Esse você precisa ver: “Visages, Villages”, a paisagem como ética

por Adolfo Gomes

É também uma questão de escala: Os nossos olhos, detalhes dos pés, partes de nós, maiores que nós. “Visages, Villages”, de Agnès Varda e J.R, nos coloca, de novo, em perspectiva: Por que ainda precisamos das imagens? Para projetar sobre nós mesmos um mundo maior que o nosso? É a promessa da perenidade, uma certa materialidade das lembranças, o que buscamos?

O trajeto já o fizemos várias vezes, dentro dos filmes – “Weekend“(Godard/1967) e “No Decorrer do Tempo” (Wenders/1976) – e fora deles – de nossa casa para a sala de exibição, quer seja pelo prazer hipnótico da imersão num sonho alheio; quer pela possibilidade de sermos esmagados pela tela, por conta dessa “paixão esfolada viva”, que mencionava Serge Daney no epitáfio do pensamento crítico (quando Daney constatava, com amargura, o quanto o cinema se apequenava, por volta do final dos anos 1980).

De todo modo, o desejo flagrante de produzir imagens atinge aqui uma bela escala: a pequenina Varda encontra o artista urbano J.R. e, pelo viés dessa colaboração, as coisas crescem à nossa volta. O trabalho, o vazio, as ruínas, as superfícies esquecidas, pessoas e paisagens; tudo, a partir dessa intervenção amorosa, parece reivindicar um andaime para já o alcançarmos.

É uma operação mais física do que artística, ressalta J.R., lembrando que passa mais tempo pendurado, com sua equipe, em escadas e estruturas de elevação; do que propriamente na “fabricação”, algo aleatória, das fotos em grande escala.

Neste sentido, a relação com os rostos de operários, mineiros, agricultores, é equânime. O movimento do filme vai nessa direção: não existe um mundo artístico e outro “sem arte” ( a realidade apenas); há, sim, a natureza e todos fazemos parte dessa paisagem – somos parte dela.

Somos partes. O cinema projeta isso. O muito de nós que percorre lugares, ilumina rostos; em que nunca estivemos, nem conhecemos.

Espécie de “As viagens de Gulliver” às avessas, “Visages, Villages” prescinde da metáfora e da ironia para construir sua própria escala: o tamanho de um filme como esse, não tem como medir.

– Adolfo Gomes é cineclubista e crítico filiado à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine)

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