O CEL & o Limite
A Tristeza e o Supertramp

por Carlos Eduardo Lima
23/05/05


Impressionante como somos alvo fácil da tristeza. Aliás, me parece que a tristeza nos espreita, nas sombras, sempre alerta e pronta a se estabelecer. E quando ela se espraia, se acomoda e nos olha, com certo desdém, nos encolhemos e achamos que não podemos vencê-la. Sim, esse é um texto pessimista. Acontece.

A tristeza é plural, é muitas em uma. É um disco dos Chemical Brothers, cheio de participações especiais, colaboradores e coisas state of the art que conspiram para que ela seja mais triste e doída. É um mix de saudade de tempos idos, de tempos vindos, de tempos nunca vividos, de tardes perfeitas, de dias perfeitos e imperfeitos, mas que eram melhores que tudo o que temos vivido.

E o que mais nos aflige é a quase certeza de não termos valorizado esses momentos como eles mereciam. Se soubéssemos que eles seriam subitamente ceifados da nossa vida, teríamos rendido homenagens e reservado minutos de silêncio em honra prévia ao momentum perfecto que estaríamos perdendo sem saber, muito antes da perda propriamente dita.

Eu sei que não queríamos viver tristes. Mas, falando por mim, nunca fui uma pessoa alegre. Sempre tive meio que vergonha de demonstrar minhas alegrias. Sim, eu tive alegrias, que me pareciam quase imorais de tão alegres. Realizações, amigos, planos, futuro. Mas e se agora tudo é um borrão de indefinição, de confusão e falta de paz?

Nós queríamos saber de coisas, sentir cheiros, brincar de sermos crianças, sermos crianças o suficiente para brincar sem ferir qualquer responsabilidade. Ouvir as músicas e só ver seu lado bom. Não querer e querer lembrar de tudo. E não ter que lembrar, pois não queríamos que fosse passado remoto e sim presente participativo. Um presente embrulhado em papel crepom, cheio de enfeites, como os que raramente abrimos diante de alguém com o sorriso de amor a nos observar e nos desejar felicidade eterna, como se fôssemos uma espécie de Deus.

Eu não tenho mais isso, por hora. Não sei se terei de novo. Não sei nada da minha vida. É uma estrada estranha e escura, que me engana ao me fazer pensar que a conheço. Não, não conheço mais minha própria vida, de tanto que a dividi e entreguei nas mãos de quem eu achava que era digna de tamanha honra. Afinal de contas, era tudo o que eu tinha pra dar. E dei. Não hesitei.

E hoje eu caminho pelas ruas, pouco, é verdade, as ruas que me viram nascer, andar pela primeira vez, cair no chão. Saltar de onibus que não existem mais. Ou dos mesmos ônibus que não preciso infelizmente mais pegar para me mover pelas partes da cidade que não tenho mais coragem ou motivo para ir.

A tristeza, sempre ela. Ladra de oxigênio emocional que nos alimentaria melhor se não a fizesse gorda e robusta como está agora. A tristeza parruda e forte, que não leva a lugar nenhum, que nos tira o sorriso do rosto e que nos dá a certeza de que nosso sorriso, que nunca foi largo, agora não sera mais que um esboço eterno, um quase arremedo de sorriso. Sem dentes, sem vida, sem olhos que sorriem junto.

Um sorriso triste. Dá pra perceber quando o sorriso é uma contradição ilógica ao momento de tristeza. Ele é um exército de Brancaleone, um rato que ruge, diante do monstro calmo e sereno da tristeza. Eu não quero mais viver assim. Mas, como fazê-lo? Não sei. Eu já decidi que não quero e isso é tudo por enquanto, amigo leitor. Por isso, aproveite a minha tristeza pois ela vai passar.

A medida mais extrema que adotei para me curar foi ouvir novamente Supertramp. Você conhece? É uma banda pop meio progressiva dos anos 70, que tem um som tragicômico, mas que parece ingênuo e bem intencionado na maioria das vezes. Me remete a bons momentos da vida, num tempo em que a gente é sempre bem intencionado, tragicômico e, sobretudo, feliz. Uma época em que somos como o som do Supertramp, pomposos mas simples. Desnecessáriamente preocupados com adereços emocionais. Desavergonhadamente bregas sem saber. Sentimentais demais, antes do cinismo escroto da pós-puberdade tomar conta da gente por falta de opção e nos fazer dizer que Velvet Underground é a melhor banda do mundo, mesmo que nunca os tenhamos ouvido.

Por isso tudo e muitas outras coisas indizíveis, o solo de saxofone de My Kind Of Lady, do Supertramp de 1982, no disco Famous Last Words vai acabar de me matar um dia desses...

Carlos Eduardo Lima, o CEL, tem 34 anos, é caucasiano, apolítico, incolor, inodoro e insípido. Contato: cel@rockpress.com.br