O
CEL é o Limite
O Mito Do Americano Médio
por
Carlos Eduardo Lima
25/11/05
Há tempos que gostaria de escrever algo sobre um DVD dos Eagles. Sim, aquela
banda de senhores que fez Hotel California em 1976 e que, ao contrário do que
você pensava (se é que pensava sobre eles, ora) não morreu ou acabou. Este DVD
da banda, flagrando-a numa arena de Melbourne, Australia, é uma aula de
profissionalismo no rock. Sei que isso pode soar chato nesses tempos
tão "espontâneos" de hoje.
Profissionalismo no rock deveria ser uma frase
contendo um paradoxo, mas tornou-se possível levar o rock adiante durante
décadas de carreira e vida, como uma profissão. E no caso dos Eagles, já são 34
anos de carreira, com apenas seis discos de músicas inéditas, lançados entre
1971 e 1980, mais um disco ao vivo e quatro coletâneas, que resultaram em
milhões e milhões de cópias vendidas. Eagles - Their Greatest Hits, de 1976,
lançada junto com o disco Hotel California, é o segundo álbum mais vendido de
todos os tempos, perdendo apenas para Thriller, de Michael Jackson.
Decidi, no entanto, deixar de falar sobre Don Henley e Glen Frey, os cabeções
do Eagles para abrangê-los num contexto muito maior. O mito do americano médio.
A culpa-mérito dessa guinada literária é o diretor Cameron Crowe, que lançou
neste ano o seu melhor filme, Elizabethtown.
Há uma resenha muito bem feita aqui
no S&Y sobre o filme, o que me poupa de falar qualquer coisa
a mais sobre o que aparece na tela, a não ser que as fábulas
reais que Crowe vive, transforma em roteiro e leva às telas
são odisséias logradas pelo americano médio. Ele mesmo é um
típico americano médio. Pense em Estados Unidos e diga o que
vem à sua mente. Talvez você seja uma exceção, mas a maioria
dos não-americanos do mundo associa os USA a três imagens principais:
Nova York, Los Angeles e Hollywood. Brasileiros e outros povos
interessantes ainda podem incluir a Disneyworld nesse arquivo
imemorial do país mais poderoso da Terra.
De uns tempos para cá eu passei a associar os EUA com gente como Kevin Smith,
Bruce Springsteen, Jeff Tweedy e Cameron Crowe. O quadro fica
significativamente melhor. Há legados importantíssimos dos americanos médios
que devem ser vistos e apreciados, talvez apenas para vermos esse país estranho
e continental como apenas um país e não como um império do mal.
Elizabethtown ajuda, mais que qualquer filme de Cameron Crowe a ver americanos
médios por toda parte. O último e mal entendido filme de Kevin Smith, Jersey
Girl, também mostra americanos médios em ação.
O que eles são? As pessoas normais que habitam o país. Existe gente normal
pelos USA adentro e são raras as oportunidades de vê-los por aí. Quando
colocamos um disco como Born To Run (1975), de Bruce Springsteen e prestamos
atenção ao que ele quer dizer - no caso, a saga do êxodo urbano de Nova Jersey
para Nova York em busca de melhores condições de vida e emprego - percebemos
que há gente de carne e osso vivendo lá. Quando John Mellencamp, para muitos um
Springsteen menor, canta as maravilhas e as durezas da vida rural em um disco
como Scarecrow (1985), inclusive com um belo verso vingativo na
música Smalltown, que diz "I married a LA doll and brought her to the
smalltown, now she's smalltown, just like me", dizendo que nada tira o orgulho
médio-americano de dentro das pessoas, nem mesmo Los Angeles, me pergunto se
eles não são legais.
A saga que Elizabethtown mostra, alegoricamente unindo Ronnie Van Zandt (ex-
lider do Lynyrd Skynyrd, mitológica banda do Alabama, que morreu junto com
outros cinco integrantes num desastre aéreo em 1976) e Abraham Lincoln que os
americanos podem ser divertidos quando brincam com seus próprios valores e
sociedade. Parece que eles não são capazes de criticar a si próprios, aos
nossos olhos. Nada disso. Se alguém pode fazê-lo é o americano médio. Aquele
que nasceu num dos estados do Meio Oeste, ou numa cidadela de metal como
Detroit, por exemplo, lar de Glen Frey, dos Eagles. Ou num cafundó como O
Kansaas, estado de onde saiu Joe Walsh para abrir os shows das bandas country-
rock em Los Angeles, na década de 1960-70. A mesma cidade que recebeu Neil
Young, vindo do Canadá e que teria conhecido seus futuros parceiros de Buffalo
Springfield num engarrafamento ao chegar na cidade.
Ver os Eagles tocando para australianos médios e de todas as idades me fez
acreditar no americano médio. Ver Elizabethtown me causou um revertéreo
cultural que me fez comprar discos de Tom Petty e solos de Don Henley, além de
tirar a poeira dos meus poucos e bons Springsteens.
Muitos podem retrucar essa ufanista elegia torta ao yankee, me contrapondo
fatos como a existência de racismo, de burrice, de preconceito e falta de
esclarecimento sobre o mundo. Podem até dizer a exceção da regra do americano
médio, o próprio George W.Bush, um típico caipirão sulista. Estarão certos,
todos. Prefiro e isso é uma atitude totalmente questionável de minha parte,
pensar nos USA como o lar de gente boa, talvez a gente boa mais bombardeada
pela mídia em todo o planeta. E, quem sabe, talvez até dar um desconto para
eles. Posso fazer isso sem deixar de ser brasileiro, acredito. Mesmo porque, a
meu ver, o brasileiro médio é um espécime que ainda não apareceu aos olhos do
mundo, tanto quando o seu equivalente yankee. Nem todos nós somos passistas de
escola de samba, presidentes metalúrgicos ou jogadores de futebol. E aqui
também chove de vez em quando.
Carlos
Eduardo Lima, o CEL, tem quase 35 anos, é caucasiano,
apolítico,
incolor, inodoro e insípido. Contato: cel@rockpress.com.br
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