Três filmes: Anna Karina e Godard (1)

por Marcelo Costa

“Uma Mulher é Uma Mulher” (“Une Femme est Une Femme”, 1961)
Hanna Karin Blarke Bayer chegou a Paris com 17 anos (1957) e logo o diretor Jean-Luc Godard se viu apaixonado por ela. Ele a queria para “Acossado” (1960), mas a jovem dinamarquesa não aceitou o papel devido a um nu exigido pelo roteiro (que ficou de fora da versão final do filme). Ele não desistiu: casou-se com ela, que passou a ser o principal rosto da Nouvelle Vague. Sua estreia sob as lentes de Godard foi em “Um Pequeno Soldado” (1960), mas é com “Uma Mulher é Uma Mulher” (o terceiro filme de Godard) que Anna Karina desponta para o mundo ganhando o Urso de Prata de Melhor Atriz em Berlim. Homenagem singela aos musicais norte-americanos, “Uma Mulher é Uma Mulher” é uma comédia doce, descompromissada e leve que conta a história da stripper Angela (Anna Karina). Ela vive um relacionamento conturbado e apaixonado com Émile (Jean-Claude Brialy) enquanto é cortejada pelo melhor amigo do marido, Alfred (Jean-Paul Belmondo). Angela quer ter filhos, Émile não, e isso é pretexto para algumas situações cômicas do roteiro, como o marido oferecê-la para passantes na rua (“Por favor, você poderia engravidar a minha mulher?”). Destaque para a trilha invasiva de Michel Legrand, para o roteiro apaixonado (e feminista) de Godard e para Jeanne Moreau, que faz uma ponta, num bar, contando que está filmando… “Jules et Jim”. Um filme simples e eficiente (como Godard raramente seria daqui pra frente) que mantém seu charme.

“Viver a Vida” (“Vivre Sa Vie”, 1962)
No quarto filme de Godard (o terceiro em sequencia estrelado pela esposa), Anna Karina vive o papel de Nana, uma garota sonhadora de 20 anos que deixa marido e filho para tentar ser atriz, não consegue se destacar e acaba precisando se prostituir para sobreviver. Prêmio do Júri em Veneza, “Viver a Vida” é dividido em 12 pequenos atos que permitem a Godard fragmentar a história e divertir-se em cenas que trazem seus personagens de costas para a câmera, como a genial abertura, uma longa conversa no balcão de um bar em que Nana rompe com o marido. Nana flutua entre o ingênuo sonhador e o silêncio contemplativo enquanto Godard explica em detalhes a profissão de prostituta na França (leis, polícia, quanto ganha, quem atender, onde circular, como usar o quarto, etc…) e questiona a importância da verbalização: “Quanto mais falamos, menos as palavras significam”, ela diz. Depois pergunta a um filósofo: “As palavras nos traem?” e ganha como resposta: “Nós nos traímos”. Ela questiona o amor, e o filósofo diz que ninguém com 20 anos pode entendê-lo. O olhar de Nana atravessa a câmera (como se questionando o marido cineasta). Ela encontrou o amor (Godard também), mas o destino será cruel… no cinema. Um dos melhores Godard da primeira fase (fresco e atual mesmo hoje).

“Bande à Part” (“Bande à Part”, 1964)
Dois outsiders conhecem uma garota (Anna Karina, aqui de cabelos compridos e postura adolescente não exalando a sensualidade a flor da pele de “Viver a Vida” e “Uma Mulher é Uma Mulher”), que conta a um deles que seu tio tem um fortuna guardada dentro do guarda-roupa (sem tranca, chave, cadeado, nada). Já imaginou o filme inteiro, certo? A forma sobrepõe o conteúdo em “Bande à Part”. Godard usa e abusa do estilismo em várias passagens que ainda soam geniais mesmo sem o contexto de época (repetições de fala, câmera tremida, improvisações e a brilhante cena do literal “um minuto de silêncio” além da dança, que Godard já havia explorado delicadamente em “Viver a Vida”, mas que soa muito melhor resolvida aqui), mas que se perdem em uma história (quase) previsível: a radicalização/desconstrução visual não tem um complemento textual a altura. Ainda assim, o triângulo amoroso cativa o espectador que fica aguardando o desenlace fatídico. O quase entre parênteses tem seu motivo: por mais previsível que o roteiro (de centenas de filmes franceses) seja(m), Godard consegue fugir do estereótipo no desencadear da trama deixando para o espectador um final levemente surpreendente.

–  Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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