Entrevista: Mike Johnson relembra carreira solo, seus anos de Dinosaur Jr. e sua prolífica colaboração com Mark Lanegan

entrevista por Leonardo Tissot

Pode-se dizer que Mike Johnson é um talento pouco reconhecido. Integrante do Dinosaur Jr. durante a fase de maior sucesso comercial do grupo e peça fundamental na aclamada carreira solo de Mark Lanegan, o guitarrista estadunidense vive há mais de uma década na França, praticamente afastado dos estúdios, das filmagens de videoclipes e dos palcos — seja de pequenos teatros ou de grandes festivais.

Johnson lamenta a falta de interesse e de público para o tipo de som pelo qual ficou conhecido: fraseados de guitarra cristalinos, por vezes etéreos e, ainda que inspirados no blues, totalmente afastados dos clichês do gênero.

Seu último trabalho solo foi lançado em 2006 e, desde então, pouco se viu ou ouviu a respeito de Johnson. Participou das gravações do álbum de covers “Imitations”, de Lanegan, lançado em 2013, e disponibilizou “The Uninvited”, uma coleção de sobras de estúdio, em 2016. E só.

No mês em que se completam 30 anos do lançamento de “Where You Been” (disco de estreia de Johnson como baixista do Dinosaur Jr.), e o primeiro ano da morte de Mark Lanegan, o Scream & Yell entrevista o artista e (re)descobre detalhes de sua carreira.

Em um papo de aproximadamente uma hora, o guitarrista relembra seus primeiros riffs com a banda Snakepit, os bastidores de sua acidentada passagem pelo grupo de J Mascis, as razões pelas quais não participou do documentário sobre a história do Dinosaur Jr., como foram gestados os primeiros álbuns de Lanegan, curiosidades a respeito de seus discos solo e, finalmente, sua mudança para a França e o afastamento do cenário musical.

Para início de conversa, como você começou na música? Vem de uma família de músicos ou é o primeiro a tocar um instrumento?
Bem, mais ou menos. Meu irmão tocava guitarra. Tenho um irmão que é sete anos mais velho do que eu, e ele tocava guitarra quando eu ainda era pequeno. Eu ganhei um violão dos meus pais no meu aniversário de 18 anos, quando eu estava saindo de casa pra ir pra faculdade. Saí da minha cidade natal [Grants Pass, Oregon] para uma cidade universitária [Eugene, Oregon], a umas duas horas de distância. Comecei assim, com o livro Mel Bay [equivalente às revistas de cifras muito comuns no Brasil], que quase todo mundo usava na época pra aprender a tocar. Também ouvia e tocava junto com os discos do Velvet Underground. Então, eu não tocava quando era mais jovem, já comecei meio tarde.

Embora ainda não tocasse, você já tinha um interesse por música.
Sim, eu era fanático por discos e mergulhava profundamente em qualquer coisa que pudesse encontrar. Venho de uma cidade pequena e só tinha umas duas lojas de discos lá. Eu costumava procurar por qualquer coisa esquisita ou diferente que aparecia. Eu gostava muito da Creem Magazine e estava curtindo punk rock — isso era entre o fim dos anos 70 e começo dos anos 80. E estava interessado em saber de onde o punk vinha, então gostava de coisas pré-punk, tipo Velvet Underground, The Stooges, New York Dolls, coisas desse tipo.

Sua primeira banda foi o Snakepit, certo? Pode contar um pouco sobre a história da banda — como começaram, quais foram os lançamentos do grupo e como terminaram?
Sim. Como falei, eu tinha esse violão, fui pra faculdade e morava em alojamentos, o que é algo normal no primeiro ano — usar as acomodações da universidade e tal. Conheci um cara chamado Al Larson, que morava no dormitório em frente ao meu. Acabamos nos tornando amigos e falávamos sobre música: Velvet Underground, Modern Lovers, Dream Syndicate, bandas da época… Um ano depois, no meu segundo ano de faculdade, me mudei para um apartamento e o convidei pra aparecer lá e tomar um café. Daí ele viu meu violão e perguntou: “você toca?”. Contei que já tinha escrito algumas músicas, e ele ficou tipo: “cara, você tem que entrar na minha banda”. Eu nem sabia que ele tocava em bandas, mas descobri que ele tinha duas: Cargo Cult, na qual ele tocava baixo, e Snakepit, que havia começado com seu amigo Robert Christie [já falecido]. Pra mim, a ideia de fazer parte de uma banda parecia algo que ia muito além do que eu tinha imaginado. Fiquei, tipo: “porra, pode crer”. Ele não estava curtindo o caminho que a banda estava seguindo com o guitarrista na época, e nós dois tínhamos gostos musicais muito parecidos. Tipo Velvet Underground, Television, The Modern Lovers, essas coisas. Então, acabei saindo desse apartamento e fui morar com ele e o Robert Christie, que era o baterista. Na época, era impossível fazer um álbum, então fizemos uma fita cassete e lançamos de forma independente [“Soul Like a Goat”]. Isso foi lá por 1985. Depois de um tempo o Al saiu, e entraram na banda o Billy Karren [guitarrista e futuro único membro masculino do Bikini Kill] e a baixista Laura McDougall — tivemos várias mudanças. Em 86, lançamos mais um cassete [“From Vegas to Memphis”, na verdade lançado em 1987] e um single de 7 polegadas [“Wait”, de 1988] — o que foi algo bem significativo na época, porque na nossa cidade ninguém lançava discos. A banda durou mais algum tempo, mas acabamos encerrando as atividades [em 1990]. Nosso som era similar ao das bandas da época, um tipo de mistura entre punk rock e college rock. Queríamos soar como os Wipers, mas não conseguimos.

Nota: saiba mais sobre o Snakepit e ouça músicas da banda aqui.

E aí você entrou pro Dinosaur Jr. logo após deixar o Snakepit ou teve algum outro projeto nesse meio-tempo?
Bem, enquanto ainda estava no Snakepit, conheci o pessoal dos Screaming Trees. Eles foram a Eugene e conseguimos um show pra eles. Três bandas iriam se apresentar: os Trees, o Beat Happening e o Girl Trouble. No fim das contas, o Girl Trouble não veio e acabamos tocando no show no lugar deles. Então rolou esse show e os Screaming Trees ficaram hospedados com a gente. Eu e o Mark [Lanegan] nos demos bem logo de cara, nos tornamos amigos rapidamente. Diferentemente de outros músicos da época, compartilhamos um gosto em comum por velhos discos de blues e folk. Daí começamos a falar sobre o álbum solo dele [“The Winding Sheet”, lançado em 1990]. Ele me chamou pra tocar no disco — isso tudo enquanto o Snakepit ainda estava na ativa. Quando a banda acabou, Mark disse que eu deveria me mudar pra Seattle para trabalharmos juntos. Então, tocar com ele foi minha atividade principal logo que me mudei pra lá. Eu não tinha emprego, dinheiro, nada, apenas fui pra lá e as coisas começaram a rolar. E as pessoas com quem eu morava na época eram amigas do J [Mascis, guitarrista e vocalista do Dinosaur Jr.]. Ele se hospedou lá uma vez e meio que nos conhecemos, mas só de passagem. Um tempo depois ele me ligou, me convidando pra tocar baixo no Dino. Eu não sabia direito da história da banda, da saída do Lou [Barlow, baixista original, que formou o Sebadoh nos anos 90 e retornou ao Dinosaur em 2005]. Depois a [baixista] Donna Dresch e o Van Conner [Screaming Trees, falecido em 2023] também tocaram com eles… Eu conhecia a banda, ouvia os discos deles e tal, mas não estava sabendo de tudo que havia rolado. Na real eu não queria entrar pro Dinosaur, mas era obviamente a coisa certa a se fazer. Eu achei o convite estranho na época, porque eu não era baixista, e eles viviam em Massachusetts… Mas acabou rolando, em paralelo às gravações do segundo álbum do Mark [“Whiskey For the Holy Ghost”, lançado em 1994].

OK, então você entrou pra banda, mesmo que não fosse um baixista, baseado apenas na amizade com o J?
Bem, na verdade nós nem éramos amigos ainda. Não nos conhecíamos direito. Eu era muito amigo das irmãs Jasper, Maura [artista visual e cineasta] e Megan [atual CEO da gravadora Sub Pop]. E até hoje eu não sei qual é a verdadeira história por trás desse convite. Logo depois da morte do Mark, eu tive uma longa conversa com o Van Conner, e ele me contou que foi ele que buzinou no ouvido do J que eu deveria ser convidado. Isso foi na época que o Van estava deixando o Dinosaur e voltando pros Screaming Trees. Mas eu nunca tinha ouvido essa história antes, então não sei. O que eu sei é que, uma noite em que estávamos na casa da Maura e da Megan, Maura estava falando com o J no telefone. Daí ela me disse: “o J vai te convidar pra entrar na banda”, e me passou o telefone. Eu nunca tinha falado com o cara antes, acho que havíamos trocado duas frases um com o outro. O convite foi feito, ele me chamou pra ir pra Massachusetts. O Mark me incentivou, disse que eu deveria ir. Não sabia direito o que estava fazendo, mas acabou acontecendo.

Não fez um teste, nem nada?
Não fiz nenhum teste, embora eles estivessem testando alguns músicos. Na época eles fizeram uma divulgação na MTV do tipo: “Dinosaur Jr. precisa de baixista”. Quando eu estava ficando na casa do J, ele me mostrou vários currículos que recebia por fax. Eu achava que o emprego era meu, mas ao mesmo tempo ele ainda estava recebendo currículos. Achei aquilo muito esquisito. E eu ainda dizia pra ele: “J, eu não sei tocar baixo”. Ele só respondia: “são duas cordas a menos”.

E logo em seguida vocês saíram em turnê para promover o “Green Mind” (1991), certo? Deu tempo de ensaiar? Como foi entrar para uma banda que já tinha um histórico e um jeito de fazer as coisas? [Nota: Mike pode ser visto tocando com o Dinosaur Jr., nesta turnê, no filme “1991: The Year Punk Broke”]
Sim, saímos direto em turnê, foi tudo muito rápido. Eu não sabia o que estava fazendo. Foi muito esquisito. Eu não me sentia como parte da banda. Quando os conheci, eles pareciam caras normais, sabe? Mas não pensei muito sobre o significado de fazer parte de uma banda como aquela, o que aquilo representava. Quando cheguei em Massachusetts, tudo era muito diferente, as pessoas pareciam diferentes. Então, eu apenas fingi saber o que estava fazendo, embora eu não tivesse a menor ideia. E acho que isso ficou bem evidente em alguns momentos. Depois conheci algumas pessoas na região que me deixaram um pouco mais à vontade. Mas não foi uma situação fácil, foi bizarro. Havia uma espécie de culto à personalidade no entorno da banda, algo que não combinava comigo. As pessoas agiam de um jeito estranho e eu não entendia o porquê.

Murph deixou a banda alguns anos depois, após a turnê do álbum “Where You Been” (1993). No documentário “Freakscene: The Story of Dinosaur Jr.”, ele conta a história de sua saída da banda. Ele disse que falou pro J que estava fora, e o J respondeu algo como “tá bem, se você não está se divertindo mais…”. E aí o Murph retrucou que “essa banda nunca foi divertida”. Sua experiência na banda foi essa também?
(Risos). Bem, eu me diverti um pouco. Mas lembro da época que o Murph saiu, J me ligou pra dar a notícia. Acho que o J queria que ele saísse, porque Murph estava claramente insatisfeito. Pra mim era uma situação diferente. Enquanto eles tinham começado a banda juntos, eu era apenas um contratado. Mas eu me dava bem com ele, apesar de sermos pessoas bem diferentes. As coisas correram bem entre nós. O problema daquela turnê foi o seguinte: nós todos odiamos tocar no Lollapalooza. Foram dois meses de inferno. E eu acho que o Murph odiou mesmo o Lollapalooza, sabe? Uma coisa é fazer uma porção de festivais na Europa quando você está tocando numa turnê própria. Mas quando você está fazendo uma turnê que é estritamente um festival, do qual você é apenas uma parte, e não é de fato um show seu, e é a mesma coisa todo dia… Todo mundo em um campo aberto que não é uma cidade de verdade, então você não pode sair pra dar uma volta, você só fica em um trailer o dia todo esperando os 40 minutos que vai subir no palco pra tocar. Isso não tem nada a ver com rock. É só um enorme circo corporativo, não tem nada de orgânico ou musical a respeito disso. Não sei qual é a opinião de outros músicos, mas acho que todos nós na banda nos sentíamos assim, de uma forma ou de outra, nessa época.

Ano passado, entrevistamos aqui no S&Y o Phillip Reichenheim, diretor de “Freakscene: The Story of Dinosaur Jr.”, e também cunhado do J. Perguntei a ele por que você não estava no filme, e ele me disse que tentou entrar em contato com você, mas nunca teve resposta. Gostaria de comentar algo?
Acho que lá por 2009, ele realmente entrou em contato comigo e trocamos algumas mensagens. Ele me passou a impressão de que faríamos algo, filmaríamos algumas entrevistas e tal. E daí nunca mais ouvi falar dele, por uns três ou quatro anos, quando ele me contatou novamente querendo fazer as entrevistas. Eu fiquei, tipo: “isso não pode ser sério”. A coisa toda ia rolar quatro anos antes, aí nunca mais ouço falar sobre o filme e de repente ele ressurge…

Pois é, ele levou uns 10 anos pra conseguir completar o filme.
É, foi mancada minha. Eu queria contribuir, mas agora já era. E também, desde que a banda voltou com a formação original, ninguém nunca mais falou comigo. Eu meio que apaguei essa parte da minha vida. É esquisito. Parece que eles não querem falar a respeito, como se não tivesse sido legal a minha participação na banda.

Paralelamente ao seu trabalho com o Dinosaur Jr., no qual você ficou até 1997 [quando a banda acabou, retornando em 2005 com a formação original], você continuou trabalhando com Mark Lanegan nos seus discos solo. Vamos voltar uns anos no tempo e falar um pouco mais sobre o primeiro disco, “The Winding Sheet”. Mark conta no seu livro, “Sing Backwards and Weep”, que recebeu um adiantamento da Sub Pop para gravá-lo. Então, resolveu aprender a tocar violão para compor as canções. Ele disse que aprendeu a tocar ao estilo “homem das cavernas”. Ainda assim, canções como “Woe” e “Wild Flowers” são tocadas por ele sozinho no disco. O quão grande foi, para você, o desafio de transformar essas canções em algo mais pronto, fazer arranjos, enfim…?
Quando fez o primeiro disco, ele sabia uns cinco acordes, eu acho. E sua habilidade no violão sempre se manteve no estilo “homem das cavernas”. Mas ele sempre teve um conhecimento instintivo de música e de como ela funciona, além de ser um cantor e compositor brilhante. Ele tinha essa habilidade de escrever canções com os mesmos três acordes e fazer algo completamente diferente e único em cada uma delas. Mas ele estava inseguro na época e queria que eu compusesse introduções e transições para que as canções parecessem “música de verdade”. Mas, sabe, eu também sou um guitarrista bem primitivo, autodidata. Talvez eu tivesse um pouco mais de facilidade que o Mark, mas sempre trabalhamos em parceria para transformar as canções em algo especial. Era um ótimo processo, do qual eu gostava muito, pra falar a verdade.

As gravações de “Whiskey for the Holy Ghost” (1994) foram marcadas por uma história que é bem conhecida, sobre Mark ter ficado frustrado com o som e tentado jogar as fitas master num rio, com Jack Endino (produtor do disco) impedindo-o. Você estava lá quando isso aconteceu?
Acho que eu não estava lá, o que é surpreendente, porque trabalhamos nele durante muito tempo. Levou uns três anos pra ficar pronto, tivemos vários altos e baixos. Mark gostava de contar histórias repetidamente, que talvez não tenham sido tão importantes para a produção do álbum quanto ele fazia parecer. É verdade que a coisa se tornou um pesadelo pra ele, porque ele costumava ouvir coisas que mais ninguém ouvia, geralmente relacionadas à forma como a voz dele se encaixava nas músicas. Mas não me recordo deste acontecimento (da fita master). Me lembro de Jack Endino se virar pra mim e dizer: “cara, ontem passamos 16 horas direto trabalhando aqui no Reciprocal [estúdio de Seattle]”. Eu só olhava pra ele e respondia: “eu sei, eu estava aqui. Cê tava prestando atenção mesmo, hein?”. Mas esse álbum teve uns cinco ou seis engenheiros de som diferentes [no disco, três profissionais são creditados como engenheiros de som — Jack Endino, Terry Date e Ed Brooks —, além de John Agnello na mixagem e Bob Ludwig na masterização]. Começamos no estúdio Ironwood com o Terry Date, que produziu aquela banda… Aquela do “Cowboys From Hell”…

Pantera.
Isso, Pantera. Obrigado. Começamos a fazer um disco totalmente acústico com ele, inspirado no “Astral Weeks” [álbum de Van Morrison de 1968], e tudo estava indo muito bem. Tem um vídeo que alguém subiu no YouTube dizendo que se trata das demos do álbum, mas na verdade são as primeiras sessões de gravação que fizemos com Terry Date. Ficamos uma semana trabalhando, apenas comigo no violão, esse baixista de jazz chamado Phil Sparks e o Tad Doyle [da banda Tad]. Estava correndo tudo muito bem, mas aí a Sub Pop ficou sem dinheiro e um cheque que foi usado para pagar o estúdio foi devolvido. Foi brochante, porque estava tudo indo muito bem, as músicas estavam com um som incrível. Tudo mudou depois disso, porque os Trees tiveram que sair em turnê e sofreram um acidente quase fatal, que deu perda total na van deles [a van que sofreu o acidente era a da equipe técnica, na qual Mark também viajava — os demais membros da banda estavam em outro veículo]. O Mark voltou a beber muito e a usar drogas logo depois disso, aí tudo começou a dar errado. Só podíamos ir para o estúdio quando nós dois estávamos em Seattle. Nos reuníamos para fazer duas ou três canções de cada vez. Fizemos uma com Ed Brooks gravando e Dan Peters [Mudhoney] na bateria. Depois outra sessão com Mark Pickerel [baterista original dos Screaming Trees] na bateria e Jack Endino gravando algumas faixas. Depois seguimos em frente com outras pessoas. A coisa não saía do lugar. Mark pedia mais dinheiro pra Sub Pop e gastava tudo em drogas. Uma vez ele tinha ido fazer alguma coisa em Nova York e me ligou, falando: “cara, você tem que vir pra cá pra gravar”. E eu falei: “o que mais você quer que eu faça? Já gravei mais de 100 faixas de guitarra, baixo, órgão e harmônica pra esse disco”. Aí o Mark chamou o J e o Kurt Fedora [músico que já havia tocado com o Dinosaur Jr.] pra terminar o disco, e começou a espalhar uma história de que eu tinha desistido dele. Mas eu não tinha desistido de nada. “Cara, o maldito disco está gravado, você só precisa terminá-lo” — o que ele finalmente conseguiu fazer depois disso.

Alguns anos depois, quando você e Mark fizeram “Scraps at Midnight” (1998), acredito que tenha sido o primeiro álbum no qual ele estava limpo, recém-saído da reabilitação. Foi muito diferente trabalhar com ele nessas gravações?
Foi diferente e aproveitamos melhor. Trabalhamos mais colaborativamente nas composições. Mark teve que reaprender a compor e a voltar a ser ele mesmo. Foi muito bom fazer esse disco, embora eu estivesse com alguns problemas de alcoolismo. Mas parei de beber pra trabalhar no álbum e tudo correu muito bem, tínhamos uma atmosfera ótima. Foi revigorante. Também voltamos a ser amigos, foi muito legal. O processo todo foi mais rápido também. Nos juntávamos para compor, íamos para o estúdio e deu, estava feito.

Ele também conta no livro de memórias que, nessa época, tinha uma dívida de meio milhão de dólares com o IRS, a Receita Federal dos EUA, por causa de direitos autorais que recebeu por sua participação no álbum “Above”, do Mad Season, pelos quais ele nunca pagou os impostos devidos. Então, ele precisou fazer alguns discos pra ajudar a pagar essa dívida. Isso influenciou a forma como esse disco e o seguinte, “I’ll Take Care of You” (1999), foram feitos? Você sentiu alguma pressão nesse sentido?
Não, na verdade é a primeira vez que ouço falar disso. Ele nunca mencionou nada a respeito. Bem, ele me falou alguma coisa nesse sentido, mas acho que nada específico. Deve ser por isso que ele não me pagou quase nada (risos). Musicalmente, posso dizer que o disco foi feito pelas razões certas. É um álbum puro, artisticamente falando. Não era como se ele estivesse fazendo só pela grana. O ambiente era ótimo durante as gravações.

Depois de fazerem “Field Songs” (2001) juntos e de uma participação sua em uma faixa de “Bubblegum” (2004) [“Hit the City” na qual Lanegan divide os vocais com PJ Harvey], vocês só voltaram a trabalhar em parceria no álbum “Imitations”, de 2013. Como foi esse retorno após cerca de uma década?
Permanecemos em contato após “Field Songs”. Fizemos uma turnê e fui o padrinho do primeiro casamento dele [com a cantora Wendy Rae Fowler]. Mas depois disso ele entrou para o Queens of the Stone Age, e acho que foi nessa época que perdemos contato. Ele começou a ter problemas com drogas novamente e tal. Eu me mudei pra França e ficamos anos sem nos falar. E aí, do nada, ele me manda um e-mail dizendo que faria mais um disco de covers e me perguntando se eu gostaria de participar. Falei que sim, claro, mas eu já não estava tocando tanto quanto antigamente. Ele me tranquilizou, disse que teria outros guitarristas. E correu tudo bem. Eu não era mais o cara principal. Jeff Fielder gravou a maior parte das guitarras. Eu fiquei mais com o papel de checar se a vibe estava correta, dando pequenas contribuições aqui e ali. Mas realmente não me envolvi tanto quanto nos cinco discos que fizemos juntos anteriormente, nos quais ajudei a coproduzir também. Cheguei a falar pra ele: “cara, você não precisa de mim aqui”. E ele respondeu que tudo bem, ele só queria minha presença lá. Nos divertimos bastante, não fazíamos isso há muitos anos. Demos boas risadas. Não foi a mesma coisa que antigamente, mas foi bom, fiquei feliz de ter sido convidado.

Vocês tinham algum projeto em mente antes do falecimento dele?
Não. Gostaria que tivéssemos, sabe? Estivemos em contato novamente nos últimos anos, algo pelo qual sou grato. Fiquei sabendo de toda jornada dele com o Covid, trocamos e-mails e falei que estava feliz por ele ter superado a doença. Fiquei chocado e devastado quando soube que ele havia partido. Não tínhamos planos específicos, embora ele tenha mencionado que, se eu tivesse alguma demo ou ideias para músicas, eu poderia enviar para ele — o que eu fiz. Mas ele acabou não usando nada desse material.

Vamos finalizar falando um pouco sobre seus álbuns solo, desenvolvidos paralelamente ao seu trabalho com o Dinosaur Jr. e o Mark Lanegan. O primeiro deles foi “Where Am I?” (1994), também com produção de Jack Endino. Em termos de estilo, ele habita a mesma zona de seu trabalho com Lanegan. Quais suas impressões e lembranças da produção do disco?
Esse foi feito quase como uma demo. Eu finalmente havia começado a tentar compor novamente, algo que tive dificuldades de fazer logo que me mudei para Seattle. Cheguei a fazer uma demo com o J tocando bateria e o Kurt Fedora no baixo. E aí comecei a tocar com o Barrett Martin [baterista de Screaming Trees, Mad Season e Nando Reis, entre outros] no baixo e meu amigo David Kruger no violino. Usei meu próprio dinheiro pra ir pro estúdio e chamei o Jack pra produzir, porque o conheci por meio do Lanegan. Então foi muito rápido, passamos uns três dias gravando tudo. A ideia era fazer uma demo pra tentar arranjar alguém que tivesse interesse em lançar. Ao mesmo tempo, o meu amigo Chris Takino abriu a gravadora Up Records — ele era meu colega de apartamento nessa época. Ele queria lançar alguns discos e, embora tivesse algumas conexões na Sub Pop, não conseguiu fazer com que lançassem coisas como o Built to Spill, Violent Green e outras bandas que ele gostava. Então ele começou a gravadora e acabamos lançando o meu material também. Como falei, era praticamente uma demo. E era algo bem curto, quase como um EP.

Gosto muito de “What Would You Do” (2002), seu quarto álbum. E acho que, ouvindo esse disco, as pessoas conseguem ter a noção exata de como o som nos álbuns do Mark Lanegan tem muita influência sua. Esse álbum soa quase como um disco dele, de certa forma — e falo isso como um elogio. Ou talvez aqueles discos solo do Mark devessem ter sido creditados a vocês dois como uma dupla. Entende o que quero dizer? O que acha disso?
Agradeço suas palavras, é um grande elogio. O som de “What Would You Do”… Bem, quando estávamos fazendo o primeiro disco de covers do Mark, “I’ll Take Care of You”, lembro de gravarmos uma música chamada “Creeping Coastline of Lights”, uma cover da banda The Leaving Trains. E o Mark estava apaixonado pelo som que estávamos conseguindo tirar — aquele estilo que conseguimos desenvolver, que era realmente algo muito bonito. Não sei como descrever, mas havia algo a respeito do som daquele álbum que me atraía. Quando fizemos “What Would You Do”, era naquele som que eu estava pensando, naquele estilo. E foi daí que o som desse disco veio, a forma como a minha guitarra soava, eu estava apaixonado também. Então, sim, definitivamente há uma conexão entre o meu disco e o trabalho que fiz com o Mark. Um arrependimento que tenho é que Mark nunca esteve envolvido nos meus projetos solos tanto quanto eu gostaria, apesar de ele sempre ter sido meu barômetro musical. Como éramos amigos, eu sempre mostrava minhas demos pra ele, porque eu sempre gostava de ouvir o que ele tinha a dizer. Se ele gostasse especificamente de alguma, era nessa que eu iria trabalhar. Era importante ter a aprovação dele, e era algo que ele fazia com frequência.

Seu último trabalho solo foi “Gone Out Of Your Mind”, em 2006. E 10 anos depois, você lançou uma coleção de sobras, “The Uninvited”. Depois disso, mais nada. Você tem planos de voltar a gravar?
Gostaria de poder voltar. Quando me mudei para a França, depois de fazer o “Gone Out Of Your Mind”, uma das razões de ter me mudado foi que não havia mais interesse na minha música nos Estados Unidos. Não conseguia marcar shows, fiz uns dois e ninguém apareceu… Acabei entendendo isso como: “OK, não existe público para o que estou fazendo”. Como a minha esposa é da França, pensamos que uma mudança para cá talvez fosse um pouco melhor. Acabou sendo melhor para nós, mas não para a minha música. Sinto que ainda há música em mim e gostaria de poder voltar a tocar, mas hoje isso não é uma realidade.

É uma pena, espero que você consiga retornar. Obrigado pela entrevista.
Obrigado a você. Ei, e me desculpe pela demora em dar retorno. O dia que recebi sua mensagem foi o mesmo do falecimento de Van e fiquei arrasado. Fico feliz de ver que há pessoas interessadas no meu trabalho. Agradeço sua atenção.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo no Scream & Yell.

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