O CEL & o Limite
Melodias Perdidas

por Carlos Eduardo Lima
Capas: Divulgação
19/05/02

Eu sou um defensor da melodia. Quase sempre procuro ouvir coisas que tenham um mínimo respeito para com ela. Claro que alguns momentos da vida pedem por esporro, distorção e gritaria, mas, muitas vezes, tudo o que queremos expressar, sentir e dizer pode ser feito com uma boa e velha melodia.

Brian Wilson, Paul McCartney, Chris Bell, representando respectivamente, Beach Boys, Beatles e Big Star, além de Neil Young, foram grandes artesãos da melodia. A capacidade que tinham de encadear as notas e acordes em algo assoviável e belo era impressionante. Não eram repetitivos, chatos ou sem originalidade. Eram/são mestres absolutos do respeito à melodia. A história, no entanto, foi extremamente injusta com duas bandas surgidas na virada da década de 60/70 que fizeram de suas carreiras adoráveis cenas de gato e rato atrás da melodia perfeita. America e Bread.

Eram tempos em que todos tinham que primar pela atitude. Protestos raciais, guerra do Vietnã, Primavera de Praga, As Comunas De Paris, ou seja, o mundo em ebulição da época não comportava gente cantante somente. A música, o cabelo, a postura tinham que protestar ou assumir sua caretice. America e Bread eram bandas que apenas queriam tocar e compor belas músicas. O America formou-se em Londres, em 1970. Eram três filhos de militares americanos lotados em bases na Velha Ilha. Dan Peek, Gerry Beckley e Dewey Bunnell começaram tocando em bares folk na noite londrina e assim ficaram até 1972, quando tentaram o primeiro contrato com uma gravadora grande, no caso a Warner. É bom lembrar que naqueles tempos, não havia essa coisa de fazer cd-demo, fita-demo. Os contratos surgiam após executivos olheiros presenciarem os shows dos artistas a serem contratados. Nos camarins a coisa acontecia. Ou seja, o artista/banda tinha que ser competente e ter tarimba no palco, senão, já era.

O America simplesmente tocou as músicas que havia composto para o primeiro disco no escritório da Warner em Londres. Entre essas músicas estava A Horse With No Name, talvez um dos maiores sucessos de todos os tempos em matéria de "música pra tocar no rádio". Os Warners toparam na hora e a banda lançou seu disco epônimo no mesmo ano e arrombaram as paradas do mundo inteiro. Dois álbuns depois e eles já contavam com a produção de ninguém menos que George Martin, o quinto beatle. Martin imprimiu sua habitual competência no trabalho da banda e pilotou o estúdio de Abbey Road em outros cinco discos do grupo ao longo dos anos 70. A crítica da época achava o America uma xerox pálida do Crosby, Stills & Nash. Exagero. O America era calcado na mesma bíblia folk/country/rock, mas talvez tivesse menos pompa que o mais famoso trio do gênero. E por isso, suas músicas se davam ao luxo de apenas soar melodiosas e como fundo para namoros hippies e beijos nas saídas de bailes de formatura high school nos anos 70. Ventura Highway, Tin Man, Sister Golden Hair, Amber Cascades, todas são composições de puro pop/rock perfeito, com estrofe, refrão, solo, repete refrão e final feliz.

O Bread se formou dois anos antes, em 1968, em Los Angeles, a partir do encontro entre David Gates e James Griffin. Acrescidos da presença de Robb Royer, o grupo começou a tocar nos bares locais, e, assim como o America, foi contratado pela Warner/Elektra. O baterista Mike Botts se juntou a eles e, logo no primeiro single, Make It To You, o Top Ten já havia sido alcançado. Gates e Griffin iriam inflar egos até a banda acabar em 1973, mas, no meio do caminho, eles deixariam verdadeiras pérolas como If, Everything I Own, Baby I'm A Want You e as maravilhosas Guitar Man e Aubrey, esta última, talvez uma das mais belas baladas com nome de mulher já escritas no rock.

A maior vantagem em conhecer as carreira dessas bandas está na facilidade de achar coletâneas (disponíveis no mercado nacional) de greatest hits que cobrem todos os sucessos e dão idéia do que elas eram capazes de fazer. Talvez America e Bread tenham sido os primeiros artistas alt-country do mundo. Talvez tenham sido muito bons e o tempo e os acontecimentos sejam os grandes responsáveis por sua condição de semi-anonimato ou de carregarem o incômodo rótulo de "música de velho". Enquanto o mundo aumentava os decibéis ao som de Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, essas bandas iam na contramão da história, apenas em busca da melodia pura, perfeita e simples. E, quem chegar a ouví-los, perceberá que eles quase sempre acertaram bem perto do alvo.

Carlos Eduardo Lima é jornalista. Tem 31 anos, é flamenguista, fã de Beatles, Van Morrison, Marvin Gaye e um eterno nostálgico. 


Leia as colunas anteriores
#1 - Coming of Ages