflitos de egos e de negócios, abrindo caminho para que seus integrantes se dedicassem a projetos paralelos que acabaram se tornando a ocupação principal de cada um. Até que, em 2002, a dissolução da banda – percebida há muito pelos fãs – foi confirmada.

Vicentico se tornou um cantor popularesco (do tipo “ídolo das donas de casa”) a ponto de gravar, a sério, Xuxa e Roberto Carlos. Do ponto de vista comercial funcionou, porque seus cinco discos tiveram ótimas vendas e geraram lucrativas turnês. O baixista Sr. Flavio, compositor de destaque na banda, fez “trocentos” projetos, alguns com nomes diferentes (como Flavio Mandinga), alternando entre rockabilly, ska punk, pop praieiro e jazz. Sergio Rotman, saxofonista e compositor que havia deixado a banda após “Fabulosos Calavera”, lançou quatro discos com sua banda de rock Cienfuegos, mas foi com sua esposa, a porto-riquenha Mimi Maura, que deu prosseguimento ao legado Cadillac de construir pontes entre as Américas Central e do Sul. Fernando Ricciardi, baterista, fez parte dessas iniciativas de Rotman, e também da banda que o cabeludo fundou mais recentemente, El Siempreterno (essa contando ainda com Ariel Minimal, guitarrista do Pez e integrante dos Cadillacs a partir de “Fabulosos Calavera”).

Ou seja, mesmo com o fim da banda, os integrantes continuaram trabalhando juntos (os citados são apenas alguns dos muitos projetos pós-Cadillacs), então não foi exatamente uma surpresa quando, em 2008, voltaram a se reunir para lançar um disco novo, o surpreendentemente bom “La Luz del Ritmo”. Viria um segundo disco, “El Arte de La Elegancia” (2009), quase só de regravações de sua fase ska e menos impactante que seu diversificado antecessor.

Hoje, com 13 álbuns de estúdio no currículo, os Cadillacs seguem como um sexteto, fazendo turnês de sucesso no intervalo entre os projetos principais de seus integrantes. Prometem para breve um novo disco de inéditas. Abaixo, reunimos cinco faixas para entender Los Fabulosos Cadillacs

– “Yo No Me Sentaría en Tu Mesa”: Praticamente um hino para os fãs, é um ska à 2 Tone que conclama à união dos amigos em momentos de dificuldade. Infalível.

– “Demasiada Presión”: Antes de “El León”, essa faixa de “Volumen 5” já marcava explicitamente a guinada em direção a ritmos caribenhos. Tornou-se canto de torcida em estádios de futebol.

– “Surfer Calavera”: Nenhuma faixa de “Fabulosos Calavera” traduz tão bem a pluralidade musical do álbum quanto essa, que amalgama funk, hardcore, jazz, dixieland e a sonoridade das big bands dos anos 1940.

– “Cebolla, el Nadador”: Habitualmente preterida em favor dos hits do disco, essa é uma das mais belas canções da banda, com seu crescendo harmônico, levada jazz funk e elaborados arranjos vocais.

– “Mal Bicho”: Regravação heavy soul de 2008 para o sucesso de 1995. Impressiona como a banda reconstrói uma canção emblemática sem medo de ser herética com seu próprio legado.

>>> Influência assumida
Mauricio Candussi, programador e acordeonista do duo Finlandia, ex-Los Cocineros
“Conheci o Los Fabulosos Cadillacs com as canções do seu segundo disco, “Yo Te Avisé”. Essas canções soavam por toda a parte e, em minha cidade, Córdoba, muitos grupos gravavam e tocavam versões ao vivo. À medida em que passava a adolescência, chegou outra etapa, minha etapa como músico. Comecei a tocar nos colégios e depois em bares e pubs, em bandas nas quais fazíamos muitas composições dos Cadillacs, fundamentalmente do grande disco que foi “El León”.

Até esse momento, o conceito que eu tinha dos Cadillacs era o de uma banda divertida que soava muito bem e que fazia canções muito boas. Mais tarde chegou “Rey Azúcar”, onde a banda alcançou a maturidade em seu som e conseguiu fundir perfeitamente a diversidade de gêneros que abordavam. Mas meu amor surge com seus últimos dois discos de estúdio antes da pausa. Fabulosos Calavera” é simplesmente genial, uma ruptura não só no que a banda vinha fazendo mas também no rock do momento. É muito complexo, mas não deixa de ser audível, tem muitos jogos rítmicos, harmônicos e melódicos. O disco que veio depois é outra belezura. “La Marcha del Golazo Solitario” é muito mais despojado e sensível, mas genial do mesmo jeito.
A banda voltou com versões e mais versões de seus momentos de glória, mas deixou muito para escutar, sua etapa mais latina e sua fase mais louca do final. Crescemos juntos, eu poderia dizer. Agora sigo esperando que baixe a musa e os inspire a criar outro momento musical único.”

Rodrigo Cerqueira, baterista, ex-Easy Big Fella, Skuba e Firebug
“Conheci o Fabulosos Cadillacs quando comprei o disco “Vasos Vacíos”, em 1993. Me chamou atenção de cara a forma como eles misturavam o ska com os ritmos latinos, era uma coisa muito original. Até usaram uma levada afro/olodum num dos maiores hits deles, MATADOR. Sem duvida, é um clássico do ska latino americano.”

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Entrevista: a carreira solo do Señor Flavio, ex-Fabulosos Cadillacs (aqui)
– El Siempreterno, uma esbórnia incestuosa do underground portenho (aqui)
– “Nueva Ola”, de Sr. Flávio: uma obra coesa e divertidíssima (aqui)
– “La Luz del Ritmo”, o grande retorno dos Fabulosos Cadillacs (aqui)
– Entrevista: Ariel Minimal fala sobre o PEZ e o Fabulosos Cadillacs (aqui)

Para entender:
– Para Entender: New Model Army -> Extensa discografia que merece ser vasculhada (aqui)
– Para Entender: The My Morning Jacket -> Excelentes álbuns e shows delirantes (aqui)
– Para Entender: The Replacements -> Em seu auge, a banda lançou discos perfeitos (aqui)
– Para Entender: Mano Negra -> Uma das bandas mais influentes da França (aqui)
– Para Entender: Black Crowes -> Uma música bela, intensa e pouco acomodada (aqui)

8 thoughts on “Para entender: Los Fabulosos Cadillacs

  1. Olha, Luciano, em termos de popularidade, acho que nenhuma banda bate o Soda Stereo na América Latina. Exclusivamente na Argentina, diria que existe um “G5” com Soda, Los Redondos, Cadillacs, Divididos e La Renga – novamente, em termos de popularidade, adesão de público, vendas etc. Agora, em qualidade, isso é sempre um critério pessoal.

    O que eu posso te dizer, além do que disse no texto, é que o lugar deles está merecidamente garantido na história, e que eles têm um conjunto da obra realmente impressionante.

  2. Yo no me sentaria en tu mesa é um hino mesmo, excelente.

    Falando em Soda Stereo, ta na hora dum especial deles aqui, otima banda com varias musicas memoravei, e Dynamo e Signos são albums sensacionais, Dynamo então parece um Siamese Dream antes do proprio ter sido lançado.

  3. Leo, do “G5” só conheço os Cadillacs e o Soda Stereo, mas pode-se incluir também o ATTAQUE 77, que é muito popular não só na Argentina como também na América Latina.

    E além do Soda Stereo (que preciso conhecer mais), um especial do Attaque 77 seria válido, não?

    Abraços!

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