"Quase Famosos"
por
Marcelo Costa
30/03/2001
“Quase Famosos” é um quase filme de rock. “Quase Famosos” é quase um filme sobre jornalistas sortudos. “Quase Famosos” é, na verdade, um filme de amor, de amizade e de rock and roll.
Porém, desde que “Almost Famous” começou a circular que ele vem sendo tratado como maravilha por treze entre dez jornalistas que invejavam/sonhavam estar na pele de William Miller, jornalista mirim que é convidado a escrever na bíblia rock and roll Rolling Stone. O grande problema, no entanto, é que praticamente toda mídia vendeu “Almost Famous” como um filme de rock, o que está longe de ser a verdade absoluta, e isso atrapalhou a divulgação, fazendo com que o filme não fosse bem nas bilheterias, ficando relegado ao público apaixonado por cultura pop, muito pouco para o grande filme que é.
O diretor Cameron Crowe apropria-se de uma cena roqueira, assim como havia feito com o grunge em “Singles - Vida de Solteiro”, para embalar sua historieta... de amor. O grande diferencial é que aqui as coisas são reais. “Almost Famous” é praticamente um filme autobiográfico.
Estamos em 1973 e William Miller/Cameron Crowe tem 15 anos. O rock manda no mundo pop. David Bowie é um mito. Lou Reed largou o Velvet Underground e começa a se aventurar solo. Neil Young abandonou o Buffalo Springfield para dedicar-se também a carreira solo e brincar de superbanda com os amigos David Crosby (dono do melhor baseado do universo rock da época), Stephen Stills e Graham Nash. Os Beatles acabaram, mas iniciaram carreiras solo. Imagine Black Sabbath, The Who, Led Zeppelin, Pink Floyd no ápice, lançando álbuns clássicos. Como se dizia, deuses andavam sobre a Terra. O garoto rascunhava textos sobre música e publicava em um jornalzinho de San Diego, até conhecer Lester Bangs.
Lester Bangs é só o cara mais genial que escreveu sobre música
em todos os tempos. Quer saber mais sobre o cara? Não vamos
contar. Você já deveria ter lido o texto do Marcelo Orozco publicado
aqui no S&Y quatro meses atrás (nota do editor: novembro de
2000), mas somos bonzinhos e o texto do Orozco vem como apêndice
a este. Leia. :_)
O tal Lester Bangs editava a Cream Magazine e aparece como mentor do garoto. Duas palavras dele já exemplificam sua personalidade: ao escrever sobre uma banda seja "honesto e impiedoso". Anotou? Além, os conselhos de praxe: "as bandas irão te usar, irão te apresentar garotas, irão te dar drogas, tudo para que você fale bem delas". Não dava para dizer que o garoto não sabia em que lugar estava se metendo.
Nesse meio tempo, nosso herói mirim é surpreendido por um telefonema. Ben Fong-Torres (o mais famoso editor da mais famosa revista pop de todos os tempos) quer uma matéria dele sobre alguma banda nova. A pauta da matéria é acertada via telefone, o que impossibilita ao editor saber que está colocando um garoto de 15 anos no mundo de "sexo, drogas e rock and roll" com uma nova banda, a Stillwater, para desespero de sua mãe, numa interpretação sensacional de Frances McDormand.
Stillwater é uma banda fictícia criada por Crowe, uma banda que encarna várias outras (o episódio da discussão no avião é inspirado numa viagem que o jornalista mirim fez com o The Who. O da viagem de ácido do vocalista da Stillwater é inspirado em Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin). A partir do momento que William adentra o backstage de um show junto com a Stillwater sua vida muda. Ele está adentrando o mundo glamuroso do rock and roll, baby. O grande problema é, como fica constatado depois, que William é doce demais para o rock. E se apaixona logo pela garota mais bonita dos embalos, Penny Lane, groupie que acompanha bandas, mas que na verdade ama o guitarrista da Stillwater.
É aqui que o filme se transforma. Cameron preencheu todas as lacunas de seu filme com histórias dos bastidores do rock em seu apogeu apenas para dizer a sua Penny Lane um "I Love You" que ele chegou a dizer na realidade, mas que ela não pôde ouvir (assistindo você irá descobrir o motivo). A partir desse momento tudo começa a girar em torno desse romance (alisônico, como escreveu Miguel Luna aqui) e mesmo um rock star aprende que desculpas são necessárias, sempre.
É impossível não fechar os olhos e se imaginar na posição de William Miller, principalmente os tolos jornalistas que escrevem sobre cultura pop. É tudo tocante e arrepiante demais, mas, mais do que qualquer outra coisa, “Almost Famous” é uma declaração de amor (tardia) embalada pelo melhor rock and roll. É isso não é pouco, caro leitor, é, sim, de lavar a alma (e o cinema).
Lester Bangs - Para quem gosta de ler sobre música pop
por Marcelo Orozco
Novembro/2000
Se
você veio parar neste site, você gosta de música
pop e de ler sobre música pop. Os honrados "pais" deste
site e quem colabora com ele também. E o mesmo vale para
qualquer site ou publicação (de revista grande
a fanzine) neste campo. Por isso, deixa eu falar da existência
do que, pelo menos pra mim, é uma referência definitiva
nesse campo: Lester Bangs.
Outros
foram ou são mais enciclopédicos que ele. Outros
escrevem mais bonitinho. Outros piraram com as palavras mais
que ele. Outros escreveram até melhor, academicamente
falando. Mas Lester foi provavelmente quem mais escreveu com
alma, se arriscando a errar e até aceitar que estava
errado. Como os melhores roqueiros que tocam, ele era sincero,
espontâneo e botava dedo nas feridas que a boa educação
recomenda evitar.
É
difícil encher tanto a bola de alguém que só
foi publicado em inglês e é praticamente intraduzível.
E que morreu há quase 20 anos (mais um defunto - por
que será que só ando escrevendo sobre defuntos?).
Mas é aquele velho papo da essência em que tanto
insisto. E, especialmente nesta era de fascismo invertido do
"politicamente correto", um Lester Bangs é muito necessário.
Na tal essência, o que ele escreveu nos anos 70 ainda
vale para hoje.
Lester
foi quem melhor arrasou, com um sarcasmo absurdo, o próprio
ofício. Sem ser dono da verdade, sem posar de santo,
sem se excluir da coisa toda, ele escancarou a superficialidade
que existe nisso de "escrever sobre música". É
um texto de 1974 chamado "Como ser um crítico de rock"
("How to be a rock critic"), que está disponível
- para quem sabe inglês - no fim da página.
O
que Bangs escreveu no seu cáustico "be-a-bá do
crítico"?
*
Falou dos profissionais do jornalismo musical que aproveitam
todas as bocas-livres e disquinhos de graça que são
trocados depois;
* Escancarou que há shows e discos terríveis que
todo mundo se sente meio obrigado a pelo menos não falar
mal para não ficar mal com a assessoria da gravadora
e perder as boiadas seguintes;
* Ironizou os críticos que se esmeram em sempre conhecer
e citar uma banda mais obscura e desconhecida que o colega,
além de sempre peregrinar por lojas de discos nos cafundós
no que devia ser uma viagem de férias ou lazer;
* E o melhor: ensinou a fazer uma crítica de um disco
com opções de múltipla escolha, cada uma
com palavras bonitinhas e floreadas que, no fim das contas,
não querem dizer muita coisa, nem a respeito do disco
nem a respeito de nada.
A
(auto-)demolição de Bangs é impressionante
(cá estou eu botando um adjetivo... parece que eu aprendi
a fazer uma crítica com o curso dele...). Porque É
REAL. Funcionava assim pelo que ele observava nos EUA no meio
dos 70s e, creiam-me, funciona assim por aqui até hoje.
E, como Lester Bangs, eu estou no meio do furacão também
e não vou ficar posando de santo cheio de pureza. O humor
da coisa é justamente saber que você também
já caiu nessas armadilhas - meio como o livro Alta
Fidelidade, do Nick Hornby.
Expressar
a própria opinião e os aspectos que não
são bonitos era outra especialidade de Bangs. O texto
dele sobre a morte de John Lennon, feito no meio do choque mundial,
é clássico: diz que "Lennon desprezava emoções
baratas" e que a choradeira era por causa do apego das pessoas
a seus passados, não pelo assassinato ("Não é
por John Lennon, o homem, que você está lamentando.
A rigor, você está lamentando por você mesmo").
Vale dizer: Bangs elogiava Lennon; o que ele atacava era o chororô
sentimentalóide (sentimento, sim; sentimento barato,
não).
Ele
fez muitos outros grandes textos. Ainda considero que sua longa
análise pessoal do álbum Astral Weeks,
de Van Morrison, é melhor que o próprio disco.
Esse e um sobre os Stooges, outro sobre a banda de garagem Count
Five, outro arrasando um disco ao vivo da banda de jazz-rock
Chicago e outro peitando uma espécie de preconceito racial
da new wave americana estão no livro-coletânea
Psychotic Reactions and Carburetor Dung.
Como
NUNCA vai sair em português, aprenda a ler inglês
já para poder caçar esta obra. O mesmo vale para
a recém-lançada biografia Let It Blurt
(essa eu ainda não li, mas vou atrás, sim).
Alguém
escreveu que Lester Bangs era uma mistura de Jack Kerouac e
Charles Bukowski aplicada ao rock. Certíssimo. O que
os três têm em comum é escrever mais com
o coração que com o cérebro, apaixonadamente,
arriscados a falhas e opiniões não compartilhadas
pela maioria dominante. Ou seja, todos permitem a humanidade
em seus textos. E são mais populares que intelectuais.
São pessoas escrevendo.
Lester
morreu infelizmente cedo, aos 33 anos em 1982 (ele fez uma arrepiante
profecia no tal "Como ser um crítico de rock": "Você
vai ser famoso e ter uma morte precoce aos 33" - lembre-se que
o texto foi feito em 1974). Morreu por excessos? Ironicamente
morreu quando tentava se livrar deles. Teve overdose de medicação,
morte acidental.
Por
quê só os vasos ruins não quebram?
Marcelo
Orozco é o crispy adviser do S&Y
Veja
dois dos textos citados acima, no original:
"Astral Weeks", de Van Morrison
How to
be a Rock Critic
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