Entrevista: Árbol

por Leonardo Vinhas

Qual é a melhor banda? A que vende mais? Aquela que é a favorita dos críticos? Aquela que é esquecida por todos e só é redescoberta 20 anos depois? Vai saber. Fãs de música sempre embarcam nessa discussão, e os mais sensatos costumam saber que a melhor banda é aquela que mais mexe com eles. Ainda que niilistas possam relativizar esse argumento lembrando que há quem se emocione até com Jota Quest e Detonautas, não há como negar que música tem a ver com a captura de um estado de espírito, um conjunto de sensações, aspirações e delírios, que encontram tradução em sequências de notas e acordes, que muitas vezes emolduram letras dentro do mesmo espírito.

Nesse aspecto, os argentinos do Árbol conseguem captar um espírito de evasão adolescente, aquela sensação entre delírio e fuga, que parece meio deslocado em tempos de emos e emas, mas que é caro a adolescentes de diversas épocas e diversas idades. Seus dois maiores hits, “El Fantasma” e “Pequeños Sueños”, soam como adultos resgatando aquele moleque que foi soterrado por camadas de metrossexualidade, civilização globalizada, responsabilidades financeiras e outras boçalidades do nosso horroroso mundo moderno.

Ou seja: escapismo, num sentido entre “Beleza Americana” e a primeira versão da “Fantástica Fábrica de Chocolate”, tanto que os cartazes de seus shows recentes são uma alegoria gráfica em cima dessa última ideia. Com direito ao lado macabro, é lógico: nenhuma banda “fofinha” que se diz inspirada no livro de Roald Dahl cantaria versos como “em piscinas cheias de barro / meninas enforcam suas bonecas” (de “Rosita”), ou chamaria um desafeto de “um toalete mal cagado”, para depois qualificá-lo de “uma bichona drogada, feia como a merda” (“Prejuicios”).

Essa mistura de inocência, escatologia e power pop começou a ser burilada no álbum independente “Jardin Frenético”, que chegou às mãos do Liminha latino, o produtor Gustavo Santaolalla (responsável – direto ou indireto – pelo sucesso de Juanes, Molotov, Café Tacuba e outros), que logo tratou de leva-los à Universal, onde lançaram seu primeiro álbum oficial (“Árbol”, de 1999), que embora às vezes caísse na vala comum do rapcore, já trazia a inventividade que diferenciava a banda dos demais, além de já exibia algumas características marcantes que seriam evidenciadas nos anos seguintes: o uso de instrumentos típicos do folclore argentino (melódica, violino, gaita, pistão) e o jogo de vozes entre Edu Schmidt e Pablo Romero.

Um espírito mais festeiro e desencanado, e menos “hormonal” (no sentido Charlie Brown de hormônios), foi o tom do álbum seguinte (“Chapusongs”, 2002), que trazia vários sucessos (“Enes”, “Ya Lo Sabemos”, “La Vida”) e favoreceu uma turnê que popularizou seus energéticos shows. Mesmo assim, nada comparado às 100 mil cópias vendidas de “Guau!”, lançado no finalzinho de 2004, quase um greatest hits, já que oito de suas doze faixas estouraram como hits, sendo dois deles (as citadas “El Fantasma” e “Pequeños Sueños”) massivos, graças àquela sensação descrita acima e também aos seus simples e bem-sacados clipes.

Entre as demais faixas, há desde uma sarcástica crítica do culto ao corpo (“Chickanoréxica”) até uma declaração de amor surreal (“Trenes, Camiones y Tractores”, que rouba umas notas de “Louvado Seja Meu Senhor”, tradicional canto das missas infantis dominicais). Fechando o álbum, um cover do maior clássico do rock argento (“Jijiji”, dos hard roqueiros Los Redondos) em uma versão a capella. Coisa de quem tem formação acadêmica de música e usa isso a favor da diversão e da energia, em vez de empulhar virtuosismo estéril.

Tudo isso e mais foi registrado no DVD “Miau!”, lançado há poucos meses com o registro dos melhores momentos de dois shows realizados no estádio Obras Sanitárias, em Buenos Aires. Ainda que a edição seja um tanto quanto apressada (e amadora em alguns momentos), não dando tempo algum entre uma canção e outra (o que tira aquele “clima” de show comum a vídeos musicais), o DVD traz tudo que caracteriza o Árbol ao vivo: o carisma latente dos cinco integrantes, os pulos de Pablo Romero, as bichices do vestuário do guitarrista Hernan Bruckner e do baixista Sebástian Bianchini, o pogo coreografado, o pique punk que toma conta até mesmo das baladas, a presença de menininhas lindas, cheirosas e histéricas e – mais notável – o grande número de crianças e pré-adolescentes na plateia (chega a lembrar o auge da Blitz por aqui). Dentre vários momentos memoráveis, o mais inesquecível talvez seja o pogo em “Jijiji”, possivelmente a única vez no planeta em que 4.500 pessoas pogaram ao som de uma canção a capella…

Para conversar sobre o DVD, sobre a produção de Santaolalla e – obviamente – sobre música brasileira e tocar no Brasil, o S&Y conseguiu uma entrevista exclusiva com o simpático e diplomático (e algo evasivo) Edu Schmidt, vocalista, violinista e fã de Caetano Veloso…

Mais de 100 mil cópias de “Guau!”. Vocês tinham essa expectativa enquanto gravavam o disco?
A verdade é que não… Você compõe e grava em primeiro lugar para fazer o que te agrada e que não poderia deixar de fazer. Fizemos estas canções com muito carinho, cuidando para que ficassem o melhor possível e chegassem à maior quantidade de pessoas possível, mas não imaginamos que chegaríamos tão longe…

Tanto sucesso acaba trazendo a responsabilidade da superação, tanto artística quanto comercial. Como vocês estão lidando com essa responsabilidade, se é que vocês a sentem? O que planejam para o próximo CD?
Estamos trabalhando muito no interno, em estar bem como um grupo humano, e que o principal continuem sendo as canções. Sequer temos ideia de como será o próximo CD, mas certamente será diferente dos anteriores, ou seja, será igual, porque todos foram diferentes entre si…

Certamente houve uma evolução desde o começo da banda, do álbum de estreia até agora. Como uma banda que era tão pesada quando começou conseguiu um som tão amplo como agora?
Por ir ampliando cada vez mais os territórios nos quais trabalhamos, tanto no musical como nas letras, por ter uma participação de todos na composição e por tratar de mudar o tempo todo.

Você diria que [o produtor Gustavo] Santaolalla teve alguma participação nesta mudança de sonoridade? Quanto ele é importante para a carreira do Árbol?
Santolalla sempre foi um fator decisivo na hora de fazer um disco e ele nos marcou com muitas coisas que nos serviram como pessoas e como profissionais. Foi um guia muito importante em toda a primeira etapa da carreira do grupo.

Qual é a importância de Haedo para o Árbol?
Na verdade, essa coisa de Haedo nasceu como uma brincadeira. Sempre nos perguntavam se havia alguma diferença entre ser de Haedo ou não, e cansados de responder que não, começamos a dizer que Haedo era a melhor cidade do mundo. Continuamos com a brincadeira até o ponto de agora dizermos que Haedo é uma república separatista que logo conquistará o mundo inteiro!

Hoje vocês são uma das bandas preferidas das crianças, talvez os mais populares de todos. Incomoda serem vistos como uma “banda para crianças”? Ou lhes deixa orgulhosos?
Estamos orgulhosos, porque não são só garotos que vêm ver o show, há cada vez mais pessoas de idade também, e isso quer dizer que nossa música está chegando cada vez a mais ouvidos.

Como está a repercussão do DVD “Miau”?
Muito boa, por sorte. Trabalhamos muito nele e estamos orgulhosos do resultado.

Eu tive a impressão que tem uns overdubs de som no DVD, além das bases pré-gravadas que fazem parte do show. Confere?
Não, nada a ver. Na verdade, o que buscamos foi que se respeitasse o som original dos shows. Não há nada gravado por cima.

A gravação de “Jijiji” a capella é uma deliciosa heresia. De onde vocês tiraram a ideia?
A ideia surgiu em um ensaio. Queríamos fazer algo como um coral em 5 partes, e como não tínhamos nenhuma partitura, nos ocorreu usar um clássico do rock nacional e assim surgiu, pelo duplo sentido da palavra clássico.

Sei que é um clichê perguntar, mas: o que você conhece de música brasileira?
Com certeza. Eu gosto muito de Arnaldo Antunes, Caetano, e os mais clássicos… Agora ando escutando casualmente muito Lenine: “Dólares, Dolores”… Está muito bom!

Onde está o público do Arbol fora da Argentina? Sei que já tocaram no Uruguai, Paraguai…
Sim, nestes países e nos que vão nos chamando aos poucos. Também estivemos no México e nos Estados Unidos. Pegamos de leve com esse agito, muito organicamente e sempre autogerindo tudo.

Existe alguma possibilidade de termos o Árbol no Brasil, em disco ou ao vivo? Vocês têm muitos fãs por aqui…
Tomara que possamos ir logo… Nós adoraríamos conhecer aí, e acho que também os brasileiros adorariam nos conhecer…

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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