Faixa a faixa: “So Bad”, do Satanique Samba Trio, um disco “no máximo medíocre, nota 10 de 10”

introdução por Diego Albuquerque
Faixa a faixa por Munha da 7

O Satanique Samba Trio, projeto candango que existe e subverte os tradicionais ritmos da música brasileira há mais de 20 anos e que NUNCA FOI UM TRIO está de volta com mais uma pedrada. O atualmente quinteto formado por Munha da 7, Jota Dale, Lupa Marques, Chico Oswald, DJ Beep Dee apresenta “Só Bad”, seu décimo quarto álbum, no qual propõe “mais um experimento de sonoridade lo-fi em formato obsoleto”. O trabalho com 30 faixas chega no formato digital e também em fita k7. São “30 faixas captadas por gravadores analógicos antigos, apresentadas sob um véu de desgaste e envelhecimento”, explica Munha da 7, contrabaixista e líder da trupe.

Dividido em 2 lados, já que é assim que acontece nas fitas k7, o álbum traz no LADO A, 15 faixas desenvolvidas a partir de ritmos nordestinos como o forró e o baião e no LADO B, 15 variações do famigerado samba, motivo pelo qual o projeto existe, desconstruir esse ritmo tão brasileiro que traz em seu nome. Cientes da possibilidade de prejuízo, mas fiéis ao ancoradouro conceitual que os trouxe até aqui, o quinteto, expõe o baião e o samba em suas faces mais alteradas para ouvidos cansados de coisas lindas (e com acesso a toca-fitas de preferência).

Para entender melhor (ou tentar), pedi pro Munha da 7, contrabaixista, líder e criador do projeto, fazer um faixa a faixa falando das 30 músicas presentes neste trabalho (em pouco mais de 37 minutos). Saiba por exemplo que “badtriptronics #98”, segunda faixa do “lado A”, é um forró com um “longuíssimo” (menos de 2 minutos) improviso de sax feito pelo mais novo membro do quinteto, Chico Oswald, numa clara tentativa de contrariar quem diz que TUDO no Satanique Samba Trio é escrito em partitura (também achei que fosse, vocês não?). Sobre as outras 29 faixas você lê abaixo, e já adianto: ficou muito divertido. Faça isso ouvindo os sons no bandcamp (onde dá pra comprar os sons e a fita k7) ou no youtube (em breve nas plataformas de streamings, talvez).

LADO A
01) badtriptronics #08 – Aqui usamos a estrutura harmônica do xote tradicional sobre uma percussão exageradamente apressada, às raias do blast beat. Um joguete com o andamento acelerado do triângulo nos arranjos do forró pé-de-serra;

02) badtriptronics #98 – Um forró com um longuíssimo (menos de 2 minutos) improviso de sax do nosso mais novo membro Chico Oswald pra contrariar quem diz que TUDO no Satanique Samba Trio é escrito em partitura (eu mesmo digo isso);

03) badtriptronics #45 – Este maracatu com arranjos em stacatto é uma resposta a um catedrático do manguebit que disse que só se faz maracatu com notas longas;

04) badtriptronics #49 – O frevo que vai ficando cada vez mais agudo, mais esbaforido, mais anaeróbico, até finalmente sumir em uma poeira de paralelepípedos;

05) badtriptronics #59 – Nessa eu tentei emplacar um forró noir, mas isso não importa. O que importa é que gravamos quase todos os instrumentos no mesmo celular desgastado de 2010 que simplesmente PERDI sabe-se la quando. Se alguém encontrar por favor me avise;

06) badtriptronics #93 – Um baião ecumênico com fagote, violino, teclado e baixo, repensando a instrumentação da estética armorial. Sem percussão, claro, por que aí seria identificável demais;

07) badtriptronics #69 – Xote com clave ocasional de xaxado que conta com uma execução perfeita de cavaco desafinado por parte de Jota Dale. Afrouxei as tarrachas do instrumento, deixei com as cordas praticamente penduradas, entreguei pra ele, disse ‘Te vira’ e o velhaco gravou DE PRIMEIRA. Fucking amazing;

08) badtriptronics #50 – Embolada com acentos deslocados pra forçar a contumaz reflexão: “É embolada ou é baião?”;

09) badtriptronics #85 – Já que esse álbum vai ser lançado fisicamente apenas em fita k7, achei que seria apropriado compor um forró com uma cadência elementar e substituir todas as viradas ou passagens naturais por um fast forward de fita. Pra isso, gravamos a base, liguei o gravador de fita no PC, acionei o play e toda vez que a música chegava em um ponto de mudança, apertava o botão para avançar. Deu nisso aí;

10) badtriptronics #57 – Outro forró noir em que gravamos quase todos os instrumentos ao vivo e foi pro disco mesmo com o erro na corda. O teclado do DJ Beep Dee ficou lindo e acabou cravando todos os pregos na tampa do caixão, me faltou ESTOFO pra propor outro take;

11) badtriptronics #74 – Esse xote dissonante foi captado com um gravadorzinho digital japonês de 2007, não ficou tão ruim quanto queríamos, mas valeu pela textura completamente esvaziada de médios graves. Corrigimos na pós e o som ficou no máximo medíocre, nota 10 de 10;

12) badtriptronics #67 – Planejei como um quarteto de câmara amparado por um set percussivo de baião dobrado e assim segui até ter um panorama completo da orquestração. Ali, fui substituindo cello por baixo, viola por cavaco, etc. Mantive o violino no fim como artifício de inversão da expectativa;

13) badtriptronics #73 – Arrasta-pé em que fiz questão de literalmente ARRASTAR um reco-reco de aço durante toda a música para causar uma impressão de casco com ferradura roçando o chão. É Bafomé no forró de quinta-feira do Parque da Cidade;

14) badtriptronics #80 – Base percussiva de frevo-canção com uma flauta transversal disfarçada de pífano. Algo mais suave, um frevo discreto, sem sobressaltos nem escândalo, pra se ouvir dentro da máquina de ressonância magnética.

15) badtriptronics #96 – É uma peça para baqueta e máquina de escrever em ritmo de xaxado. Não dá pra explicar melhor do que isso, sem sacanagem.

LADO B
16) badtriptronics #70 – Já que existe toda uma discussão sobre a imprescindibilidade dos instrumentos de sopro como elementos característicos do samba, achei por bem desenvolver um sambinha com sopros literais pra elevar o debate: vento no microfone, respiração, ar comprimido, bomba de bicicleta, etc;

17) badtriptronics #82 – Levada rítmica de samba-de-roda com um fagote preenchendo o vazio do canto que não existe;

18) badtriptronics #33 – Essa é uma desconstrução temática de uma vertente pouco explorada da MPB, o “samba-canção instrumental”, típico de grupos como Tamba Trio, Trio Arakitan e agora Satanique Samba Trio;

19) badtriptronics #58 – Brazilian Jazz em que Lupa Marques arrasa na caixa com vassourinha, mas não dá pra ouvir direito por que tá muito mal gravado (culpa minha: foi de propósito);

20) badtriptronics #55 – Mantendo a tradição de obrigar nosso percussionista a tocar congas em todos os discos, fizemos esse samba de terreiro claudicante que ameaça uma levada tradicional mas nunca a alcança;

21) badtriptronics #37 – Aquela coisa de artista da MPB se metendo a fazer música concreta à sua maneira, imitando sons do cotidiano com os instrumentos. Aqui, sugerimos um trem que vai descarrilhando paulatinamente, um monte de gente morre e vai parar no inferno proverbial;

22) badtriptronics #29 – Acho que dá pra dizer sem muita dúvida que trata-se de uma amostra do que os jovens costumam chamar de bossa-nóia. O clipe dessa música sofreu restrição no Youtube por que tem imagens da endoscopia de um brother nosso. A QUEM INTERESSA CALAR O SATANIQUE SAMBA TRIO?

23) badtriptronics #31 – Marcha-rancho com bateria gravada em um velho tascam de 4 canais. Eu tinha essa gravação desde 1999 e a fita chiava mais que recado de secretária eletrônica dos anos 80, então adicionei percussões de escola de samba e instrumentos de corda invertidos pra criar uma impressão de deslocamento temporal;

24) badtriptronics #39 – Samba-jazz acelerado naquela vibe ‘’ei, viu que o Victor Assis Brasil vai tocar no Cine Centro São Francisco (102/103 Sul)?”. E devo ressaltar que essa tem a ilustre participação da cantora eletro-dark Inrgd.

25) badtriptronics #56 – Sabe aquela história de que músico de choro só sabe tocar rápido? Então, primeiro que é mentira, segundo que tentamos confirma-la da maneira mais estúpida possível;

26) badtriptronics #94 – Na cosmologia da MPB não é incomum que se cruze samba-de-roda com cantigas de capoeira. Se Baden Powell esteve lá, nós queremos estar também.

27) badtriptronics #71 – Chorinho de levada pernambucana pensada à guisa de Rossini Ferreira com intervenções pontuais de bateria (ou como nosso engenheiro de som Vitão descreveu um vez, “choro com batera de reggae do Guará”);

28) badtriptronics #79 – Era pra ser um ponto de confluência entre os dois lados da fita, pois foi calculada pra equilibrar 50% de samba e 50% de baião, mas acabou resultando em 65% samba, 30% baião e 5% aula de conservatório;

29) badtriptronics #52 – É um pagode com intervenções do infame e hiper-distorcido tecladinho da Xuxa (sério, fez parte do nosso backline por anos).

30) badtriptronics #62 – Samba Muzak de supermercado que vai SEQUELANDO ciclicamente. Foi escrito sobre o demo loop de samba de um teclado Casio PT-82 que estava com um problema de oscilação na fonte. O andamento do beat ia caindo na medida em que o teclado falhava e o dono choramingava ‘meu Deus, esse bagulho tá possuído’.

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