Três Filmes: Louis Malle, Jean-Luc Godard e Eric Rohmer

por Marcelo Costa

“Ascensor para o Cadafalso” (“Ascenseur Pour L’Echafaud”, 1957)
Em seu filme de estreia, o diretor francês Louis Malle ousa criar uma ponte histórica entre o fim do cinema noir e o começo do que viria a ser chamado de nouvelle vague. A estética ainda é comportada, mas a trama envolve o espectador invertendo a posição das histórias: o que é principal vira secundário, o que é secundário vira principal. No caso, uma esposa (Jeanne Moreau) planeja com o amante (Maurice Ronet) o assassinato do marido. O plano parece ter sido executado com perfeição, até que o rapaz percebe que cometeu um erro grave: esqueceu uma corda que poderá levantar suspeitas de homicídio ao contrário do encenado suicídio. Ele volta para tentar resgatar a corda e fica preso no elevador. Começa então um segundo filme, muito mais interessante e menos óbvio que o primeiro (os dois notadamente influenciados por Hitchcock): ao voltar para pegar a corda, o amante deixa a chave de seu carro na ignição, e um rapaz pega o carro e sai para passear com a namorada. É apenas o primeiro ato inconsequente do jovem casal, que passa a ser protagonista do filme, levando a história para um extremo espetacular e um desfecho sagaz. Pontuando várias cenas, o trompete melancólico de Miles Davis cria o clima perfeito para um belíssimo filme (divisor de épocas).

“Acossado” (“À Bout de Souffle”, 1960)
Poucos filmes na história do cinema são tão urgentes, revolucionários e, ao mesmo tempo, retratos de época e atuais quanto a estreia de Jean-Luc Godard. “Acossado” é daqueles filmes em que a forma, provocativa e instigante, parece sobrepor-se ao conteúdo, mas Godard, aparentemente nonsense, deixa frases soltas que ficam ressoando por dias. A partir de um argumento de Truffaut, Godard homenageia o cinema b norte-americano (Truffaut havia feito o mesmo com “Atirem no Pianista” também em 1960) contando a história nobre e trágica de Michel (o feio bonito Jean-Paul Belmondo), um malandro que passa o dia aplicando golpes sujos (Marcos, personagem de Ricardo Darin em “Nove Rainhas”, é irmão de alma de Michel), e em um deles acaba assassinando um policial. O cerco se fecha e, paralelamente, há o romance de Michel com a norte-americana Patricia (quantos meninas cortaram o cabelo curto para imitar Jean Seberg na época? Em qualquer sexta no Globo Repórter): ela tem dúvidas se o ama, e ele, apaixonado, está cansado de fugir. A lógica de Godard é simples: “Dedos duro deduram; assaltantes assaltam, assassinos assassinam, amantes amam: é normal”, diz Michel em certo momento. Uma obra prima obrigatória para ser ver, no mínimo, uma vez por ano.

“O Joelho de Claire” (“Le Genou de Claire”, 1970)
Entre 1963 e 1972, o cineasta francês Eric Rohmer dedicou-se aos Seis Contos Morais, pequena série cinematográfica que começou com dois curtas não exibidos em cinema na época (“A Carreira de Suzanne” / “A Padeira do Bairro”, ambos lançados em DVD no Brasil), e seguidos por “A Colecionadora” (1967), “Minha Noite com Ela” (1969), “O Joelho de Claire” (1970) e “Amor à Tarde” (1972). Quinto filme da série, “O Joelho de Claire” explora com fina destreza os percalços de um romance (ou do que poderia ser um romance, ou o que os personagens e o próprio espectador entendem como romance): Jerome está prestes a se casar, mas é instigado por uma amiga escritora a viver um romance com uma adolescente, Laura (ah, os franceses). Ele nega a possibilidade se dizendo completo por sua futura esposa, mas se entrega aos caprichos da amiga e, por conseguinte, da garota. Rohmer constrói a narrativa com extrema sensibilidade. A Claire do título é meia-irmã de Laura, e só aparece na segunda metade do filme, quando Jerome (sentimentalmente fragilizado pela primeira história) se vê apaixonado por seus delicados joelhos. Há um delicioso descompasso entre o que os personagens dizem sentir e o que se vê na tela formando um painel interessante e vasto sobre o amor (ou aquilo que imaginamos ser o amor) e, claro, sobre o próprio homem.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Leia também:
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