Cinema: “Batman Begins”, o homem-morcego definitivo de Christopher Nolan

texto por Marcelo Costa

Após um hiato de oito anos nos cinemas, o último filme do homem-morcego havia sido “Batman & Robin” de 1997, o personagem Batman retorna das trevas decidido a contar sua história de forma definitiva, clássica e empolgante. “Batman Begins” (2005) simplesmente apaga da memória qualquer outra adaptação feita dos quadrinhos do herói para as telonas. E não só é melhor que todos os filmes anteriores do Batman juntos como também instaura um novo patamar para as adaptações de quadrinhos. Em “Batman Begins” tudo é impressionantemente real. Visualmente e sonoramente o filme é impecável.

“Batman Begins” explora a origem da lenda do Batman e o surgimento do Cavaleiro das Trevas como uma força do bem em Gotham City. A verossimilhança da história é o primeiro grande trunfo do filme. Nada de viagens mirabolantes nem realismo fantástico. O pequeno Bruce Wayne é um garoto extremamente comum, porém assombrado desde a infância pela imagem de morcegos após cair em um poço cheio deles, e que viu os pais serem mortos a sangue frio por um assaltante. Aliás, “Batman Begins” é o primeiro filme a retratar o assassinato dos pais de Bruce Wayne como realmente foi desenhado nos quadrinhos.

“Por que Morcegos, Sr. Wayne?”, pergunta o mordomo Alfred a certa altura, quando Bruce começa a definir a persona de seu herói. “Porque eu sempre tive medo deles. Agora está na hora de compartilhar este medo com meus inimigos”, responde o rapaz. Porém, isto tudo acontece ainda mais pra frente. O filme começa com Bruce preso em Cingapura, após ser pego roubando no País ao lado de uma quadrilha.

Não dá para dizer que há vilões em “Batman Begins”. Os vilões que existem no inicio da trajetória do Batman são as mesmas pessoas que conhecemos bem pelos telejornais. Carmine Falcone (Tom Wilkinson), um líder de tráfico e da bandidagem em Gotham City, a cidade mais corrupta do mundo, é um dos vilões da história. Os justiceiros da Liga das Sombras formam o outro lado da trama. Para eles, a ótica niilista é levada ao extremo. Melhor do que tentar consertar as coisas é destruir tudo e começar tudo do zero. Justiça se confunde com vingança.

Após sair da prisão, Bruce Wayne segue para aprender a domar seus medos na Liga das Sombras. É ali que o personagem de Batman começa a ser moldado. É aqui que Bruce percebe que a arte da guerra não é apenas o momento do confronto, mas sim o que o antecede e o que o finaliza. É quando o teatro entra em cena. Deste ponto em diante, o diretor Christopher Nolan e o roteirista David S. Goyer começam a preencher os vácuos da história do herói, mostrando como surgiu a roupa do Batman, seu batmóvel, a batcaverna, e por ai em diante. A história é contada de forma meticulosa beirando, muitas vezes, o hilário.

O trunfo de tornar a história de Batman real e palpável veio do diretor Christopher Nolan, que tinha apenas três filmes na carreira quando aceitou fazer este “Batman Begins”: a premiada estréia em 1998 com “Following”, cuja a carreira de sucesso cult independente deu subsídios para que o diretor investisse em um segundo projeto, o sensacional “Amnésia”, melhor filme de 2000 segundo os 72 votantes do Top Seven Scream & Yell. O sucesso deu ao diretor a chance de trabalhar com Al Pacino e Hilary Swank no ótimo “Insônia”. Nolan já tinha em sua cabeça como queria o filme do Batman. Assim que fechou o elenco, o diretor reuniu todos para uma sessão privada de “Blade Runner, o Caçador de Androides”. Ao final da sessão apontou o seu desejo: “é desse jeito que eu quero que seja Batman Begins”. Ele conseguiu, sobretudo, fazer um filme despretensioso.

“Batman Begins” é um filmaço que não se rende a exageros e saídas cinematográficas óbvias e nem fica restrito ao gueto dos fãs de quadrinhos. O roteiro é extremamente bem cuidado (assinado a quatro mãos por Nolan e David S. Goyer) e torna o filme acessível sem desvirtuar a história. Goyer, que já havia assinado adaptações da série “Blade”, seguiu a risca o pedido de Nolan de manter o filme o mais verossímil possível. As atuações também são brilhantes. Christian Bale é o Batman da hora. O ator, que tem no currículo o cult e sensacional “Psicopata Americano” e o bom “Velvet Goldmine”, dá ao personagem de Bruce Wayne todos os contrapontos de sentimento que ele necessita. Dá raiva que o move por ter perdido os pais em um assassinato até as sacadas hilárias de seu personagem, o Bruce de Bale é perfeito, assim como seu Batman, quase sempre envolto em sombras, e tomando muitos tombos até aprender a “voar”.

Michael Caine e Morgan Freeman brilham como o mordomo Alfred e o empresário Lucius Fox, respectivamente. Ambos estão ótimos. Alfred parece ter sido escrito para Michael Caine. Já o personagem de Morgan Freeman é responsável por algumas das melhores tiradas do filme. Brilham também Gary Oldman como o sargento Gordon (extremamente simples e despido de força visual), Liam Neelson como Henri Ducard, mestre de Bruce Wayne, Katie Holmes como a promotora Rachel Dawes (desde a série “Dawson’s Creek” que Katie tem um dos sorrisos sem jeito mais lindos das telas), Tom Wilkinson como o traficante Carmine Falcone (impressionante em uma cena em um bar), Rutger Hauer como o empresário Richard Earle, e Cillian Murphy, do ótimo “Extermínio”, como o Dr. Jonathan Crane.

Em duas horas e vinte e um minutos de muita ação e emoção, “Batman Begins” faz o espectador esquecer completamente qualquer outro filme da franquia. Mais: “Batman Begins” se torna o filme definitivo do homem-morcego. Nolan conseguiu imprimir ritmo e não soar caricato mesmo nas cenas necessárias de perseguições ou lutas, provavelmente por ter procurado fazer um filme que soasse real para o público. Não há lugar para a fantasia em “Batman Begins”, assim como não há na vida real. Como sabemos, vivemos um grande teatro. Quer coisa mais teatral que um homem vestido de morcego rompendo pela noite na cidade? Nos dias de hoje não há mesmo como duvidar…


texto por Bruno Ondei

As peças publicitárias de “Batman Begins” espalhadas pelo mundo mostram os pontos turísticos das respectivas cidades tomados por uma revoada de morcegos. A ideia dos anúncios segue de perto a proposta do diretor Christopher Nolan: trazer o mito Batman para o mundo real. E, diga-se, seu objetivo foi conquistado com louvores.

O filme começa misturando dois tempos narrativos. O primeiro mostra Bruce Wayne (Christian Bale) já adulto, em busca de treinamento mental e físico para lutar contra a criminalidade. O outro segue a infância de Wayne, marcada por traumas que ele carregaria pelo resto da vida.

O primeiro grande trauma acontece quando o garoto cai num poço na propriedade dos Wayne. Ali, o pequeno Bruce tem o primeiro contato com a criatura em que se tornaria. Morcegos, assustados com sua presença, voam para cima dele. O segundo trauma, como é bem sabido de todos, dá-se quando seus pais são assassinados na sua frente. Esses dois eventos criam em Bruce um sentimento que é a tônica de “Batman Begins”: o medo. Não à toa, um dos vilões que atazanam a vida do Homem-Morcego é o Espantalho (Cillian Murphy), que tem como arma um gás que instala o pânico nas pessoas que o inalam.

Grande parte da abordagem pé no chão dada por Nolan ao personagem tem sua raiz na primeira parte da aventura. Tudo ali é construído sem pressa. Bruce, vagando pelo mundo em busca de um rumo para sua vida e uma cura para seu trauma, chega a um templo comandado por Ra’s al Ghul (Ken Watanabe). Lá, auxiliado pelo misterioso Henri Ducard (Liam Neeson), Bruce aprende várias modalidades de luta e ganha conhecimentos para buscar a justiça. Nesta fase do filme fica evidente o maior ponto negativo da obra.

O roteiro, escrito pelo especialista em histórias em quadrinhos David Goyer, peca nos diálogos. Soam um pouco forçadas as palavras trocadas entre os Bruce, Ra’s e Ducard. Mas, sinceramente, não é nada que atrapalhe o desenvolvimento da trama. Após seu exílio, Bruce volta para Gotham com a ideia de combater a corrupção que se apossou da cidade. E aí que reside a grande graça do filme. Já que a ideia era ser realista, Nolan justifica cada aspecto do morcego. Desde seu uniforme bizarro até o espetacular batmovel.

Assim, é fascinante observar o nascimento do ícone Batman. O modo como Bruce vai incorporando elementos que o auxiliam na luta contra os bandidos, culminando no Batman que todos conhecem, é muito bem explicado. Essa estrutura faz de “Batman Begins” um filme semelhante ao primeiro “Homem-Aranha”. Não há pressa para entregar à platéia o herói socando a escória de Gotham. Antes de conhecermos o Batman, somos obrigados a conhecer Bruce Wayne. Assim como em “Homem-Aranha” conhecemos Peter Parker antes de conhecer sua identidade heroica.

Entretanto, tudo o que era engraçado, inocente e colorido no filme do herói da Marvel, em “Batman Begins” é soturno, tenso e pesado. Exatamente como o personagem sempre pediu, mas nunca foi atendido na tela grande. Claro que, justiça seja feita, a ambientação dos dois primeiros filmes de Batman, dirigidos por Tim Burton, é bastante dark. Mas as duas produções cometeram um erro que seria depois repetido pelos dois filmes seguintes, de Joel Schumacher (entre tantos outros): o foco estava nos vilões.

Não fazia sentido dar tanto destaque aos bandidos num universo que possui um protagonista tão interessante. É exatamente isso que faz Nolan. Ciente do material que tinha em mãos, o diretor aposta suas fichas em Batman. E se a decisão se mostra acertada, deve-se a uma pessoa: Christian Bale. O ator britânico, presença constante em filmes independentes, faz um trabalho brilhante como as três personalidades que precisa representar. Isso mesmo. Três! A primeira é o Bruce Wayne amargurado pela morte dos pais e decepcionado com a tolerância dos moradores de Gotham com a criminalidade; a segunda é o Bruce Wayne público, playboy mimado que surge em uma das sequências mais divertidas do filme; e a terceira, é claro, é Batman, criatura que vive nas sombras buscando justiça com as próprias mãos.

Para cada faceta de seu personagem, Bale tem um timbre de voz, uma expressão e uma presença na tela característica. Mas é inegável que o destaque vai para os momentos nos quais o ator veste a roupa de morcego. Ele não é Bruce Wayne vestido com uma fantasia esdrúxula. Ele é Batman.

Não só a escolha de Bale se mostra adequada no elenco. Como é de praxe em sua carreira, Gary Oldman personifica Jim Gordon, ainda um mero detetive que um dia se tornará comissário. O Gordon de Oldman é fiel àquele retratado em “Batman – Ano Um”, festejada mini-série lançada na década de 80 escrita pelo mestre Frank Miller. “Batman – Ano Um”, aliás, é fonte de inspiração para muitos dos aspectos do filme, sejam eles soluções visuais para determinadas cenas (queda no poço do pequeno Bruce), personagens (Gordon) e até do roteiro. A relação entre os detetives – o sem máscara e o mascarado – é obviamente inspirada na obra.

Outro destaque é o veterano – e ótimo – Michael Caine, que vive o mordomo Alfred. Caine é o alívio cômico da fita e funciona muito bem nesta condição. Porém, são nas cenas dramáticas que o talento do ator britânico se sobressai. Ele mostra uma preocupação genuína por seu patrão, sentimento que foi aprofundado com a morte dos pais de Bruce.

Já a atuação de Liam Neeson merece certas ressalvas. Não que ela seja ruim. Mas o talentoso astro anda se repetindo no cinema. Ultimamente, Neeson assumiu o papel de “tutor/mestre/professor” em “Star Wars – Episódio 1”, “Gangues de Nova York”, “Cruzada” e “Kinsey”. Além disso, como disse uma colega que assistiu o filme junto comigo, todo ator que atuou em “Star Wars” deveria pensar duas vezes antes de pegar numa espada. Em suma, o elenco é quase todo eficiente. Infelizmente, o fardo de “destaque negativo entre tantos positivos” recai sobre Katie Holmes. A garotinha do seriado “Dawson’s Creek” não é uma grande atriz e parece um tanto perdida na produção. Uma pena, já que seu papel é interessante e tem importância vital para a trama – e não só como o óbvio interesse romântico do protagonista.

A já comentada falta de pressa de Nolan em mostrar seu herói se justifica na segunda hora de projeção. Quando Batman aparece, enche a tela com sua sede por vingança. Sua primeira ação, contra o bando do mafioso Carmine Falcone (Tom Wilkinson), é violenta e acontece nas sombras. A cena reserva ainda uma ótima brincadeira com o Batsinal, marca registrada da série dos 60.

As cenas de ação também são intensas e nada ficam devendo às pirotecnias das produções hollywoodianas. Mas, enquanto na maioria dos blockbusters essas cenas são objetivo, em “Batman Begins” elas são conseqüência. A primeira hora de filme, utilizada para estabelecer os personagens na trama, servem para justificar as explosões vistas na hora final.

Contribuem também para a qualidade das perseguições e lutas vistas na tela o uso discreto de CGI (efeitos realizados por computador). Nolan optou por construir seus cenários de verdade e não transformá-los em pixels. Com isso, cada tombo, pancada e tiro disparado se faz sentir no espectador. Quem diria que a fórmula para tirar do ostracismo cinematográfico um dos maiores mitos do século 20 era transformá-lo em um ser humano? Aprendeu, Schumacher?

Leia também:
– “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” tratar os personagens com amor e respeito, por Leo Vinhas (aqui)
– “Batmam – Cavaleiro das Trevas”, um divisor de águas, por André Azenha (aqui)
– “A Origem”: Christopher Nolan, o principal nome do cinemão, por Marcelo Costa (aqui)
– Duas pedras na mitologia do personagem Batman, por Diego Fernandes (aqui)

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