O
CEL & o Limite
Brian
Wilson
por
Carlos Eduardo Lima Foto: Divulgação/Warner
26/07/02
Quantas vezes a gente já não se deparou com a expressão "melodias
ensolaradas"? Eu mesmo adoro usar este clichê para definir um
certo tipo de música que traz uma sensação de felicidade, geralmente
um sorriso que brota sem um motivo específico. Talvez apenas
para definir uma canção bonita o bastante para se dedicar para
a namorada, para lembrar de algum período bom da vida ou para
se cantar para uma criança dormir... Não é um clássico, mas
um pequeno clássico. A diferença é sutil. E muito grande.
Se este tipo de música existe hoje, os Beach Boys têm participação decisiva nisso. Falar deles é uma tarefa pesada, exige uma matéria grande, abrangente e informativa, digna da importância deles para a chamada música pop. Na verdade, os próprios Beatles admitiram ainda na ativa que a verdadeira disputa deles era com os californianos, não com os Stones ou o Who. O motivo é simples: os Beatles eram artesãos pop, tanto quanto os Beach Boys. Stones e Who, entre outros, são/eram bandas de rock básico, bem feito, perfeito, indispensável, mas básico. Beatles e Beach Boys eram chatos, perfeccionistas e geniais. E os Beach Boys ainda lançam discos até hoje e são capazes de capturar pessoas razoavelmente esclarecidas/prevenidas contra as estratégias do mercado fonográfico.
É simples. Saiu pela Capitol americana uma nova (a enésima) coletânea de sucessos do grupo. Até aí morreu Neves. Um detalhe do tamanho do mundo faz a coisa ficar diferente. Logo no título já temos a pista de que esta compilação de sucessos, ou melhor, de pequenos clássicos, é diferente de todas as outras: The Beach Boys Classics – selected by Brian Wilson. Ou seja, o homem, o mito, o líder, o artesão pop por trás de tudo, está escolhendo oficialmente as suas músicas prediletas em mais de cinqüenta discos lançados entre 1962 e 1990 pela banda que ele liderou até 1967.
Um pequeno toque sobre Brian Wilson: o sujeito é responsável
por uma obra-prima da música pop, chamada Pet Sounds,
de 1966. Ali o pop encontrava a perfeição, o status de música
"séria", "relevante". E Wilson perdia a sanidade, usuário de
drogas pesadas, desenvolvendo uma esquizofrenia que o afastaria
da banda, colocando-o como um colaborador. Mas os Beach Boys
não são apenas praia ou Pet Sounds. Discos essenciais
como Surf's Up, Sunflower, Holland, todos feitos depois
de Pet Sounds e que são os trabalhos mais confessionais
dos Beach Boys, livres do esquema carro-praia-biquini, que os
prendeu até 1966.
São vinte músicas, cada uma com comentários de Brian, alguns
inéditos, como o que ele faz sobre The Warmth Of The Sun,
de 1963, composta no dia em que John Kennedy morreu. Ou sobre
In My Room, do mesmo ano, balada triste, na qual um Brian
recluso e tímido confessa, canta e conta que seu mundo é o seu
quarto.
California Girls é a sua preferida de todos os tempos;
Don't Worry Baby é inspirada em Be My Baby, das
Ronnetes, música preferida de Brian. Good Vibrations
é definida como uma "sinfonia de bolso" e as músicas de Pet
Sounds (God Only Knows e Caroline, No) são
lembradas como a primeira música pop com "god" no título e como
a mais bela música sobre a perda da inocência já feita, respectivamente.
A alegria que caracterizou a imagem dos rapazes da praia só
é visível em I Get Around e California Girls.
Todas as outras 18 são exemplos raros, introspectivos e lindos
da musicalidade da banda. Marcella é a tentativa beachboyana
de emular os Stones e uma espécie de r&b mais negro; Surf's
Up é uma beleza só, vocais e instrumentos, com letra de
Van Dyke Parks e música de Brian, além das tristonhas Time
To Get Alone, This Whole World e, principalmente Til
I Die.
E dizer que Brian é o único responsável por tudo isso é injusto.
Lá estão os vocais maravilhosos de Mike Love, a harmonia perfeita
entre os manos Dennis e Carl Wilson (Carl, para muitos, tão
genial quanto o irmão), a discrição de Al Jardine e a eminência
parda de Van Dyke Parks, colaborador de Smile, o disco
que Brian compôs para ser uma "sinfonia adolescente para Deus".
O disco nunca vendeu, foi embargado pela gravadora, causou o
destrambelhamento definitivo dele e seu afastamento. Van ficou
como compositor da banda junto com os Wilson ao longo da década
de 70.
Essa oportunidade de ouvir este período desconhecido de uma
banda tão importante para a história é rara e deve ser aproveitada.
E o aperitivo pode ser o lançamento nacional de Pet Sounds
Live, gravado por Brian Wilson e sua banda atual ao vivo,
36 anos depois de compô-lo. Se você é fã de rock, mas guarda
aqueles pequenos sorrisos, trazidos pelos pequenos clássicos
do século XX, tire o escorpião do bolso. Vale a pena.
Carlos Eduardo Lima tem quase 32 anos, é carioca e acredita que o mundo acabou há uns dez anos mas ninguém notou.
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