Música: X&Y, o novo disco do Coldplay

por Marcelo Costa

Será que o Paraíso é realmente um lugar legal? Vamos lá então: imagine um local bem calmo, sem sexo, drogas, rock’n’roll, Coca-Cola, chocolates, cigarros, filmes do Tarantino e picanha no ‘réchaud’. Chato? Agora imagina a trilha sonora para este lugar: “X&Y”, terceiro disco do grupo de Chris Martin, é perfeito para tanta perfeição. Não fica muito difícil de escolher o Inferno, né.

“X&Y”, a rigor, eleva a milésima potência a grandiloquência exibida no multiplatinado “A Rush Of Blood To the Head”. A banda precisou de três anos para lançar um novo álbum de inéditas (nos anos 60, Beatles, Beach Boys e Stones lançavam dois discos por ano) e continua na árdua caminhada para se transformar no novo U2. “X&Y”, aliás, tem tudo para fazer pelo Coldplay o que “The Joshua Tree” fez por Bono e cia em 1987. Porém, copiando o U2, o Coldplay está mais para um Simple Minds que está dando certo… nas paradas.

A grande diferença, porém, é que se “The Joshua Tree” popularizou o som U2 para mais de 20 milhões de pessoas em quase baladas como “Where The Streets Have No Name”, “I Still Haven’t Found What I’m Loooking For” e, principalmente, “With Or Whitout You”, o disco trazia também rocks poderosos como “Exit” e “Bullet The Blue Sky” (que ganhou cover do Sepultura) e bons countrys como “Running To Stand Still” e “In God’s Country”.

Já “X&Y” alterna baladinhas, baladas e baladões. Quando as canções aceleram, geralmente depois do primeiro minuto da música, vêm recheadas de teclados, pianos e sintetizadores. É tudo tão pomposo, grandiloquente e produzido que joga pelo ralo toda inocência exibida na estreia, com “Parachutes”, em 2000. Pior: se lá a banda se justificava monotemática ao falar de amor (e só de amor), em “X&Y” Chris Martin se tocou que é ouvido no mundo todo, e decidiu bancar o bom moço e mandar recados messiânicos. Mais um capitulo especial da série “o politicamente correto vai fuder com o mundo”.

Se a vida pessoal de Martin mudou muito nos últimos três anos (ele casou com a bela atriz Gwyneth Paltrow com quem teve uma menina chamada Apple – não, não é o selo dos Beatles), o som do Coldplay continua na mesma: um pop rock com cada vez mais sotaque de U2 e menos de Echo & The Bunnymen. Os teclados tomam a frente dos arranjos aposentando a guitarra em pelo menos metade das doze canções. E o violão aparece conduzindo a melodia apenas na oitava faixa do disco, a boazinha “A Message”. Martin parece Ian McCulloch quando mastiga “heart of stone” no final de uma frase. “Minha canção é amor”, canta o vocalista logo no início da música. A gente já tinha entendido a mensagem, não precisa ficar repetindo…

“Square One” abre o disco com teclados e guitarras microfonando na mixagem. Não se engane. É rebeldia calculada. “Você está no controle”, canta Martin. Bateria eletrônica e boas guitarras passeiam pelas duas saídas do estéreo. A grandiosidade do refrão, porém, ameaça jogar tudo na vala dos comuns, mas não dá para dizer que a música seja ruim, principalmente porque a próxima, “What If”, é uma balada em que escorre sacarina. Chris cantando em falsete – “como você pode saber se não tentar?” – dá arrepios. Brega pacas.

“White Shadows” abre com bom riff de guitarra e uma ótima linha de baixo, mas os malditos teclados voltam a marcar presença. Na letra, Chris Martin exagera cantando à la Bono: “Nós somos parte da raça humana. Todas as estrelas no espaço são parte de um sistema”. Lenga lenga bravo, hein. “Fix You” é daquelas que começam lentinhas e vão celebrar isqueiros em estádios. O problema é ser paciente o bastante para esperar entrar o riff de guitarra lá pelos 2m35 da música…

“Talk” empresta a melodia de “Computer Love”, do Kraftwerk, e a transforma em riff de guitarra. Fãs dizem que a primeira versão da música é muito melhor que esta contida em “X&Y”, mas mesmo assim esta versão é uma das melhores canções do disco, embora tenha uns breaks desnecessários ali pelo meio. “X&Y”, a faixa título, é uma das poucas em que o arranjo dos teclados funciona a favor da música, e não contra, levando a melodia para outros caminhos. A letra, apesar de chorosa, também é boa.

O disco é dividido em lado “X” e lado “Y”. As seis primeiras faixas formam o lado “X” enquanto “Speed of Sound”, primeiro single, comandado por teclados e bateria, abre o lado “Y”. Se tirassem o riff de guitarra que surge ali pelo meio ia ficar parecendo Keane. Falta pique e sobra teclados. Depois de “A Message” surge “Low”, outra que lembra Echo & The Bunnymen, e lembraria mais se os teclados exagerados não chamassem tanto a atenção. Se tivesse metade dos cinco minutos que tem, e menos teclados, talvez soasse muito melhor.

“The Hardest Part” padece do mesmo mal que “Low” e quase todas as faixas de “X&Y”: excesso de teclados. Um bom riff de guitarra abre a música e Chris Martin surpreende ao cantar sem chorar, mas eles não aguentam e despejam piano e teclados no arranjo. O disco está chegando ao fim, mas parece que nunca termina. “Swallowed In The Sea” meio que assusta quando Chris conta que “poderia escrever uma canção de cem milhas de comprimento”. Ok, eu estava brincando quando o disco demorava para acabar… mas a melodia é boa, a letra também e um vocal calmo de Martin transforma esta em outra das boas canções do disco.

“Twisted Logic”, a dita última música, começa com Chris sussurrando a letra. Bateria quebrada e os indefectíveis teclados marcam presença em longos cinco minutos. A tortura acabou? Não. Ainda resta “Till Kindgom Come”, “faixa escondida” e quase acústica que surge para ser uma das grandes canções do álbum. Após 62 minutos e 35 segundos, “X&Y” termina deixando no ar uma certeza: o mundo está caminhando em direção ao Paraíso, um lugar chato, em que não será permitido xingar o juiz, ter sonhos libidinosos com Angelina Jolie, fazer piadas de argentinos, portugueses ou gaúchos, e devorar lanches do McDonalds.

O Coldplay pinta ser a grande banda da década, porém, ainda deve um grande álbum aos críticos. Nenhum dos três discos da banda entra num TOP 100 de todos os tempos, Chris Martin precisa aprender a cantar sem chorar, e algum produtor fodaço (como Daniel Lanois e Brian Eno) precisa mostrar para os músicos que não existem apenas teclados, pianos e sintetizadores no mundo. Enquanto isso não acontecer, o Coldplay vai ser, eternamente, uma banda coxinha. E eu vou desejar, sem nenhuma dúvida, viver no Inferno.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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