Entrevista: de Natal, Mahmed

por Izabela Costa

“Música é nossa medicina”. Eis uma frase simples e direta que explica muita coisa, principalmente para quem ama música e a encara como parte essencial da vida. Uma frase verdadeira, mas que ainda assim não consegue definir a sensação de dar “play” numa faixa desconhecida e no momento seguinte se ver imerso em arranjos poderosos, que te puxam pelo pé até você perceber que lhe falta fôlego. É um mar instrumental prazeroso para nadar.

É praticamente esse o sentimento que “Domínio das Águas e do Céu”, EP de 2013 lançado pela banda potiguar Mahmed, proporciona. A tal frase que abre este texto pode ser encontrada no Bandcamp oficial da banda (http://mahmed.bandcamp.com), que abriga o EP para download no formato “pago quanto quiser”, e se estende ao primeiro disco oficial dos caras, “Sobre a Vida em Comunidade” (2015), lançado pelo selo paulistano Balaclava.

Expoentes de uma nova e vibrante cena que vem se fortalecendo na cidade de Natal (que ainda inclui Far From Alaska, Camarones e Talma&Gadelha, entre muitos outros), Walter Nazário (guitarra e sintetizadores), Dimetrius Ferreira (guitarra), Leandro Menezes (baixo) e Ian Medeiros (bateria) apresentam um álbum consistente e agradável, calcado em melodias leves, porém de arranjos bem elaborados, evidenciando uma caprichosa e agradável procura pela simplicidade espontânea.

“Sentimos um momento ótimo de entrosamento, e a cada show ficamos ainda mais a vontade, e esperamos trocar energia com o público e apresentar os melhores shows do Mahmed até o presente”, comenta Walter em uma entrevista para o site Perdidos no Ar, parceiro do Scream & Yell. Deu vontade de ouvir e conhecer mais o trabalho deles? Então prepare-se para os shows da Mahmed escutando o som dos caras e lendo o papo inteiro a seguir.

Explica melhor pra gente o que é “Cantilena”? Que lugar é esse? O que vocês fazem por lá e o que ele significa para a banda?
Ian: Cantilena é o nome do meu home studio. É basicamente um quarto repleto de parafernálias. Desde que entrei na banda, só fizemos um ensaio fora dele, além das gravações, que acontecem em sua maior parte ali. Então pode-se dizer que o Cantilena é o lar do Mahmed, é onde nos inspiramos pra criar juntos e onde tomamos nossas cervejas como se não houvesse amanhã.

Hurtmold, Fugazi, Sonic Youth… Influências que explicam muito o som de vocês. Mas acredito que não seja apenas isso que vocês costumam ouvir no dia a dia, certo? De onde mais vocês bebem pra jorrar na música que criam? Vocês se identificam com outras linguagens artísticas específicas? As capas do [artista plástico] Flávio Grão me indicam que sim…
Walter: Eu gosto muito de cinema. Tem várias referências no meu projeto solo do Cinema Marginal da década de 60/70 no Brasil. Inclusive uma música lado B da gente, que ainda vai ser lançada, tem citações de filmes desse movimento. Gosto de História da Arte, de pegar referências soltas e buscar inspiração, um processo que não é metódico nem racional, uma livre associação de ideias e sentimentos inspirada nos traços e temáticas de artistas que eu selecionava espontaneamente. É como andar numa grande praça e ter encontros casuais, me sinto assim lendo um livro qualquer de História da Arte. Esse modo de compor acabou tendo muita influência no Mahmed. Mesmo tendo referências musicais, buscamos outras formas de inspiração, é uma maneira de achar um tipo próprio, uma forma de originalidade mais rebuscada, porque são linguagens diferentes e a tradução sempre leva a coisas diferentes.

Dimetrius: A relação com Flávio Grão por si só já mostra esse flerte com outros tipos de arte. Nossos dois trabalhos lançados e as camisetas são obras dele. O título de cada obra, aliás, batizou o EP e o nosso primeiro álbum. Antes mesmo de gravarmos o “Sobre A Vida Em Comunidade” já sabíamos que a capa em potencial era essa que escolhemos. Ela representa bem o clima do disco.

Algumas das bandas fora do eixo RJ-SP que já entrevistei me contaram sobre as dificuldades de fazer e viver de música em suas cidades natais. Hoje em dia sinto que as coisas têm mudado de certa forma, varias regiões com seus próprios festivais, trazendo bandas de outros estados inclusive… Do lançamento do EP para cá, como tem sido a vida de vocês nesse sentido? Existe uma vontade de descerem pro Sudeste ou estão conseguindo realizar o que planejam em Natal?
Dimetrius: Este mês iniciamos nossa primeira tour no Sudeste. Essa realidade de festivais e bandas já rola no Norte/Nordeste desde sempre, como no resto do país. Talvez esteja mais barato viajar, as distâncias encurtaram, o circuito se fortaleceu depois de duas décadas. Pra uma banda mediana como o Mahmed é sensacional poder viajar com cachês razoáveis e festivais que respeitam os artistas. Acabamos de chegar do Picnik Festival, em Brasília, vimos um line-up sensacional com a maioria de bandas brasileiras e uma ou outra gringa pra dar um tempero. O segundo semestre vem aí com vários festivais espalhados pelo Brasil, tem muita banda rodando, fazendo som e que tá sendo absorvida por um monte de gente. Acreditamos que podemos chegar nas pessoas cada vez mais com nosso som. O caminho é fazer com sinceridade e tentar mostrar isso da forma mais honesta possível.

Falando especificamente a respeito do “Sobre a Vida em Comunidade”: é um ótimo titulo e que vem muito a calhar pra gente, que todo dia tem que lidar com a vida em comunidade nas ruas, no trabalho, em casa e no pior dos lugares, o Facebook… O disco possui alguma pretensão nesse sentido, de acalmar o que já é muito frenético?
Leandro: Acho que faz sentido e isso aconteceu meio que sem querer. Quando terminamos o disco, deu pra perceber que tudo fazia sentido: a capa, o título e as músicas. Passamos aproximadamente um ano gravando o “Sobre a Vida…” e, no meio desses 365 dias, nossas vidas tomaram rumos que, de uma forma ou de outra, refletiram nas composições. A vida de cada um, ligada com a dos outros três e com todo o resto que está ao nosso redor, acaba sendo influenciada, modificada, moldada e não tem como não contaminar nossa música com tudo isso. Meio clichê dizer isso, né? Mas acho que 2014 foi mesmo um ano muito intenso, com muito baixo-astral também.

O disco traz muito de uma sonoridade rica em modos de usar o instrumento, tendo faixas que evidenciam instrumentos específicos em cada uma. Queria entender como isso acontece a partir do momento da composição até a hora de finalizar a canção. Uma mesma faixa costuma sofrer muitas mudanças numa gravação da Mahmed?
Leandro: Ah, com certeza. Ás vezes começamos a compor uma música a partir de um riff inicial. Daí em diante, ficamos livres para seguir qualquer caminho até que a música tome uma forma. Muitas vezes, o tal riff inicial acaba se tornando secundário. Somos bem livres no quesito composição, nunca estipulamos regras.

Essa pergunta vai por duas vias: não só como ouvintes, mas também como músicos, quais os tipos de sensações que um disco instrumental pode despertar em quem ouve? Passa pela cabeça de vocês o que a galera sente ou imagina quando ouve o disco de vocês?
Walter: Esse é o grande lance da música instrumental: pode ser qualquer coisa!! Nós não falamos palavras (só às vezes), então a interpretação fica mais flexível, e isso é muito positivo. Ás vezes o nome de uma música pode guiar a imaginação, ás vezes uma nota, uma linha melódica… Mas o que importa mesmo é que você pode construir o caminho da sua viagem com muito mais liberdade de que quando se tem uma letra na música. Várias pessoas tiveram trips incríveis com as músicas da gente, coisa de louco, e eu não tinha ideia que nosso trabalho podia chegar nesse ponto. Quando escuto música instrumental sempre rola sensações diversas, a cada vez que eu escuto. Depende do meu momento.

Como surgiu o envolvimento de vocês com a Balaclava?
Dimetrius: Percebemos que o perfil da Balaclava tinha ouvido algumas faixas no nosso Soundcloud. Imediatamente resolvemos mandar um ‘oi’, já que é um selo que lança muita coisa legal e que tem trabalhado com bandas e turnês de cair o queixo. Dias depois mandamos um e-mail com algumas músicas do “Sobre a Vida…” que já tínhamos gravado e deixamo-los ouvirem com calma. Eles curtiram e resolveram lançar. O disco saiu em abril e tem acontecido muita coisa legal de lá pra cá. Ficamos bem satisfeitos de conseguir lançar o álbum a distância, com eles em SP e a gente aqui no RN, sem nunca ter se visto ao vivo, coisa que já resolvemos. Eles viraram bons amigos.

Este mês a agenda cultural de São Paulo está recheada de shows de vocês, em lugares e datas diferentes. E na página de vocês no Facebook vi que é a primeira tour. O que os paulistas podem esperar desses shows? Teremos surpresas, participações especiais?
Walter: O que as pessoas de São Paulo e Rio de Janeiro podem esperar é uma banda extremamente motivada, instigada, interessada em fazer os melhores shows possíveis. Sentimos um momento ótimo de entrosamento e a cada show ficamos ainda mais a vontade. Esperamos trocar energia com o público e apresentar os melhores shows do Mahmed até o presente. O show, como acontece com toda banda, é diferente do disco, mais pra cima e isso por si só é uma surpresa para quem está acostumado só com o álbum. Em relação a participações especiais, não tem nada fechado, como são muitos compromissos não sei se seria muito viável. Mas não falta vontade, quem sabe algumas jams? Vamos tocar com projetos fodas, seria incrível trocar essas experiências com o pessoal que vamos encontrar em SP. No mínimo vai rolar uma parceria etílica ao final de cada show hahahahaha…

Pra fechar, deixo o espaço aberto para a banda dizer o que quiser que não tenha sido dito em alguma das respostas anteriores.
Leandro e Walter: Queremos viajar muito, chama “nóis” pra tocar! haha

– Izabela Costa (@izarcosta) é jornalista e editora dom site / programa Perdidos no Ar

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