 Vanilla
Sky
por
Marcelo Costa
24/05/2002
Cameron
Crowe é um diretor bacana, Tom Cruise é um ator
cool e Vanilla Sky é um filminho bom. Seria simples
se uma resenha se resumisse apenas a isso. Seria simples se, mesmo
três semanas depois, você tenha que emitir uma opinião
sobre algo que você não tem a mínima opinião.
Mas a paixão pop pede respostas. Sempre.
Ok, Cameron Crowe é o cara. Perdeu a virgindade com uma
groupie nos anos 70, quando era jornalista (mirim) da revista
Rolling Stone (além de escrever para a Playboy,
Creem e The Los Angeles Times, isso aos 15 anos),
tendo como conselheiro nada mais nada menos que Lester Bangs,
o melhor de todos que se atreveram a escrever sobre música.
Quando decidiu o que queria fazer da vida, optou por cinema
pop. Seu envolvimento não poderia ter começado
melhor: Picardias Estundantis. O roteiro surgiu de uma
história real contada por Crowe à Rolling Stone.
Ele mesmo adaptou. Estreou na direção em 1989,
e conseguiu emplacar com seu segundo filme Singles (Vida
de Solteiro), comédia romântica que eleva o
valor de um controle remoto e destaca a cena de Seattle na trilha
sonora e na tela (o Pearl Jam faz uma ponta, atuando, enquanto
outras bandas aparecem ao vivo).
A primeira parceria com Tom Cruise veio com Jerry Maguire,
uma das poucas comédias românticas para homens.
Num dos trechos bacanas do filme temos Cruise procurando uma
rádio para, a plenos pulmões, cantar Free Fallin
de Tom Petty. A paixão pop foi toda revelada no filme
seguinte, Quase Famosos, que conta a história
de um garoto de quinze anos que consegue um "free lancer"
na poderosa Rolling Stone, com o dever de acompanhar
uma banda. Quem era o moleque? Cameron Crowe. Putz, não
tem como não ser fã do cara. Mas ai chegamos em
Vanilla Sky.
Vanilla Sky é uma refilmagem do espanhol Abra
Los Ojos (Preso na Escuridão), de 1999. A primeira
pergunta já surge aqui. Por que refilmar um filme tão
novo? Tom Cruise diz que se apaixonou pelo filme e que antes
de terminar já estava ligando para sua agente, querendo
os direitos. Ok,
e o que muda de um para o outro? Bem, enquanto o original surge
como um angustiante drama fantasioso em que o protagonista praticamente
pira após o acidente causado por uma namorada ciumenta,
a refilmagem afunda o filme em um caldeirão pop e traz
a tona um céu de baunilha encharcado de cinismo à
americana: sarcástico, irônico, azedo.
Tom
Cruise conta aos quatro cantos que essa veia pop inserida por
Crowe é o grande trunfo do filme. E é, mas as
citações beiram o exagero. O cuidado na escolha
das músicas (de Paul McCartney a Sigur Rós, passando
por R.E.M. e Spiritualized e chegando a Cameron Diaz bancando
de cantora), filmes (você já assistiu Jules
at Jim?), quadros (Monet, Joni Mitchell), capas de disco
de Bob Dylan, parece ter ocupado todo tempo da produção
que esqueceu de dar maior atenção a história.
Assim, Vanilla Sky resulta confuso com tanta informação
paralela a trama 'brigando" por destaque. O filme acaba sendo
menor, referente demais, pequeno.
A história é simples. David (Cruise) herdou uma
fortuna do pai. Controla a parte majoritária de uma empresa,
mas é um perfeito bon vivant. Ele não perde tempo
com paixões, mas as paixões perdem tempo com ele.
Até que um "namorada" ciumenta (Cameron Diaz) resolve
acabar com tudo. Ela quase consegue. Um acidente praticamente
deforma o rosto de David que entra numa espiral infernal que
envolve acusações de assassinato, brigas com amigos,
golpes empresarias, provas de amor e sonhos, muitos sonhos.
Vanilla
Sky começa com Radiohead (Everything
In Its Right Place). A letra declama frases como "está
tudo em seu lugar" e "hoje de manhã eu acordei chupando
um limão". A canção preenche a sala de
cinema no momento em Cruise está acordando, com a cara
mais Tom Cruise do mundo (sim, aquele maldito sorriso) funcionando
como um delicioso oposto irônico para, em seguida, mostrar
que nada está no lugar. Da mesma forma, mais pra frente,
temos Josh Rouse cantando "Don't like the direction you are
going to" (Directions) no momento em tudo parace ter
direção; Peter Gabriel fazendo a voz do coração
de David no momento em que Sofia (Penelope Cruz) parace querer
dar um fora nele ("Just had to trust imagination / My heart
going boom-boom-boom" de Solsbury Hill); Jeff Buckley
pedindo um beijo ("kiss me, please kiss me, but kiss me out
of desire, babe, and not consolation" em Last Goodbye)
e os Beach Boys com Good Vibrations, num momento de péssimas
vibrações para David. Em outro trecho alguêm
tenta convencer David que The Life is Good, com um clip
de Bjork, ao fundo, para tudo ser finalizado com Jonathan Danushue
do Mercury Rev cantando com o Chemical Brothers: "Sleep on,
dream on" (Dream On, do álbum Surrender, dos Brothers).
Trechos de letras combinam com falas de personagens.
E é nessa preocupação em amarrar todas
as situações/citações que o filme
comete seu maior pecado quando, aos 44 minutos do segundo tempo,
temos uma "aula" sobre tudo que acabamos de ver, uma explicação
de como as coisas se encaixam, um menu de ajuda na tela de cinema
que praticamente menospreza o espectador. Talvez a produção
tenha percebido o vácuo entre citações
e situações, acreditando que o público
médio fã de Tom Cruise não fosse entender
patavina do que tinha visto na tela. A saída auto-explicativa
acabou sendo uma péssima escolha.
Esse deslize não joga toda produção por
água a baixo, mas sinaliza o tom mediano da obra. Não
chega a desmerecer uma excelente atuação de Cameron
Diaz. A nova namoradinha de Tom Cruise, Penelope Cruz, também
se sai bem e Jason Lee (queridinho de Crowe e Kevim Smith) honra
seu papel. Cruise já esteve melhor, mas, inevitavelmente,
tem que ser elogiado só pela coragem de deixar seu rostinho
desfigurado boa parte do filme. Ele é um cara "cool".
Cameron Crowe é um diretor bacana e Vanilla Sky
é um filminho bom. Mas nem tudo é tão simples
quanto parece, afinal, filminhos bons são só um
passatempo esquecível.
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