Três perguntas: Far From Alaska

por Renata Arruda

Responsável por um dos melhores lançamentos nacionais de 2014 e uma das atrações nacionais do Lollapalooza Brasil 2015, a banda potiguar Far From Alaska ganhou visibilidade em 2012, após ser a vencedora do concurso Som Pra Todos, em que conseguiu um contrato de distribuição com a gravadora Deck e ainda emplacou um show de abertura no festival Planeta Terra, no mesmo ano, tocando no mesmo dia que o Garbage. A banda conseguiu chamar a atenção de Shirley Manson, que usou a fan page do Garbage para elogiá-los.

Na época, tudo o que eles tinham com essa formação era um EP, “Stereochrome”, cujo primeiro single, “Thievery” conquistara o público e imprensa local. Mas seus integrantes não eram estreantes: Emmily Barreto (vocal), Cris Botarelli (synth, lap steel e voz), Edu Filgueira (baixo), Rafael Brasil (guitarra) e Lauro Kirsch (bateria) já eram veteranos na cena, vindo de bandas como Talma&Gadelha, Planant, Calistoga e Venice.

Em maio de 2014, o Far From Alaska finalmente apresentou “modeHuman”, seu primeiro álbum cheio. “A ideia, no início, era trabalhar somente com músicas inéditas até que no decorrer da gravação decidimos incluir as músicas do ‘Stereochrome EP’ regravadas dentro da estética do novo álbum”, explicou Eduardo Filgueira. “Essa inclusão foi muito pelo fato de que toda essa leva de músicas faz parte desse primeiro momento da banda, de surgimento, de formação de uma identidade, etc. Percebemos que todas as músicas contam um pouco sobre relações humanas e como muitas vezes são ilógicas, daí tudo se encaixou”.

Indo na contramão do recorrente decreto da “morte do rock”, a banda apresenta um som pesado e cativante. Eles evitam citar influências diretas (embora já tenham declarado que elas passam por QOTSA, Jack White, Deftones, Bob Marley, Lady Gaga e Lana del Rey), afirmando que, por vivermos em um mundo onde a informação é constante, tudo fica guardado no subconsciente, podendo aparecer sem intenção: “A menos que a banda esteja querendo fazer um tributo à uma banda que curta, ou copiar mesmo, é muito difícil definir ‘as influências’. (…) O mundo [é] caótico onde todo mundo vê tudo, lê tudo, escuta tudo. Quanto mais livre for sua relação com o conteúdo que você absorve diariamente, mais longe você vai conseguir chegar com sua criatividade na hora de compor e mais original vai ser o resultado”, defende Eduardo.

A seguir, Eduardo e Cris respondem três perguntas que vão desde suas influências às suas impressões sobre as cenas de Goiânia, Rio Grande do Norte (“Ambas têm uma forte cultura rock, muitos eventos, bandas e produtores dedicados a movimentar o rock”) e São Paulo, cidade para onde se mudaram recentemente (“Estar em um ponto mais central no Brasil facilita tocar em mais lugares e abre mais possibilidades”). Confira:

Em tempos em que vira e mexe se declara a “morte do rock”, com análises que falam sobre como o gênero se tornou nicho e perdeu seu elemento transgressor, vocês chegam na contramão, crescendo cada vez mais — e ainda cantando em inglês. Como analisam isso?
Cris Botarelli – Difícil. Odeio essa declaração, o rock nunca vai morrer. Aliás, ele continua se espalhando cada vez mais! Você já percebeu que é só gente mais velha que fala isso? Curioso, né? O que morreu é esse acesso limitado a bandas novas de outrora, que, por deixar o público na dependência da mídia, das gravadoras e etc, acabavam concentrando todo o foco no rock de antigamente e consolidando as lendas como Beatles, Hendrix, Led Zeppelin, etc… Com o tempo e o avanço tecnológico mais bandas foram surgindo, sendo conhecidas e reconhecidas como ícones e a música deixou de ter qualquer fronteira (que bom!). É por isso que acho que hoje não temos novas lendas e é por isso também que uma banda lá do Rio Grande do Norte consegue público no Rio Grande do Sul. O que temos são centenas de novos ícones para absolutamente todos os gostos, artistas incríveis compartilhando o público. Por isso, nem morto está e nem precisamos da “salvação do rock” (outra expressão que não sou fã risos) porque ele está muito bem obrigado, não precisa ser salvo.

Muitas bandas costumam deixar seus estados para viver principalmente em São Paulo, onde dizem haver mais público, estrutura e facilidade de locomoção. O que acham disso? Ao mesmo tempo, li vocês dizerem que acham as cenas de Natal e Goiânia as melhores do Brasil. O que outros estados podem aprender com as cenas de Natal e Goiânia, na opinião de vocês?
Eduardo – Mais público? Acho que nunca dissemos isso. São Paulo é tão diverso quanto controverso. Eu não vejo uma movimentação grande da cena independente da cidade, por exemplo. Não vejo tantos festivais de bandas locais, pessoas consumindo com empolgação a cena (de São Paulo)… Não na proporção a que estamos acostumados em Natal, pelo menos, ou então não conhecemos o suficiente, o que também é possível. Agora, em relação à facilidade de locomoção, sim, de fato. Logística é realmente algo complicado (caro principalmente) pra nós, tanto que somos mais uma banda que se mudou para São Paulo. Estar em um ponto mais central no Brasil facilita tocar em mais lugares e abre mais possibilidades. Quanto à Goiânia e Natal, ambas têm uma forte cultura rock, muitos eventos, bandas e produtores dedicados a movimentar o rock. É uma cena que vem sendo construída há muito tempo e que agora está dando mais frutos. Acho que essa é a principal característica destas cidades, o rock é um trabalho constante, independente de altos ou baixos, persistente contra tudo e todos. E os frutos são o ideal que toda banda gostaria: público atento, que consome sua música e não tem vergonha de curti-la, vai aos shows, vibra, acompanha, e sim: paga ingresso. Mas tudo é uma construção lenta e ao mesmo tempo uma desconstrução desse senso comum do brasileiro de valorizar mais o que é de fora da sua cidade, do seu estado, da sua região ou do seu país. Em Natal e em Goiânia, por exemplo, existe o emblemático caso de festivais super bacanas, já consolidados, por onde rodam bandas do Brasil inteiro e de fora, mas que entre os headliners têm presença certa as bandas locais, que, aliás, geralmente tem os shows mais bombados da noite.

Além das referências musicais, que outras influências inspiram o trabalho de vocês?
Eduardo – Isso é tão difícil responder, eu não entendo como as bandas têm uma resposta pronta pra isso. Você está vivendo em um mundo, está lendo mil coisas por dia, ouvindo mil músicas, vendo trocentos filmes, e fica tudo ali guardado na sua mente, no seu subconsciente. A menos que a banda esteja querendo fazer um tributo à uma banda que curta, ou copiar mesmo, é muito difícil definir “as influências”: tudo influencia, oras. Da vinheta do jornal ao seu café da manhã, da história do seu amigo traidor a um conto de Andersen, passando pelo clipe da Lady Gaga. Sabe? Esse é o nosso mundo. O mundo caótico onde todo mundo vê tudo, lê tudo, escuta tudo. Quanto mais livre for sua relação com o conteúdo que você absorve diariamente, mais longe você vai conseguir chegar com sua criatividade na hora de compor e mais original vai ser o resultado. A arte, pra ser arte, deve ser livre. Não pode ser feita pra caber numa caixinha com rótulo.

– Renata Arruda (@renata_arruda) é jornalista e assina o blog Prosa Espontânea.
– Foto do Far From Alaska: Giovanna Hackradt Rêgo

Leia também:
– Far From Alaska: segundo melhor show do Porão do Rock (aqui)
– Far From Alaska: segundo melhor show do Festival DoSol (aqui)
– DoSol: festival potiguar mostra a força da cena local (aqui)
– Download gratuito: seis discos da safra 2013/2014 potiguar para baixar (aqui)

One thought on “Três perguntas: Far From Alaska

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.