Três perguntas: Phillip Long

por Renata Arruda

São seis anos de carreira, 10 álbuns e elogiadas participações em diversas coletâneas. Neste ano de 2016, Phillip Long lançou “Cat Days”, seu último registro em inglês, e ainda os singles “Talvez”, “Não faz Seu Estilo” e “Música de Superfície” – faixas para um disco que acabou ficando congelado, à espera de um outro momento para ganhar a luz do dia. Neste momento, Phillip já está em outra sintonia: seu interesse agora é voltar às raízes e lançar um álbum “bem folk e purista, com gaita pra caramba”, como define. Com campanha ativa no Catarse (apoie aqui), seu próximo disco, batizado de “Manifesto de Uma Pequenina Vida”, será o primeiro todo em português, marcando não apenas uma fase em que o músico ambiciona se comunicar melhor com o público brasileiro, como também um momento de maior liberdade criativa e artística em sua carreira.

Para dar vida às canções, que considera as melhores que já escreveu, Phillip Long tem se reunido com um time de músicos amigos: Rafael Elfe (violão, viola, bandolim, guitarra e gaita), Felipe Pizzutiello (baixo) e Mateus Rahal Sala Polati (bateria e piano), todos trabalhando coletivamente na produção do álbum, sob o comando de Phillip. “Vai ser uma produção coletiva, comigo guiando o processo”, conta ele. Por conta disso, o compositor resolveu apostar pela primeira vez no financiamento coletivo – menos por uma questão de escolha e mais por necessidade: depois de passar todos esses anos trabalhando “na faixa” com um produtor que tomava conta de todo o processo, foi necessário encontrar uma forma de bancar sua autonomia.

Segundo Phillip, as canções de “Manifesto de Uma Pequenina Vida” irão tratar de temas como juventude e vida simples, mantendo sempre o viés político que vem adotando desde “Zeitgeist” (2015). Na página da campanha criada no Catarse, o músico escreve que o álbum “não é um manual. É a minha vida e a vida de muita gente, e essas coisas não podem ser calculadas em mesas frias, quer dizer, uma vida é muito maior do que qualquer outra coisa”. E continua: “é sobre crescer dentro de um sistema que nos empurra pra baixo e que nos violenta, sobre inadequação, sobre escapar, sobre dirigir até os limites da cidade e fazer amor na carroceria, contar estrelas, sobre ser jovem dentro disso tudo. É sobre desejar viver com apenas o que importa, e o que realmente importa é quase sempre invisível e livre de qualquer hierarquia ou jogos de poder”.

Nesta entrevista exclusiva para o Scream & Yell, o músico fala sobre autonomia e avalia com franqueza o seu trabalho até o momento. Ele também continua não poupando críticas à cena independente brasileira, que em sua opinião faz uma música meramente decorativa: “é uma música que não fala sobre nada”. Para Phillip Long, a música é uma via ideológica e ele não tem nenhum medo de parecer panfletário ao introduzir política em suas canções: “a música tem que servir para uma função”, defende.

Crowdfunding: https://www.catarse.me/pt/manifesto_de_uma_pequenina_vida_0785

Depois de tantos lançamentos, você resolveu apostar no financiamento coletivo para viabilizar o próximo disco. Você pode falar um pouco sobre esta escolha? Por que agora e por que especificamente para esse álbum? E como é essa história de ter escrito suas melhores músicas?
A escolha de fazer uma campanha no Catarse para lançar esse disco vem porque eu trabalhei durante muito tempo dentro de uma estrutura em que um produtor fazia todos os arranjos e tudo mais e eu sentia vontade de fazer uma coisa que fosse bem diferente, que rompesse um pouco com os estigmas que eu construí dentro da minha carreira. Para fazer isso, eu tinha que tomar à frente das coisas e trabalhar um pouco mais criando os espaços, criando os arranjos. Ter um pouco mais de autonomia. Então, pra fazer isso, eu precisava mesmo dar esse passo de lançar uma campanha e conseguir captar recursos para poder gravar um disco à moda antiga, com tempo pra arranjar, para pensar nos caminhos e tudo mais. Na verdade, não foi nem uma escolha, foi uma questão de necessidade mesmo. Não dava para fazer antes porque, como eu tinha uma parceria eu gravava 100% na faixa. Eu tinha esse tipo de privilégio enquanto compositor. Mas sentia falta de estar mais envolvido dentro de todo o processo, que é uma coisa que há muito tempo eu não conseguia fazer. E nesse disco eu tenho essa possibilidade. Eu montei uma banda e a gente está ensaiando e arranjando as coisas e eu estou tomando conta do processo, o que é uma coisa bem diferente pra mim. E eu sinto que escrevi as melhores músicas para esse disco porque eu estou mais maduro, né? Já tem quase seis anos de tentativa e erro, trabalhando em discos e gravando coisas e tentando uma carreira. Então eu acho que descobri como encaminhar uma mensagem melhor. Com essa coisa de trabalhar há muito tempo, a gente vai ficando mais experiente. Hoje eu acho que sei como abordar uma música melhor, sei o que eu quero dizer, consigo colocar isso numa letra com mais tranquilidade. Eu acho que cheguei num ponto em que eu estou mais maduro. Até penso que, depois de ter lançado tanta coisa sem freio, hoje eu realmente apagaria algumas coisas que lancei se pudesse, porque eu não tomei muita conta do processo. Acho que eu estava aprendendo muito durante esse tempo, então tem muita coisa que acaba se tornando um rascunho, sabe? Eu até falo na internet e nos shows sobre as coisas que eu considero irrelevantes. “Rapaz do interior” é uma música que eu eu acho completamente bizarra e que acabou entrando no meu repertório. Se eu pudesse apagaria. Mas depois eu acabei percebendo que as pessoas criaram uma relação com essas canções e quase sempre quando me abordam, o sentido é completamente diferente do que eu pensei. De certa forma, essa música ganhou uma sobrevida na vida das pessoas, pela forma como essas pessoas lidam com ela. Se eu pudesse eu deletaria. Mas…deixa pra lá, né.

Em um post no Facebook, você afirmou ter escrito um disco de letras, de ofício de composição. “Fui atrás daquilo que todo mundo jogou fora. Tratei de dar ouvidos àquilo que ninguém vê”. O que você quis dizer com isso?
Quando eu disse isso eu queria dizer que eu estou a fim de resgatar essa coisa do ofício do compositor, sabe? De dizer a verdade, de não ter tantos roteiros. Aquela coisa de não ser mediada apenas pela imagem, que é o que a gente vê o tempo inteiro hoje. A molecada ouve o som mais pela imagem do que pela verdade, do que por letras que dizem sobre eles. Então eu acho que, para a crítica daqui a vinte anos, a nossa música vai ser irrelevante porque ela não fala sobre a nossa história, não fala sobre os nosso pecados, sobre o quadro social, sobre depressão. Não fala sobre nada. É uma música decorativa, que serve pra distrair. Eu acho que grande parte dos compositores modernos estão mais preocupados em tapear e encher o bolso de dinheiro do que outra coisa. E eu não quero ser assim. Quero fazer uma coisa que seja realmente profunda, que cause algum impacto nas pessoas. Isso me chateia muito porque como compositor você vai percebendo que tem muita coisa em jogo além de uma música verdadeira e honesta. Então isso é uma coisa que me perturba e me deixa inconformado.

Seus posts costumam ser bastante politizados. Você já chegou a afirmar que no dia que o público descobrir que a música que a gente escuta também é uma to político, “toda essa cena independente roda”, dizendo que os compositores de hoje servem apenas para ganhar edital de cartas marcadas e lamentando que o cidadão se diz politizado mas continua ouvindo “a mesma musiquinha imagética brasileira de sempre, que engana todo mundo”. Você não tem receio de acabar soando panfletário no seu trabalho?
Eu não tenho medo de soar panfletário, não. Porque eu acho que realmente a música, e pelo menos o que eu entendo sobre música, de onde eu bebi e me formei musicalmente, eu acho que música é uma via ideológica. É uma forma de combate contra as coisas que a gente vê no mundo. Então eu realmente acho que a música tem que ser ideológica, tem que servir a alguma função. É isso que eu estou querendo e é isso que eu estou procurando. E eu também me sentia muito distante disso, sabe? Por mais que eu ainda abordasse questões como depressão, que eu sempre abordei por ter uma vivência disso, eu sentia que a minha música não tinha uma função tão clara, até porque eu cantava em inglês e para um público brasileiro cuja língua nativa é o português e eu acho que essas coisas dificultavam o entendimento. Quando eu falo sobre os editais e tudo mais é porque depois de seis anos de carreira a gente começa a ver como funcionam essas coisas. Você percebe que muitos compositores modernos às vezes até abraçam causas mas a música não reflete o que eles estão abraçando. Não é verdade? Então eu acho que isso é uma imagem em detrimento da música. Parece que tudo é mais imagético do que musical. Isso, de certa forma, é uma coisa que eu tento evitar, principalmente nesse disco. Quero construir uma coisa amarrada ao que eu sou e o que a minha música é. Não quero que exista essa dualidade.

– Renata Arruda (@renata_arruda) é jornalista e assina o blog Prosa Espontânea.

Leia também:
– Phillip Long: “Não aceitei participar do The Voice porque não acredito na proposta” (aqui)

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