31º Festival MixBrasil: “Todas as Cores Entre o Preto e o Branco”, da homofóbica Nigéria, é sutil e incômodo

texto por Renan Guerra

Bambino vive uma vida comum de homem solteiro: seu trabalho como motoboy em Lagos, na Nigéria, lhe garante uma renda estável, tanto que ele ajuda os vizinhos financeiramente quando pode e é compreensivo quando atrasam os pagamentos que lhe devem. Dentre esses vizinhos está Ifeyinwa, que constantemente insiste em tentar seduzir Bambino, que passa a demonstrar algum ânimo apenas quando encontra o carismático Bawa, e ambos se conectam de forma bastante única. Com a desculpa de tirar fotos pela cidade, eles repetidamente se encontram e passeiam pela cidade na moto de Bambino. Esse é o plot central de “Todas as Cores Entre o Preto e o Branco” (“All The Colors in the World Are Between Black and White”, 2023), de Babatunde Apalowo, vencedor do Teddy Award 2023 na categoria de melhor longa-metragem com temática LGBTQ.

Isso é tudo o que está na tela, mas para olhos distantes da Nigéria é importante ressaltar algumas informações simbólicas: a Nigéria é um dos países com uma das leis anti-LGBTs mais restritivas do continente africano. Em 2014, por exemplo, foi a aprovada uma lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo no país, introduzindo uma pena de 14 anos de prisão. O próprio diretor Babatunde Apalowo, que hoje vive no Reino Unido, tinha como ideia que seu primeiro filme fosse uma homenagem a vibrante vida cultural de Lagos, mas a violência que ele próprio presenciou o fez mudar de perspectiva: durante a faculdade ele presenciou um de seus colegas ser linchado apenas por sua orientação sexual. Essa violência modificou o olhar de Apalowo e é algo extremamente presente em “Todas as Cores Entre o Preto e o Branco”.

O filme de Apalowo tem duas perspectivas que podem soar extremamente incômodas quando não temos esse pano de fundo em mente, pois a violência é bastante naturalizada dentro da narrativa – não é incomum que vejamos um linchamento ao fundo da tela, como parte daquele cenário de repressão. Em contrapartida, todos os possíveis contatos de carinho e de afeto entre Bambino e Bawa são limitados, restritos, quase limados na projeção. Para nossos olhos ocidentais acostumados com uma série de obras cada vez mais amplas e explícitas, isso tudo é bastante limitador. Mas é importante pontuar que para produzir “Todas as Cores Entre o Preto e o Branco”, a equipe de Apalowo passou por um amplo processo de pesquisa de elenco, tanto porque uma parcela dos atores nigerianos não queria se envolver com esse tipo de narrativa, quanto com uma preocupação de que o filme pudesse prejudicar ou ser perigoso para o elenco envolvido. De todo modo, o ponto positivo é que o diretor conseguiu, apesar das limitações, filmar o longa inteiramente em Lagos e com um elenco local.

De construção bastante formal e estilística, “Todas as Cores Entre o Preto e o Branco” constrói esse encontro entre Bambino e Bawa especialmente a partir das sutilezas, a partir dos interditos, daquilo que fica no gesto não feito. Essa construção pode até ser um tanto quanto morosa, mas é uma possibilidade de narrativa dentro das limitações impostas por um país extremamente conservador e homofóbico. Dentro desse viés, a sustentação do filme, para além da cuidadosa mise-en-scène, se encontra centralmente nas atuações de Tope Tedela e Riyo David, que conseguem concentrar em sutilezas todo o medo e o desejo que essa relação impõe. O resultado é agridoce: queremos mais enquanto espectadores, pois lacunas parecem ficar abertas e questões se resolvem de forma abrupta e confusa demais no ato final. De todo modo, enquanto possibilidade narrativa dentro de suas limitações, o filme ainda é uma fagulha de esperança em meio ao terror, é uma centelha de delicadeza em meio a brutalidade.

“Todas as Cores Entre o Preto e o Branco” é, de certo modo, incômodo, porque nos relembra que nossos avanços ainda são mínimos e nossas existências são negadas em diferentes países ao redor do globo. Mirando o amor e o carinho como perspectiva, Babatunde Apalowo cria um filme que, no final das contas, não tem como fugir da aspereza e do amargor.

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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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