O CEL & o Limite
Alanis Em Sépia

por Carlos Eduardo Lima
23/08/05


Há dez anos Alanis Morissette lançava o terceiro disco de sua carreira, Jagged Little Pill, e estourava as paradas do mundo. O disco acabaria por vender mais de 15 milhões de cópias, colocando a jovem canadense como a artista feminina que mais vendeu discos na história da música pop. Talvez o título não seja exatamente esse, talvez seja em apenas um disco, este disco. Ou não. O que quero dizer é que Alanis, dez anos depois disso, aos 32 anos de idade, relança o mesmo disco, as mesmas músicas, em arranjos estritamente acústicos.

Talvez isso não te interesse tanto assim, talvez você odeie a obra da jovem nativa de Ottawa (Ottawa contra Labrador, três contra dois, saudades de War), mas a atitude dela ao regravar seu disco breakthrough de forma acústica pode e deve ser entendida como uma estranha e sincera postura, coisa que sempre transpareceu nos discos de Alanis.

Até 1995 ninguém não-canadense sabia da existência da menina, egressa de dois discos pop-Débil Gibson que só venderam no torrão natal. Ela se mudou para Los Angeles, encontrou o produtor Glen Ballard (que tinha experiência com gente como Barbra Streisend) e, juntos sonorizaram as desilusões amorosas comportamentais e mulherísticas de Alanis. O selo de Madonna, o Maverick Records, se interessou pelo disco, totalmente enguitarrado, com uma banda de primeira, na qual se inseria o baterista do Foo Fighters, Taylor Hawkins, e Jagged Little Pill acabou vindo ao mundo em junho daquele ano de 1995.

Veja, rever o que você fez há dez anos, seja um disco, um livro, uma declaração de amor, um pedido de casamento ou uma faculdade é algo que pessoas normais fazem o tempo todo. Às vezes o tempo para que esse reexame aconteça é bem menor que dez anos, mas, muito provavelmente, ao fim deste espaço específico de tempo, suas impressões serão bastante diferentes. Se levarmos em conta os loucos tempos em que vivemos hoje, uma década é quase equivalente a três décadas normais, tamanha a quantidade de informações e mudanças que o mundo e os seres humanos atravessaram de 1995 para cá.

A reprodução da foto do disco com tons sépia e uma expressão mais contemplativa no rosto de Alanis entrega o jogo de que ela cresceu. Não é mais uma menina que reclama de boquetes em cinemas feitos em vão, canalhices machas, traições machas de namorados que se foram, de porradas da vida, mas ainda parece (e, claro, nada mais normal) uma jovem mulher em busca de respostas. Por que então gravar o mesmo disco em formato voz e violão, secundada pelo mesmo produtor, Glenn Ballard, do álbum original?

O simbolismo que a redução de barulho guitarreiro e baterístico pós-grunge em benefício de uma sonoridade supostamente mais elaborada mostra como a gente vai aprendendo que não adianta gritar, espernear, esmurrar portas. As coisas acontecem, você está sujeito a isso, em certos momentos não há como lutar. Uma Alanis mais sábia parece ter constatado isso. E deve ter sido estranhamente incomum a decisão de regravar um disco de menina raivosa como Jagged Little Pill.

As milhões de meninas que se viram nas letras de músicas como You Oughtta Know, Ironic, Hand In My Pocket e tantas outras, envelheceram uma década, não ganharam os milhões de dólares que Alanis embolsou, talvez não tenham entendido porra nenhuma da vida nesse meio tempo. Comprarão o disco? O que as moverá? Recordar o tempo de high school? De faculdade? De gente que se foi? De emoções sentidas? Curiosidade de caçador de bônus track, para saber como as músicas ficaram em formato acústico?

Não parecem motivos fortes para uma venda semelhante ao disco original. Alanis estaria falando então às meninas de hoje, com a sabedoria de uma década? Aconselhando, isenta e legitimada pelo afago do tempo? Não parece que a meninada de hoje, batendo bunda aos som dos hip-hops cafetões da vida ou se apaixonando pelo elenco de O.C seja capaz de se conectar com o ultraje boqueteiro de antanho.

Então concluo que Alanis Morissette gravou o disco mais para ela mesma do que para qualquer outra pessoa. E nessa pequena e totalmente subjetiva constatação que minha admiração por ela aumentou em grandes proporções. Gravar um disco para uma multinacional como a Warner, ainda que o argumento de vendas para Jagged Little Pìll Acoustic seja válido e, passivel de ser qualquer uma das questões levantadas acima acabe justificando a empreitada, novamente temos Alanis Morissette se expondo em público. E isso é notável, mesmo que seja ingênuo supor que seja totalmente verdadeiro.

Todos os seus discos nesta década, cinco ao todo, mostram músicas totalmente confessionais, a ponto disso se tornar a principal marca do trabalho da canadense. Se expor de novo, dez anos mais velha, olhar para trás e (re)ver seus diálogos com o diário é uma atitude que merece aplausos mesmo que você nem saiba quem é essa menina Morissette.

Confesso que isso despertou minha curiosidade para ouvir algumas canções da moça e acho que elas são melhores que todo o pop mainstream feminino atual. A hoje balzaquiana Alanis Morissette é uma foto em sépia numa capa de disco, mas é macha o bastante para não se achar nada além do que parece ser.

Se você vai se dar ao trabalho de ouvir o disco dela é algo que só te diz respeito, amigo leitor. Engraçado é supor que de vez em quando alguma coisa estranha, sem nexo, sem pretensões explicitamente mercadologicas e provavelmente bem intencionada surja em meio à maré de superficialidade. Alanis poderia lançar um greatest hits, preferiu recontar seu coming of ages mais significativo. Eu daria em cima de uma mulher dessas com intenções sérias caso ela morasse aqui no Rio. Bravo.

Carlos Eduardo Lima, o CEL, tem quase 35 anos, é caucasiano, apolítico, incolor, inodoro e insípido. Contato: cel@rockpress.com.br