Três perguntas: Ramon Vitral fala sobre o livro “Vitralizado: HQs e o mundo” e o mercado de quadrinhos no Brasil

entrevista de Leonardo Tissot

Não é de hoje que Ramon Vitral é um dos principais nomes da cobertura de quadrinhos no Brasil. Além do blog Vitralizado, criado em 2012, ele também já escreveu para Folha, Estadão e O Globo, entre outros veículos de renome nacional — incluindo aí Scream & Yell, é claro.

Para celebrar pouco mais de uma década de dedicação aos quadrinhos, o jornalista mineiro decidiu compilar alguns de seus principais textos em “Vitralizado: HQs e o mundo” (MMarte), livro lançado em 2023 e que traz críticas, reflexões e entrevistas com alguns dos grandes quadrinistas da atualidade.

As conversas com Joe Sacco, Emil Ferris, Helô D’Angelo, Marcelo D’Salete, Chris Ware, Julie Doucet, Rafael Coutinho e Simon Hanselman são alguns dos destaques da obra. “Eu adoro entrevistar. Já falei por aí, conversar, ter uma troca real com alguém, talvez seja a maior motivação por trás da minha vida profissional”, revela.

Desta vez, no entanto, ele é o entrevistado. Fizemos três perguntas para Vitral sobre o cenário dos quadrinhos no Brasil, a cobertura jornalística da área em nosso país e quem ele ainda não conseguiu entrevistar, mas gostaria.

Em um dos textos do livro, datado de 2019, você fala a respeito da infantilização da cobertura de quadrinhos no Brasil, e de uma certa prática publicitária disfarçada de jornalismo no cenário nacional. Passados quatro anos, como vê o cenário hoje? Melhoramos, pioramos ou continuamos na mesma?
Eu falo nesse texto que essa infantilização da produção de conteúdo sobre histórias em quadrinhos no Brasil passa pela adoção de discursos e práticas publicitárias por parte de quem fala e escreve sobre o assunto. Acredito que a busca por cliques fáceis, a difusão de links patrocinados e pela promoção de vendas acaba por esvaziar discursos e coloca em xeque a credibilidade de quem está falando ou escrevendo. E isso tudo acaba difundindo a vacuidade colecionista, consumista e ostentatória que se apropria do mercado de HQs.

Tenho a impressão de que, nos últimos anos, o público ficou mais criterioso e os produtores de conteúdo compreenderam como esses discursos e práticas publicitárias acabam abalando a credibilidade deles. Então, acho que melhorou um pouco, sim. Me parece que as coisas estão mais claras: tá mais explícito quem tá fazendo jornalismo, quem tá fazendo crítica e quem tá sendo irresponsável com propaganda para a Amazon. Bom mesmo ficaria se as pessoas simplesmente parassem de promover a loja de um dos caras mais ricos do mundo.

Seu trabalho tem um enfoque global, mas nunca deixa de lado a cena de quadrinhos nacional. Quem acompanha o mercado e lê jornalistas como você sabe dos talentos que temos, mas a sensação é de que os quadrinhos não são uma carreira viável para grande parte dos artistas em nosso país. A pergunta de um milhão de dólares é: tem jeito de transformar nosso mercado em algo mais profissional, sustentável e capaz de atrair mais leitores?
Acho que transformar o mercado brasileiro de quadrinhos mais profissional, mais sustentável e mais atraente para novos leitores envolve mudanças estruturais muito complexas na sociedade brasileira. Pouca gente lê quadrinhos porque pouca gente lê no Brasil. Também por isso, é preciso um investimento pesado em educação e formação, criando novos leitores e fomentando o público potencial de HQs. Mas também vejo melhorias pontuais e mais práticas que poderiam contribuir para esse mercado.

Volto à Amazon, por exemplo: se os preços dos livros fossem fixados e regulamentados, as livrarias independentes poderiam estar mais saudáveis financeiramente — e novas livrarias do tipo poderiam surgir. E esses espaços são os mais receptivos a obras e autores nacionais e independentes. Da mesma forma, também vejo o quadrinista, o autor, talvez a principal peça na cadeira produtiva de uma HQ, muito prejudicado em relação aos seus ganhos e direitos. Tiradas as partes de editoras, distribuidoras e lojistas, o artista acaba com um lucro ínfimo.

O livro traz entrevistas com grandes nomes como Emil Ferris, Joe Sacco, Julie Doucet, Chris Ware, Rafael Coutinho e diversos outros. Pode contar qual foi a entrevista mais difícil de conseguir? Qual o papo mais desafiador? E quem ainda não conseguiu entrevistar, mas gostaria?
Eu adoro entrevistar. Já falei por aí, conversar, ter uma troca real com alguém, talvez seja a maior motivação por trás da minha vida profissional. Aliás, as entrevistas do Scream & Yell sempre foram uma inspiração para mim (inclusive fiz algumas delas!). Mais do que entrevistar quadrinistas ou escrever sobre quadrinhos, sempre me interessou mais chamar atenção como esses autores e suas obras se relacionam com o mundo. E sempre vi isso nos textos e nas entrevistas do Marcelo Costa e dos colaboradores do Scream & Yell.

As entrevistas mais difíceis de conseguir costumam ser com autores gringos. Os maiores entraves costumam ser editoras, agentes e assessores. Sou freelancer, então quando peço as entrevistas não tenho garantido que terei um espaço para publicação além do meu blog. Eu amo o blog, mas a audiência dele não chega perto do público potencial de um jornal ou portal. Enfim, sem essa garantia de publicação para além do blog, às vezes complica a minha vida.

Demorei alguns anos para conseguir entrevistar o Daniel Clowes, autor de “Ghost World” e “Monica”. Atualmente, tem três editoras com trabalhos dele publicados aqui no Brasil. As três me ajudaram a entrar em contato com ele e mesmo assim não rolou. Tentei via agente e também não consegui. Falei com pessoas com contato direto com ele e não aconteceu. Ele não estava a fim. E respeito, porque prefiro quem não tá a fim de falar e não dá entrevista do que quem dá entrevista sem querer conversar. Aí consegui um contato novo recentemente, essa pessoa falou com ele e marcamos. Fluiu, foi uma conversa ótima.

Os papos mais desafiadores? Como disse, quando alguém topa ser entrevistado sem estar a fim de conversar. Uma vez entrevistei o Gilbert Hernandez, um dos autores da série “Love & Rockets”, e ele foi adorável. Teve outra vez, na época de lançamento de outra obra dele por aqui, que ele topou, esqueceu, cobrei e aí as respostas foram todas na base de “yes”, “no” e “maybe”.

Tem um monte de gente que ainda quero entrevistar. Tem trocentos artistas aparecendo todos os anos e quero muito conversar com pessoas jovens e apaixonadas, dispostas a fazer coisas novas e que tendem a direcionar os meus próximos interesses relacionados a quadrinhos. O grande sonho é uma entrevista com o Bill Watterson, autor de “Calvin e Haroldo”. Acho extremamente difícil, mas quem sabe? Enfim, tenho uma listinha maior aqui na minha cabeça e no último ano risquei três nomes dela: Alan Moore, Alison Bechdel e Daniel Clowes.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo!.

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