“Esmeraldas”, o terceiro disco de Tiê

por Fernando Silva

Em “Esmeraldas” (2014), a paulistana Tiê dá mais um passo para ser reconhecida como grande cantora romântica, o que, oportuno explicar, não significa demérito. Este terceiro álbum traz arranjos mais complexos, que deslizam entre o lúdico e a psicodelia, colocando a carreira da cantora na trilha de nomes como Roberto Carlos, Lulu Santos e Odair José. Em outras palavras, no caminho daqueles que, quando menos se espera, já podem ter tocado seu coração com histórias que você já viveu.

Produzido em conjunto por Adriano Cintra e Jesse Harris, que se alternam (principalmente Adriano) entre baixo, órgão, violão, craviola, bateria e banjo (entre outros instrumentos), “Esmeraldas” é, ao mesmo tempo, mudança de rumo e sequência lógica no trabalho de Tiê. Se no subestimado “Sweet Jardim”, de 2009, a música se apresenta triste e delicada, igual gelo seco que se desfaz no ar, o sucessor “A Coruja e o Coração”, de 2010, tem cores pop e alegres, incluindo o flamenco que a cover do hit do Calcinha Preta, “Você Não Vale Nada”, transformou-se. Agora, porém, há um movimento pendular na sonoridade e nos temas.

Gestado na cidade mineira de Esmeraldas, cidade a 60 quilômetros de Belo Horizonte, o novo trabalho traz canções encorpadas e uma artista mais madura e ciente das desventuras da vida, dos bloqueios criativos. Uma atmosfera agridoce paira durante a maior parte das 12 faixas autorais que compõe o álbum (Tiê participa da composição de todas músicas do disco, quase que todas divididas entre vários parceiros – a exceção é a faixa título).

“Máquina de Lavar”, parceria com André Whoong, é um exemplo disso: um trio de cordas (viola, cello e violino), o piano e o teclado de Guilherme Arantes e a guitarra de Tim Bernardes, do grupo O Terno, ajudam a emoldurar o conto da mãe que cuida dos filhos e faz as tarefas caseiras, mas não reprime seus desejos, pensando no encontro que teve no elevador. Como se escreve por aí, nas redes sociais, sexy sem ser vulgar. Outras boas sacadas aguardam o ouvinte.

“Urso” apresenta uma melodia gostosa e dançante (lembra-se do Cansei de Ser Sexy?) enquanto a faixa-título parece quase uma filha bastarda das trilhas sonoras de faroeste. “All Around You”, parceria que envolve Tiê, Tim Bernardes, André Whoong e David Byrne, eterno ex-líder do Talking Heads, tem um tropicalista que gruda na cabeça. A participação especial de Byrne na faixa é ponto alto do disco.

Sem se esquecer dos temas relacionados ao coração, Tiê canta desencontros, dor de cotovelo e saudades em “Isqueiro Azul”, que resgata as raízes folk da compositora, com direito a violão, bandolim e Adriano Cintra no baixo, bateria e órgão numa faixa de ligação direta com aquela moça que cantava “Se Enamora”, sucesso do Balão Mágico, nos shows e que surgiu aos olhos do público com a bela “Assinado Eu”. Ela mantém o ritmo tal qual o rio que sai da nascente e deságua no mar. O percurso sentimental e direto associa-se, desta vez, a um instrumental repleto de cordas e brincadeiras sonoras.

“Depois de Um Dia de Sonho” sintetiza mais claramente a ideia. A composição de André Whoong, parceiro em sete das 12 canções do álbum, ganhou versão lisérgica e onírica de Tiê, que injeta um tanto de Beatles no som e uma porção de imagens quase cinematográficas na letra. Casadas com o arranjo e estrofes – como “De dentro da banheira eu tento entender/ O que sinto exatamente por você/ Faço muita espuma e no final/ Já não sei o que é sonho e o que é real” – revelam uma leveza rara hoje em dia na, talvez, melhor música de “Esmeraldas”.

Alquebrado ou grandioso, o amor é flagrado pela intérprete em diversas de suas variações. Ela também volta a câmera fotográfica para as dores sentimentais de “La Notte”, segundo lugar no festival de Sanremo 2012 na voz da italiana Arisa, aqui vertida para “A Noite”. Apesar de não haver grandes novidades em relação à original, o lirismo da performance em português chama a atenção. É difícil não se reconhecer em algumas situações passadas, ao ouvir coisas como “A maldade do tempo fez eu me afastar de você”. Seja você de esquerda ou de direita.

O grande mérito da cantora é dar charme ao que parecem, algumas vezes, posts de um blog confessional. Com ternura, ela vocaliza sentimentos que envolvem e podem trazer de volta lembranças daquele amor esquecido (e que ficou para trás por detalhes da vida). Aqui, Tiê levanta a mão e pede licença para seguir uma longa trajetória na cena pop. Mas sem pressa. Que seja assim.

Leia também:
– “A Coruja e o Coração”, de Tiê, é um bonito álbum, pop e poético na justa medida (aqui)
– “Sweet Jardim”, de Tiê, é um disco bonito e outonal que pode agradar sonhadores (aqui)

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