O CEL é o Limite
11 Canções Numa Tarde De Quinta

por Carlos Eduardo Lima
28/09/05


Nesses tempos de música ouvida em computador, via MP3 ou web radios, o ser humano fã de música conseguiu uma relativa independência do jugo do "gosto comum". Quem tem um pouquinho mais de grana e desfruta de um computador e uma conexão de banda larga em casa ou no trabalho, pode, sem dúvida, baixar discos inteiros via programas levinhos e confiáveis como soulseek e e-mule e, bem, driblar o preço abusivo dos discos e o pouco caso das gravadoras na hora de disponibilizar artistas relevantes por aqui.

Proponho então uma pequena brincadeira. Tenho uma espécie de "CEL FM" aqui no computador do trabalho, com mais de 1 gigabyte de músicas. São uns 400 MP3 de um monte de gente, de Magic Numbers a Bee Gees. De Kills a Moody Blues. Acabei de programar o tocador na função aletória e, como uma emissora de rádio, não sei o que vem depois de cada música. Aqui vão algumas coisas ouvidas e comentadas. Não, não é falta de inspiração para escrever sobre o ser humano pensante do mundo moderno e suas relações com a música. É uma experiência prática. Vejamos o que o imponderável (levemente manipulado por mim) reserva:

01) Grant Lee Buffalo - Jupiter And Teardrop: magnífica balada pós-grunge, do disco Fuzzy, 1993. Maravilhosa, vocais de Grant Lee Phillips arrebentam nos headphones e lamentam a história de amor impossível entre uma assaltante e um trapezista. Surreal, linda e perfeita.

02) Paul McCartney - Every Night: Macca anos 70. Se bem que essa versão é do Unplugged MTV que ele gravou em 1992. Linda, despojada e serve como atestado de vida da tão falada "fase Wings", na qual Paul foi acusado de afrouxar a qualidade de suas músicas. Balela pura. McCartney sempre foi um ourives do pop, no nível de compositores como Cole Porter, Burt Bacharach e Brian Wilson, seu companheiro de maravilhas pop sessentistas.

03) Aztec Camera - Still On Fire: Anos 80 com o que eles tiveram de melhor: as bandas que nunca fizeram tanto sucesso assim. Roddy Frame e sua Câmera Azteca nunca ficaram no top top do mundo, a não ser pela versão inusitada de voz e violão para Jump, do Van Halen. Still On Fire, do disco Knife, é uma obra-prima de harmonia, influenciada por soul, funk e traz Frame (então com 20 anos), dominando guitarras e arranjos de teclados. Maravilha oculta. Frame continua na ativa e já lançou dois discos maravilhosos: Northern Star e Surf.

04) Maroon 5 - Sunday Morning: Apesar de muita gente torcer o nariz para a bandinha novaiorquina, o Maroon é uma bela formação soul pop, com bom gosto e boas composições. O disco de estréia deles, Songs For Jane, arrombou a banca nos USA e vendeu bem aqui. É um Jamiroquai sem afetação, Ferraris e melhor. Pop bem feito e inofensivo.

05) Neil Young - Lotta Love: Clássico absoluto da carreira de Young. Lotta Love é do disco Comes A Time, de 1978. É um trabalho calmo, sobre a arte de envelhecer, ou melhor, de se assentar na vida. Deixar as detonações de lado e "settle down". Há uma versão igualmente bela, na voz de Nicolette Larson, que foi backing vocal de Young e que, reza a lenda, foi traçada pelo canadense. Lotta Love é favorita CEL de todos os tempos.

06) Everything But The Girl - When All's Well: Mais uma delícia cremosa dos anos 80. A primeira música do EBTG a fazer sucesso, ainda totalmente new bossa, com arranjos lembrando coisas sessentistas perfeitas. Tracey Thorn ainda garota e Ben Watt com sua guitarra. Alguns anos depois, a dupla daria uma guinada rumo à música eletrônica por causa de uma doença degenerativa que vitimou Watt, incapacitado de tocar guitarra por um bom tempo. Triste. Mas essa música é alegria total.

07) Tears For Fears - Goodnight Song: Podem falar o que quiserem, TFF é excelente. Algumas das melhores músicas pop dos anos 80 são da dupla Orzabal/Smith. Do synthpop da estréia em The Hurting ao popão perfeito de Songs From The Big Chair e ao psicodelismo de caixa de lápis Faber Castell de The Seeds Of Love. Depois desse disco a dupla se separou e Orzabal lançou Elemental, sob o nome TFF e fez um belíssimo e subestimadíssimo disco. Esta Goodnight Song é um primor de melodia fluída em guitarras perfeitas. 1993.

08) Carl Franklin - Kung Fu Fighting: Música de festa, pra pular, perfeita, meio disco, meio funk, totalmente anos 70. Aqui está o que eles tinham de pior: cantores pré-fabricados, danças esquecíveis, afetação, arranjos deploráveis e ... músicas perfeitas. Perfeição de três minutos. E você já ouviu antes, pode ter certeza. Música do inconsciente coletivo.

09) Pernice Brothers - Weakest Shede Of Blue: É um crime que essa banda de Boston não seja tão querida e reconhecida como o Teenage Fanclub. São discípulos de Byrds, Big Star, detem um pequeno acento alt-country e são liderados por um gênio, chamado Joe Pernice. Essa é uma doçura ensolarada de três minutos, do disco Ours, Mine And Yours, de 2003. Corra atrás que vale a pena. O primeiro verso é matador: "Won't come away with me and begin something we can't understand. Could it be so wrong, so wrong?".

10) Frankie Valli And The Four Seasons - Can't Take My Eyes Off You: clássico da jukebox dourada dos anos 60. Perfeita em todos os sentidos, seja no arranjo, na execução da música, na letra, no todo, nos detalhes. Dessas músicas que se pode casar, declarar a indepedência, ninar o filho, pisar em Marte ou cantar para o vizinho acordar ao som delas. O refrão é hours-concours.

11) Jayhawks - Bad Time: Talvez uma das coisas mais beatles jamais feitas. Essa seminal banda do alt country americano lançou um disco perfeito em 1994, chamado Tomorrow The Green Grass, com essa música, que traz uma guitarra a lá George Harrison que somente o próprio poderia ser tão preciso em sua excecução.

Eu poderia ficar aqui escrevendo indefinidamente sobre essas canções aleatórias. Juro que não escolhi essa ou aquela música e espero que você, leitor, tenha seu exército de canções para te salvar do grande dragão. Você merece e precisa. Acredite.

Carlos Eduardo Lima, o CEL, tem quase 35 anos, é caucasiano, apolítico, incolor, inodoro e insípido. Contato: cel@rockpress.com.br