Junho/2005 - Mais uma listinha de virada de século, de quando eu escrevia para um site no Vale do Paraíba, o Antenet. Esta, porém, ao contrário dos 40 Melhores Discos dos Anos 90, é bastante particular e apoiada apenas em meu gosto pessoal. Exibe, em suas quinze citações, uma inocência cinematográfica de quem passou dez anos buscando filmes bacanas em locadoras, já que 90% destas obras nem chegou a passar nas telas de cinema em Taubaté (e algumas eu tive o prazer de assistir em SP, como Trainspotting). Essa inocência fez com que a listinha tomasse um caráter extremamente pop, que explica muito do que ainda sou hoje. Com toda certeza, se a refizesse hoje em dia, ela deveria ser um pouco diferente, mas iria manter ser cerne principal, que foi o de criar em mim uma paixão pela sétima arte que carrego até hoje. Se não fossem esses filmes, provavelmente eu não veria outros. Mesmo assim, só agora admito que não ter incluído Clube da Luta (1999) foi um pecado imperdoável, apesar do texto especial que ele ganhou separadamente à época. E, ainda, Procura-Se Amy (1997), de Kevin Smith, Brincando de Seduzir (1996), O Príncipe das Mares (1991), A Época da Inocência (1993), Um Sonho de Liberdade (1994), As Pontes de Madison (1995), Central do Brasil (1998), e Por Uma Noite Apenas (1997), de Mike Figgis, embora o texto do Marcelo Rubens Paiva seja melhor que o filme. Na verdade, também não é só uma listinha de 15 filmes. É de 50 se contarmos cada citação... :) E de maneira alguma é uma listinha dos melhores filmes da década de 90. É uma lista dos melhores filmes que eu vi na década de 90. Listas são sempre injustas, mas são divertidas. Vamos a ela.

Marcelo Costa
Editor


"Um Década em Quinze Filmes"
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
29/12/2000

Dezembro/2000 - Eu poderia iniciar esse texto dizendo que esses são os melhores filmes da década de 90, na minha humilde opinião. Poderia, mas essa afirmação não explicaria tudo, seria ver a coisa como copo meio vazio, reduzi-la a uma simples listinha. E não é uma mera listinha, pelo menos para mim, que escrevo. A idéia, mesmo, era relembrar alguns dos melhores momentos que presenciei frente a telona, trazer ao presente aqueles filmes que já fazem parte de um passado, recente, mas passado. Bem, sendo direto: esses são os filmes que mais gostei de ver nos últimos dez anos. Acho que isso já é motivo para uma matéria.


1) Pulp Fiction (Quentin Tarantino) 1994
Ou "o cinema indie encontra o grande público e o reconhecimento da crítica". Reduzi-lo a apenas um genial roteiro, como muitos fazem, é uma tremenda injustiça. Pulp Fiction é a junção de pequenos acertos que, juntos, realizam a obra mais instigante da década. É cultura pop que permite que o autor mude a palavra divina (como na fala do personagem de Samuel Jackson) ou discuta quem era melhor: a Feiticeira ou Jeannie é um Gênio? Com elenco de primeira (John Travolta, Bruce Willis, Uma Thurman e outros) e trilha sonora escolhida a dedo por Tarantino (de grande sucesso, aliás), Pulp Fiction não é só cinema, é arte. O roteiro fenomenal foi lançado em livro no Brasil pela Editora Rocco. Tarantino ainda brindaria o público com, pelo menos, mais dois roteiros de tirar o fôlego: o poético Amor à Queima-Roupa e o violento e obrigatório Assassinos por Natureza.


2) Trainspotting (Danny Boyle) 1996

O segundo filme da trupe escocesa que colocou o cinema europeu aos olhos do mundo (a saber, o diretor Boyle, o produtor Andrew MacDonald, o roteirista John Hodge e, claro, o ator Ewan McGregor) arrebatou critica e público. Assim como no anterior e também bacana Cova Rosa, aqui a malandragem vence. Essa vitória é pontuada por passagens antológicas, muitas drogas, algumas overdoses e rock and roll no talo. O elenco é um show. Após esse filme a trupe invadiu os States, seqüestrou aquela que dispensa todo e qualquer comentário, Cameron Diaz, e lançou uma deliciosa comédia romântica para corações roqueiros, A Life Less Ordinary (Por Uma Vida Menos Ordinária).


3) Jerry Maguire (Cameron Crowe) 1996

Depois de ter invadido Seattle para filmar a comédia grunge Singles (Vida de Solteiro), Cameron decidiu operar um milagre: arrancar uma grande atuação de Tom Cruise, que até então não havia mostrado a que veio. O milagre aconteceu. Tom Cruise dá um show, acompanhado do ganhador do Oscar de ator coadjuvante Cuba Gooding Jr e dá loirinha Renèe Zellweger. Jerry Maguire é uma das poucas comédias românticas escritas para homens. E emociona. Tom Cruise ainda apareceu bem no último e arrepiante Kubrick, Eyes Wild Shut (De Olhos Bem Abertos, acompanhado da mulher Nicole Kidman. Cuba Gooding Jr enriquecou o elenco de As Good Is It Gets (Melhor é Impossível) que está nessa lista e Renèe apareceu bem no indie e bacana Um Amor e Uma 45.


4) Melhor é Impossível (James L. Brooks) 1998

Parece que o cinema voltou no tempo. Essa é a impressão que se dá ao ver Melhor é Impossível (As Good As It Gets). Com Oscar mais do que merecidos para a dupla de atores principais, Jack Nicholson e Helen Hunt, (e que merecia também premiar ator coadjuvante, Greg Kinnear, e o cachorrinho), esse filme demonstra o quanto atores de nível podem transformar uma história comum num filme inesquecível. Jack Nicholson e Helen Hunt conseguiram.


5) Trumam Show (Peter Weir) 1998

Para quem não se liga muito em quem dirige um filme vale lembrar que Peter Weir é o homem por trás das lentes do clássico juvenil Sociedade dos Poetas Mortos. Dito isto, não é surpresa que aqui ele acerte a mão novamente. Trumam Show é um show de verdade. Jim Carrey que havia aparecido no ótimo O Máscara deixa de lado algumas de suas manias à la Jerry Lewis e passa para o personagem toda a inocência que ele precisa para viver essa história dos novos tempos. Outro roteiro genial.


6) Trilogia das Cores (Krzytof Kieslowski) 1993/1994

Apesar de serem três filmes, a idéia é uma só: fazer o espectador sonhar. Só isso pode justificar a beleza do cinema de Kieslowski, que um ano antes tinha filmado o enigmático A Dupla Vida de Verònique com a musa Irene Jacob. Na trilogia, inspirada nas cores da bandeira francesa, a dor e o perdão passeiam por A Liberdade é Azul, enquanto a vingança (cômica) é a verve de A Igualdade é Branca e a sublimação caracteriza o último e simplesmente mágico A Fraternidade é Vermelha. Arte com 'A' maiúsculo e dourado.


7) Forrest Gump (Robert Zemeckis) 1994
Com o subtítulo de "o contador de histórias", esse é outro filme para adentrar o território da arte. Tom Hanks, de merecidos Oscar (em Filadélfia também, impressionante), interpreta de maneira magistral um rapaz de QI abaixo do normal mas que insiste (e tem a sorte) em estar nos lugares certos, nas horas certas. Lembre-se: foi Forrest que ensinou Elvis a requebrar. Hanks ainda voltaria as telas num excelente filme, O Resgate do Soldado Ryan, em que Spilberg dá aula de cinema na primeira meia hora da fita.


8) Teoria da Conspiração (Richard Donner) 1997

Thriller arrepiante com uma dupla de atores que ilumina qualquer ambiente escuro (Julia Roberts e Mel Gibson). Com referências a nova ordem e citações do livro Apanhador do Campo de Centeio, esse filme prende e (assim como Truman, A Rede, Inimigo de Estado, Matrix e MIB) nos faz imaginar que o mundo que a gente vive não é tão real e confiável quanto parece. Julia fez, talvez, uma dezena de filminhos bacanas sendo que O Casamento do Meu Melhor Amigo (ao lado da estonteante Cameron Diaz, ah, ela dispensa comentários) talvez tenha sido o melhor. Já Mel Gibson fez um dos grandes épicos da década, Coração Valente, um filme de arrepiar coração e alma.


9) The Commitments (Alan Parker) 1991
Alan Parker (o cara que fez The Wall, o filme) acertou a mão nessa história de gestação e nascimento de uma banda, no caso, de soul. Todas as histórias que você já leu sobre o começo de uma banda em revistas de música se encontra nesse filme, mas sem parecer deja-vu. A trilha sonora baseada em standarts é antológica. E a banda é tão boa que saiu da tela para os palcos do mundo chegando inclusive a tocar no Brasil. O rock ainda foi tema para o inocente e genial The Wonders, primeiro filme dirigido por Tom Hanks com destaque para Liv Tyler, linda linda. Ainda tivemos Backbeat - Os Cinco Rapazes de Liverpoll que conta a história de Stuart Stuclife, primeiro baixista dos Beatles, e retrata o período pré-Cavern Club. O destaque maior dessa fita é que a banda que tocou o repertório clássico juntava Dave Ghrol (na época, batera do Nirvana), Thurston Moore (guitarra da úsina de microfonia Sonic Youth) , Don Fleming (produtor de bandas como o Teenage Fanclub e guitarra do Gumball), Greg Dulli (vocal e sonhos escuros do Afghan Whigs), Dave Pirner (vocal do Soul Asylum) e Mike Mills (baixo do grande R.E.M.). E eles chegaram a tocar ao vivo...


10) Tiros na Broadway (Woody Allen) 1994
Poderia ser qualquer um dos outros de Woody Allen. O musical Todos Dizem Eu Te Amo de extremo bom gosto, o delicioso suspense Um Misterioso Assassinato em Manhattan ou a comédia grega Poderosa Afrodite ou qualquer um outro. Woody Allen consegue sempre manter a qualidade de seus filmes no limite máximo mesmo fazendo um filme por ano. Tiros na Broadway condensa em 99 minutos tudo aquilo que é de melhor em Woody Allen, a saber, atores soberbos, roteiro de uma simplicidade e genialidade atroz, ironia, humor sutil, roteiro matador e domínio completo da trama. E todos trazem algo a mais que faz a gente ficar se perguntando o por que daquilo. Um dos algo a mais de Tiros na Broadway é o antagonismo "mente criativa sem inspiração contra mente burra inspirada". Esse encontro é o emblema deste filme em que tiros num teatro acabam até recebendo elogios do público.


11) Jack (Francis Ford Coppola) 1995
Eu poderia, e devo, falar de Drácula de Bram Stocker, com seu show visual (característica primeira do cinema de Coppola) de arrepiar e nos fazer ficar horas assistindo apenas as passagens, sem prestar atenção ao texto original de Stocker, que é lindo. Drácula é obra prima. Mas Jack aparece aqui pela imensa surpresa que trouxe. Estava todo mundo com saco cheio de Robin Williams. Então a gente entra no cinema com aquele famoso "pé atrás" e quando menos percebe já alagou toda a sala. Jack é romantismo inocente, como a beleza das borboletas, que vivem pouco, muito pouco. E é um show de Robin Williams que voltaria a surpreender em Gênio Indomável, outro filme de beleza significante que poderia ter entrado nessa lista.


12) Hamlet (Keneth Branagh) 1997
Magistral releitura da obra clássica do bardo inglês. Branagh, que já havia filmado outros Shakespeare, vai ao extremo em 238 minutos de intrigas, emoções e fantasmas. Respeitando o texto original, a obra é apresentada de forma completa por um excelente elenco, afinal não é qualquer ator que interpreta textos do bardo. Shakespeare ainda renderia uma boa versão pop de Romeu e Julieta (com Leonardo de Caprio pré Titanic e o anjo Claire Daines) e Shakespeare In Love, que de roteiro inspirado conta da desinspiração do bardo, à criação (fictícia) da peça Romeu e Julieta, que encontra palavras e poesia e sonho e impossibilidade no amor por uma donzela chamada Viola, interpretada pela maravilhosa Gwyneth Paltrow.


13) Matrix (The Wachowiski Brothers) 1999
Matrix surpreendeu. Com um show de referências pops e religiosas, mais um roteiro absurdamente genial, Matrix faz a gente imaginar como é que os diretores conseguiram pensar e desenvolver uma coisa tão maluca e ao mesmo tempo tão real e absolutamente possível. Sua não indicação ao Oscar é sinal da falta de percepção de Hollywood para o cinema que vale a pena. Por outro lado, o filme que dividiu as atenções com Matrix em 1999, O Sexto Sentido, teve cinco indicações, com destaque para Haley Joel Osment que dá um show nesse thriller psicológico que também traz Bruce Willis muito bem (assim como no bacana Quinto Elemento) e é um dos finais mais geniais da história recente do cinema.


14) Tempestade de Gelo (Ang Lee) 1997
O filme mais vida real da década. Tudo que soa planejadamente exagerado no excelente Beleza America aqui é desnudo totalmente. Kevin Kline explora de forma excelente as dificuldades de seu personagem perdido. Uma cena em especial, da quase "troca de casais" é cortante. Tempestade de Gelo ainda traz atuações excelentes de Tobey Maguire, Christina Ricci, Sigourney Weaver e Katie Homes. Tobey ainda participou da pequena obra prima A Vida em Preto e Branco. Christina Ricci variou do pop 200 Cigarros ao cult e lindo Bufallo 66 passando por princesa em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (de Tim Burton). Katie Homes, a musa pop do seriado Dawson's Creek, participou da bacana cópia de Tarantino, Vamos Nessa.


15) Magnólia (Paul Thomas Anderson) 1999

O mais belo filme dos últimos tempos

Tudo simplesmente acontece. Não há como fugir, negar, comprar o inevitável. Há, sim, como ignorá-lo, mas o preço geralmente é alto, pois não existe mentira tão perfeita que engane a si mesmo.

É certo, também, que o mundo não é exatamente como a gente quer, que a sociedade é feita de aparências e que essas aparências são, quase sempre, 90% do que importa na história. Ou seja, vivemos em um mundo sustentado pelo irrealizado.

Inevitavelmente, tudo acontece porque tem que acontecer e o que é real, irreal, verdadeiro, sonho, fantasia e fuga acaba esbarrando sempre na vontade pessoal de cada ser querer que tudo dê certo. Mas todos erram, por medo, tolice ou gosto. E apesar de todos saberem que errar é humano, ninguém quer assumir que errou, preferindo que a dor o consuma vorazmente num primeiro momento para, num segundo, ficar observando até onde o inevitável consegue chegar sozinho.

Os personagens da pequena obra-prima recente Magnólia são assim. Vivem fugindo de alguma coisa que os persegue persegue persegue até que, num momento de sublime percepção descobrem: estão fugindo de si mesmos. O filme é uma prisão cinematográfica. Seus personagens se esbarram, se relacionam, se misturam, se amam e se odeiam, mas são incapazes de apagar seus erros, e o passado.

Magnólia é o terceiro longa de Paul Thomas Anderson que, aos 28 anos, já é colocado no mesmo patamar de Scorcese e Coppola. Não é à toa. E Magnólia comprova isso. É o tipo de filme que merece ser assistido várias vezes, merece ser analisado na mesa do bar com os amigos, discutido com seu amor na cama após o sexo, e merece textos perdidos no tempo, como este. Ganhou o Festival de Berlim 2000 e deu a Tom Cruise o Globo de Ouro de ator coadjuvante e uma indicação ao Oscar.

Inicia com um sensacional prólogo em que, em off, Tom Cruise explica que as coincidências existem, mas, inevitavelmente, as coisas acontecem porque tem que acontecer. Três pequenas histórias que já valeriam o filme, caso o que se seguisse fosse ruim. Não é. As próximas três horas serão embebidas em lirismo, mágicas e chuva. Daí em diante teremos uma distribuição farta de personagens profundos, tão profundos que cada um poderia ganhar um parágrafo especial. E são muitos, todos se relacionando numa trama intrincada.

Perfilando fracassos, loucuras, fantasmas pessoais, busca pelo amor, por remédios, e rãs, temos um professor machista (Tom Cruise), o pai que o abandonou (Jason Robards), seu enfermeiro (Philip Seymor Hoffman), sua esposa oportunista (Julianne Moore), um veterano apresentador de TV (Philip Baker Hall), sua filha viciada (Melora Waters), um gênio mirim (Jeremy Blackman) e o pai que o explora, um fracassado gênio mirim (William H. Macy) e um policial (John C. Reily).

Cada um tem sua história que, claro, não são lá muito alegres. Todos eles, assim como nós, erram. E todos eles sofrem, menos pelos erros, mas mais pela falta do dom de perdoar. Magnólia não é um filme sobre pecados, como muitos tacharam. É, ao contrário, um filme sobre perdão, mas o perdão demora a vir e quando vem surge ancorado numa referência bíblica, estampada por alguém numa platéia de um game show que leva ao alto um cartaz: Exodus 8:2.

"Aarão estendeu a mão sobre as águas do Egito, e as rãs saíram, cobrindo o Egito".

Não chove à toa. Aliás, chove o tempo todo no filme, mas a grande chuva só vai ocorrer quando o ápice de melancolia de todos os personagens se encontrar, coincidentemente, na mesma rua: Rua Magnólia. Como uma catarse. Como um desabafo coletivo. Como um sorriso e um abraço e um grito parado no ar. Chove. Chove muito. E não adianta ficar parado pensando. Está chovendo, e pronto. E por mais estranha que seja a chuva, acontece. Tudo pode acontecer.

Paul Thomas Anderson diz que o filme é baseado em personagens reais, em pessoas que ficaram presas no passado. Num trecho significante o filme diz - e explica-se: "O passado saldou suas contas conosco, mas nós não o deixamos para trás". Com trilha sonora sublime e melancólica de Aimee Mann, cantora preferida do escritor Nick Hornby, e um final arrebatador, Magnólia é o mais belo filme dos últimos tempos.

Tudo simplesmente acontece, a toda hora. Filmes maravilhosos assim, não.

Leia também:
Cluba da Luta, 1999
Procura-se Amy, 1997
Por Uma Noite Apenas, 1997
Brincando de Seduzir, 1996
Trilogia das Cores, 1993/1994
As Pontes de Madison 1995