'Tudo Acontece em Elizabethtown'
por
Marcelo Costa
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11/11/2005
Cinema de autor é mais ou menos isso: quando convidei dois amigos para irem ao cinema comigo, não disse "vamos assistir Tudo Acontece em Elizabethtown". Eu disse: "vamos assistir a um filme de Cameron Crowe". Eles já sabiam do que eu estava falando. Se você, caro leitor, assistiu à Singles - Vida de Solteiro (1992), Jerry Maguire (1996), Quase Famosos (2000) ou Vanilla Sky (2001) também pode ter uma pequena idéia do que é Tudo Acontece em Elizabethtown. É tudo bastante familiar sob a ótica de Cameron Crowe.
As histórias de Cameron são geralmente comédias dramáticas que procuram
mostrar o lado bonito da derrota, quase sempre situado naquela fase
de nossas vidas em que tudo pode mudar para sempre, num piscar de
olhos. Quando precisamos seguir em frente apesar de não querermos
sair do lugar. Junto ao tom irônico de seu texto, o diretor alia
doses maciças de canções pop, um pouquinho de realismo fantástico
(tem coisas que só acontecem nos filmes dele... e em sonhos), reveste
seus personagens de toda pieguice possível (todos somos piegas,
não queira negar), e consegue realizar filmes pretensamente leves
e interessantes, que estão para a música como Bob Dylan,
Lou Reed e Morrissey estão para a literatura.
Em Tudo Acontece em Elizabethtown, vários Cameron Crowe conhecidos surgem em cena. O filme é um recorte de várias idéias, tem vários altos e baixos, chega a parecer monótono em algumas passagens (principalmente em alguns longos diálogos) e - quando parece que vai acabar como uma comédia romântica açucarada - se transforma em um rápido road movie idealista. Crowe poderia ter feito dois filmes totalmente diferentes com o roteiro de Elizabethtown, mas preferiu deixar a história o levar. O resultado precisa ser apreciado com cuidado. Quem está acostumado com o ritmo frenético de Hollywood irá bocejar. Quem pensa que o cinema é só vida real irá detestar. Elizabethtown é para sonhadores.
Drew Baylor (Orlando Bloom) é o fracasso com todas as oito letras.
Admitido como estagiário por uma grande empresa do ramo de calçados
para criar o design do "tênis perfeito", Baylor trabalhou oito anos
no projeto, que, no fim das contas, se transformou no maior fiasco
de uma grande empresa nos EUA, acumulando um prejuízo de quase US$
2 bilhões. A saída: o suicídio. Quando o rapaz está prestes a deixar
este mundo "pedalando" (isso mesmo), o celular toca: a irmã avisa
que seu pai morreu e ele precisa viajar até Elizabethtown para resgatar
o corpo. No avião, uma espevitada aeromoça (Kirsten Dust) faz um
mapa para facilitar a viagem de Drew, deixando mais números de telefone
do que setas indicativas de direção.
Tudo acontece em Elizabethtown, cidade natal do pai do rapaz, típica
cidadezinha em que todo mundo é parente e se conhece. O pai de Baylor
é um ídolo entre os parentes, que ao contrário da mãe do rapaz,
preferem enterrá-lo ao invés de cremá-lo. Com o humor avariado
pelo fracasso, abandonado pela namorada e se sentindo um estranho
entre tantos estranhos, Drew liga para Claire (a tal aeromoça) e
o que se segue é uma conversa de horas e horas e horas e horas.
Dá para imaginar o desfecho, não dá? Bem, não é tão simples assim.
Quando tudo está parecendo que vai se encaminhar para o final (com
um tocante momento solo de Susan Sarandon sapateando ao som da clássica
Moon River), Cameron Crowe leva seus personagens por um tour
pelas cidades da região. Ele (Drew) dirige. Ela (Claire) faz o mapa,
a trilha sonora e torce para que ele não erre o caminho. Ele vai
só, com as cinzas de seu pai no banco da frente.
A trilha sonora - como em todo filme de Crowe, assinada por Nancy Wilson - é esplendorosa. Vale pagar o cinema só para ouvir. Tem dose tripla de Tom Petty (Learning To Fly, Square One e It'll All Work Out), Elton John das antigas (My Father's Gun), countrys e folks lamaçentos empoeirados pelo tempo (Let It Out (Let It All Hang Out) do The Hombres é um achado), Ryan Adams (Come Pick Me Up, que é do álbum Heartbreaker, e não do "proibido" Love is Hell, cuja capa aparece em cena quando a música toca), The Concretes (a deliciosa You Can't Hurry Love), The Hollies (Jesus Was A Crossmaker), e ainda Elvis Presley, Neil Diamond, U2, Simple Minds, James Brown e mais, mais e mais. Quem viu os outros filmes de Crowe irá sentir pequenos deja vus na construção de cenários. O escritório da empresa em que Drew trabalha e idêntico ao de Jerry Maguire. Os corredores do hotel em que o rapaz se hospeda saíram de Quase Famosos. O quarto de Drew foi retirado de Vanilla Sky. Citações, citações, citações.
A sessão para a imprensa de Elizabethtown foi precedida por
um curto vídeo em que o diretor falava aos jornalistas sobre o que
o motivou a fazer o filme. Crowe contou que tinha outro projeto
em mente quando sua esposa o convidou para sair em turnê com ela
pelos Estados Unidos (Nancy Wilson é um das vocalistas do grupo
Heart). No meio da viagem, Crowe passou por Kentucky, cidade em
que seu pai estava enterrado. Confuso com o não planejado retorno
à cidade, o diretor decidiu deixar a esposa seguir a turnê enquanto
ele redescobria a região com um carro alugado. Cameron terminava
a mensagem dizendo que o personagem de Orlando Bloom significa para
ele uma jornada de vida. E Kirsten Dunst é a trilha sonora dessa
história. O resto está no filme, com um mapa bastante particular
indicando direção, uma pequena aula de rock and roll como trilha
sonora e algumas frases matadoras:
"Abrace a tristeza por cinco minutos. Encare-a. Beije-a. E a
esqueça. Cinco minutos. E prossiga".
Isso é cinema de autor.
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Site Oficial do filme
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