“Batman – O Cavaleiro das Trevas” agrada o público sem deixar de conceber uma trama inteligente

texto por André Azenha

Ao sair, na época de seu lançamento nos cinemas, da sala de projeção de “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2008), a sensação de ter assistido um divisor de águas na trajetória da sétima arte não pôde ser descrita em poucas palavras. Ficou impossível caminhar contra a maré e não entrar de cabeça no hype formado a partir de uma campanha viral ao melhor estilo de “A Bruxa de Blair” e “Cloverfield”, até um poderoso esquema de marketing que incluiu o lançamento do DVD animado “O Cavaleiro de Gotham”, com tramas localizadas entre “Begins” e a obra recém lançada no cinema.

Tanta expectativa criada em torno de do filme foi aumentando devagarinho, fazendo com que se tornasse a produção mais esperada, e depois, a com maior bilheteria de 2008 – faturou quase US$ 1 bilhão ao redor do mundo. E agora o maior sucesso da temporada chega em DVD ao mercado brasileiro, em diferentes versões: DVD simples, duplo (recheado de extras bacanas) e um pacote duplo com os discos simples de “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas”.

O processo para a concepção do longa começou três anos atrás com “Batman Begins”, que zerou a cronologia do personagem criado por Bob Kane na telona, deu credibilidade a um gênero cinematográfico – o das adaptações das histórias em quadrinhos – não levado a sério (exceto pelos fanáticos) e satisfez os fãs que haviam torcido o nariz para os longas de Tim Burton (que justiça seja feita, eram divertidos e bacanas) e de Joel Schumacher (péssimos).

A morte prematura de Heath Ledger (escalado para viver o Coringa), aos 28 anos por overdose de medicamentos este ano e os primeiros trailers fizeram o burburinho se tornar uma bola de neve. E não houve decepção. As primeiras críticas da produção compararam-na com “O Poderoso Chefão 2” e “O Império Contra Ataca”, continuações superiores aos filmes originais de suas respectivas franquias – daria ainda para incluir aí “O Exterminador do Futuro 2”.

“É a melhor adaptação de uma HQ para o cinema já realizada”. “Oscar póstumo para Ledger”. “Indicação de Melhor Filme no Oscar de 2009”. Essas foram algumas bolas levantadas pela imprensa especializada. E “O Cavaleiro das Trevas” é isso tudo e mais. Não é apenas um filme de ação, mas tem sequências eletrizantes (custou US$ 150 milhões).

É um drama policial denso, tenso, com toques de tragédia principalmente no ato final, porém tem ótimas sacadas irônicas (principalmente vindas do mordomo Alfred, tão bem composto por Michael Caine). Tem tempo de projeção considerado longo para o gênero (mais de duas horas e meia de duração), mas o espectador nem sente os minutos passarem tamanha hipnose causada por cada cena, cada diálogo. É um trabalho minucioso de direção (de Christopher Nolan, que também assina o excelente roteiro com o irmão Jonathan), e uma magnífica parábola com o mundo atual. Até que ponto vale seguir as leis oficiais? Todo ser humano é incorruptível? É necessária a existência de um vigilante?

Além disso, é a jornada e a transformação de duas figuras do lado da lei (uma “oficial”, a outra de “capa e máscara”) que precisam confrontar seus ideais perante o caos causado por um lunático. É uma obra completa, com tudo no seu devido lugar.

Diferente de outras adaptações cinematográficas de HQs, em que os atores dão entrevistas dizendo que se divertiram ao interpretarem seus personagens, tanto em “Batman Begins” como em “O Cavaleiro das Trevas”, os artistas se dedicaram como se estivessem participando de um drama shakesperiano. Vestiram a camisa e saíram, cada um à sua maneira, com atuações excepcionais. Se no anterior a platéia pôde presenciar o encontro de Liam Neeson, Ken Watanabe, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, entre outros, nesse pôde conferir os remanescentes Christian Bale (o melhor de todas as encarnações de carne e osso do homem morcego), Morgan Freeman, Michael Caine, Gary Oldman e até Cillian Murphy (em rápida aparição), mais os “novatos” Maggie Gyllenhall (ocupando o posto que havia sido de Katie Holmes, como a promotora Rachel Dawes), Aaron Eckhart, Eric Roberts e Heath Ledger.

Na trama, Batman tornou-se o medo dos bandidos da cidade. Junto com o tenente Gordon (Oldman), conseguiu finalmente fazer com que os traficantes sentissem medo. Porém, sua presença levou cidadãos a passarem a se vestir como ele e tentar “fazer justiça”. No campo dos tribunais, o município passa a ter um promotor confiável, Harvey Dent (Aaron). Em meio a tudo isso, surge o Coringa, que propõe à bandidagem a solução para que o crime volte a governar Gotham: matar Batman. Atentados passam a acontecer, juízes, policiais e civis são mortos. Caos e pânico se instalam.

Mesclando ação, suspense, drama e thriller, o público é jogado num épico que retrata uma imagem de sociedade desorientada, que busca sedentamente alguém em quem confiar, que possa salvá-los da desordem. O roteiro também dá uma pequena cutucada ao governo americano, quando questiona (numa cena entre Bale e Morgan Freeman), se é ético e/ou necessário estar plugado aos celulares de todos os munícipes para vigiá-los e conseguir informações.

Se a direção de Nolan (inspirada, segundo ele próprio declarou, em “Fogo Contra Fogo”, principalmente no duelo psicológico entre os dois rivais, como ocorreu com os personagens de Al Pacino e Robert de Niro no longa de 1995) é espetacular (ele praticamente abriu mão de efeitos computadorizados e filmou quase tudo “de verdade”), a trilha sonora de James Newton Howard e Hans Zimmer cria os momentos perfeitos de tensão, o elenco é a cereja de um bolo cujos ingredientes casaram-se perfeitamente. Caine e Freeman surgem carismáticos como sempre, Maggie dá uma dimensão dramática ao papel que a até mais bonitinha Holmes não havia conseguido antes, e Bale e Eckhart conseguem transmitir os conflitos internos de seus personagens. O primeiro enxerga no promotor Harvey Dent uma esperança de poder deixar a cidade nas mãos de um “cavaleiro branco” e assim, levar uma vida normal. Já o segundo mergulha numa viagem sem volta de transformação intensa, perante sentimentos como injustiça e perda. E juntos a Rachel formam um triângulo amoroso.

E há Heath Ledger. Todos os comentários se concretizaram perante uma interpretação que já pode ser considerada histórica. Seu Coringa não é um mero “palhaço do crime”. É um sujeito que dá medo. Quando ele aparece já se sabe que algo muito ruim pode acontecer. A forma como compôs o vilão (o modo de andar, de lamber os lábios e a fala fantasmagórica, mais o visual borrado, com um “quê” de “O Corvo”) faz o Coringa de Jack Nicholson, tão elogiado à época do primeiro Batman de Tim Burton, parecer brincadeira de criança. A atuação do falecido ator já ganhou reconhecimento, rendendo a ele indicações de Ator Coadjuvante para o Globo de Ouro, o Australian Film Institute e Los Angeles Film Critics Association Awards. Uma indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante seria mais que merecida – ainda que os especialistas na premiação da Academia alarmem que dificilmente longas desse estilo sejam premiados.

O difícil agora será encontrar algo melhor no quesito “filmes baseados em quadrinhos”. “Batman – O Cavaleiro das Trevas” é a prova de que é possível agradar público sem deixar de conceber uma trama inteligente. É a sensação de dever cumprido de seus realizadores e a satisfação imensurável dos fãs do homem morcego.

O DVD do filme tem áudio e legendas em inglês, português e espanhol. A edição dupla tem nos extras (quase todos também com áudio e legendas em inglês, português e espanhol) os bastidores do longa, entrevistas com equipe de produção e elenco e outras surpresas que irão agradar em cheio aos fãs da obra.

PS: A Warner Bros. informou que o filme volta aos cinemas brasileiros em 6 de fevereiro, desta vez na tela IMAX (algumas cenas foram feitas especialmente para este formato) do Bourbon Shopping Pompéia, em São Paulo. Como ocorreu nos EUA, o lançamento do IMAX brasileiro acontece com um documentário educativo. Como o lançamento da sala, administrada pelo circuito Unibanco Arteplex, já foi adiado um par de vezes, a WB diz apenas que o relançamento do filme está marcado, mas dependerá da efetiva abertura do IMAX. Deixe anotado na agenda, portanto.O filme também reestréia nos EUA no próximo ano para tentar aproveitar possíveis indicações ao Oscar e bater o aguardado bilhão de dólares mundialmente.

Leia também:
– “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” tratar os personagens com amor e respeito, por Leo Vinhas (aqui)
– “Batman Begins’, o filme definitivo do homem-morcego, por Mac e Bruno Ondei (aqui)
– “A Origem”: Christopher Nolan, o principal nome do cinemão, por Marcelo Costa (aqui)
– Duas pedras na mitologia do personagem Batman, por Diego Fernandes (aqui)

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