O
CEL & o Limite
O
Clube da Esquina
por
Carlos Eduardo Lima
Capa: Divulgação
09/03/02
A música brasileira era diferente até os anos 60. Era uma maçaroca de marchinhas, sambas-canção, boleros mexicanos e moonlight serenades, estas copiadas dos Estados Unidos. Os chamados "anos dourados" eram pobres em termos de cultura musical. Foi na década de 60 que isso mudou. Três vertentes surgiram quase simultaneamente na música feita no Brasil e isso a
rebatizou de MPB. A Bossa Nova agregou a galerinha classe média, fã de jazz e samba. A Jovem Guarda veio com a beatlemania e levou consigo a povo da classe média baixa, com versões de sucessos de bandas inglesas e americanas. Uns dois anos depois veio a Tropicália, que fez a delicia dos universitários antenados com os protestos contra a ditadura militar. Era a trilha sonora genuinamente brasileira, cheia de "atitude" e "nacionalismo verdadeiro" para combater a
"colonização do país".
Qualquer verbete sobre música brasileira há de citar estas três ramificações como sendo a cara da música brasileira na década de 60. E quem o escrever não estará errado, mas correrá o risco de omitir uma outra vertente, menor, mas com força e criatividade igualmente relevantes e que agregou um pouco do que as três grandes forças tinham de melhor. O jazz da Bossa
Nova, a paixão pelos Beatles da Jovem Guarda e as referências culturais brasileiras da Tropicália. Isso se chamou de Clube da Esquina. O mais engraçado disso tudo é que o "clube" nada mais era do que um lugar numa esquina de Belo Horizonte, onde algumas pessoas se reuniam pra tocar violão, beber pinga e falar de política. Pouco, se compararmos com os programas de televisão que as vertentes, digamos oficiais, da música brasileira, dispunham.
Tudo começou em 1963, em Belo Horizonte. O cantor, compositor e instrumentista Milton Nascimento tinha acabado de chegar de Três Pontas com o pianista Wagner Tiso, e foi morar numa pensão no Edifício Levy, na cinzenta Avenida Amazonas, no centro da cidade. Lá, em
outro apartamento, viviam os irmãos Borges – doze ao todo. No começo, Milton se enturmou com mais velho deles, Marilton, com quem foi tocar no grupo Evolussamba. Logo, estaria fazendo amizade também com Márcio e com o pequeno Lô, de apenas dez anos de idade.
Os encontros entre Milton e os dois irmãos eram sempre no quarto dos Borges, em noites regadas a batida de limão. Márcio tornou-se o letrista das primeiras composições de Milton em 1964. Enquanto isso, Lô estudava harmonia com o guitarrista Toninho Horta e devorava discos dos Beatles com outro menino, Beto Guedes. Juntos os dois, que haviam se conhecido por causa de um patinete, montaram a banda The Beavers, inspirada no Fab Four. Milton Nascimento passou a
década de 60 participando de festivais e chamando atenção para sua voz e sua verve de compositor. Era o começo do estrelato para ele, que logo foi apresentado aos americanos com o disco Courage (1968), gravado por lá com arranjos de Eumir Deodato. Enquanto isso, a turma de músicos mineiros reunida por Milton e os Borges não parava de crescer, com a chegada de Flávio
Venturini, Vermelho e Tavinho Moura.
Faltava apenas batizar essa reunião de músicos. Um dia, na esquina da Rua Divinópolis com a Rua
Paraisópolis, no bucólico bairro de Santa Teresa, Milton e os irmãos Borges fundaram o Clube da Esquina, irmandade unida no interesse por música, política, amizade e uma cachacinha das boas. O nome foi idéia de Márcio que, sempre ao ouvir a mãe, Dona Maria, perguntar por onde andavam os meninos Borges, dizia: "Claro que lá na esquina, cantando e tocando violão".
Em comum entre os integrantes, a origem de classe média, o grande interesse por assuntos culturais e políticos e a disposição de privilegiar os temas sociais em detrimento do amor nas letras. Antes mesmo que se formalizasse um movimento (que, de acordo com seus integrantes, nunca se formalizou), Milton e Lô Borges (então com 17 anos de idade) entraram em 1972 nos estúdios da EMI para gravar o disco Clube da Esquina. Com uma capa que trazia apenas a foto de dois meninos, um preto e uma branco, na beira de uma estrada em Nova Friburgo, o LP apresentou ao país a alquimia sonora obtida por aquele grupo de mineiros, ao qual se agregaram ainda o letrista Ronaldo Bastos e o grupo Som Imaginário (de Wagner Tiso): bossa nova, Beatles, toadas, congadas, choro, jazz, folias de reis e rock progressivo.
Canções como O Trem Azul (de Lô e Ronaldo, regravada
por Tom Jobim em seu último disco, Antônio Brasileiro),
Tudo o que Você Poderia Ser (Lô e Márcio), Nada Será
Como Antes e Cais (ambas de Milton e Ronaldo) foram
o marco zero para aquele que foi o primeiro movimento musical
brasileiro de importância depois da Tropicália. Talvez a melhor
música de todo o disco seja a singela versão instrumental de
Clube da Esquina nº 2, que teve a letra censurada.
Logo, cada um dos sócios do Clube estaria seguindo o seu caminho,
lançando seus próprios discos – Beto Guedes rachou um LP com
Novelli, Danilo Caymmi e Toninho Horta e em seguida fez A Página
do Relâmpago Elétrico e Amor de Índio. Lô Borges gravou
os elogiados Lô Borges e Via Láctea. Flávio Venturini
foi para O Terço, banda que lançou discos mais voltados para
o rock progressivo e depois daria origem ao pop 14 Bis (de Vermelho
e Magrão).
Claro que Milton Nascimento e seus amigos de Clube hoje são passado. Mas ninguém se importa em olhar pra trás de vez em quando. Afinal, na música talvez a história não se repita sempre como farsa.
Carlos
Eduardo Lima é jornalista. Tem 31 anos, é flamenguista,
fã de Beatles, Van Morrison, Marvin Gaye e um eterno
nostálgico.
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