Entrevista: Steve Turner (Mudhoney) fala sobre os 30 anos de “Every Good Boy Deserves Fudge”

entrevista por Leonardo Tissot

O que não falta por aí são teses a respeito da quantidade de discos lançados em 1991 que se tornaram clássicos do rock e do pop. É verdade que o ano ficou marcado por álbuns de sucesso, especialmente o de uma banda saída das profundezas de Aberdeen (EUA) que derrubou o rei do pop do topo das paradas. Mas outro disco menos badalado também fez história naquele começo de década: o Mudhoney lançou seu segundo LP, “Every Good Boy Deserves Fudge” — após o cultuado EP “Superfuzz Bigmuff” (1988) e o primeiro full-length intitulado, simplesmente, “Mudhoney” (1989).

Produzidos por Jack Endino, os trabalhos anteriores ajudaram a construir a lenda em torno do quarteto de Seattle, uma das primeiras bandas da região a conseguir algum reconhecimento internacional, ao lado do Soundgarden. Mas Mark Arm (vocal e guitarra), Steve Turner (guitarra), Matt Lukin (baixo) e Dan Peters (bateria), antes mesmo de verem o grunge se tornar um fenômeno cultural de massa (e uma máquina de ganhar dinheiro), já desejavam se afastar do rótulo.

“Every Good Boy Deserves Fudge” foi o disco que os ajudou a chegar lá. Lançado em 23 de julho de 1991, o álbum volta ao mercado exatamente 30 anos depois em uma versão remasterizada e repleta de extras — são sete lados B inéditos, versões alternativas e demos para fazer a alegria dos fãs. “Estou muito feliz com o resultado. Acho que, sem a pandemia, não teríamos feito um trabalho tão bom, pois acabamos tendo mais tempo de esmiuçar o material”, diz o guitarrista Steve Turner, sentado confortavelmente em uma cadeira em sua casa na cidade de Portland, com um pôster de Bob Dylan e uma estante cheia de vinis ao fundo.

No papo via chamada de vídeo com o Scream & Yell, Steve relembra detalhes a respeito da produção do disco, fala do rumo menos polido e mais garageiro que a banda decidiu seguir na época, revela influências do álbum, traz novidades sobre o sucessor de “Digital Garbage” (2018) e, é claro, recorda suas passagens pelo Brasil ao longo dos anos. “Esperamos poder voltar um dia. Quando vocês conseguirem um presidente novo”, brinca — falando sério — o guitarrista.

Então, 30 anos… Você sente que passou tanto tempo desde o lançamento de “Every Good Boy Deserves Fudge”?
Não! [risos] Mas estamos sempre nos lembrando da passagem do tempo, porque celebramos o aniversário da banda todos os anos, no dia 1º de janeiro. Por um lado, estamos acostumados a sentir que não passou tanto tempo assim, mas ao mesmo tempo é impossível não perceber. Já faz bastante tempo e simplesmente seguimos em frente.

Você poderia compartilhar algumas memórias da época em que compuseram as músicas para o álbum e também das gravações? Acredito que tenha sido a primeira vez que não trabalharam com o Jack Endino como produtor, certo?
Certo. O que mais me chamou a atenção quando estávamos organizando o material para o relançamento e pesquisando aquele período da banda, foi o quão ocupados estávamos, mas não sentíamos isso. Acho que era coisa de gente jovem. Fizemos muitos shows e gravamos muito entre 90 e 92, e é meio doido pensar nisso agora. Não apenas fizemos tudo isso, como também estávamos envolvidos em outras bandas. Mark e eu tocamos no Monkeywrench, eu estava tocando baixo nos Fall-Outs, participei de outro projeto paralelo chamado Sad and Lonely(s), o Dan tocou um tempinho no Screaming Trees… E no Nirvana! É incrível a quantidade de coisas que fizemos em tão pouco tempo, mas não nos sentíamos tão ocupados. Então foi isso que me chamou a atenção. Não trabalhamos com o Jack nessas canções, meio que quisemos ir em outra direção. Quando começamos a ir para o Reino Unido, em 89… Sabe, eu coleciono discos punks, e era tipo uma mina de ouro lá. Eu comprava centenas de discos de sete polegadas de algumas das bandas grandes, como Devo, 999, The Clash e tal. Mas consegui muitas coisas mais obscuras também. Eu morava com o Dan na época, e eu estava apresentando pra ele algumas coisas do punk 77 e muitas coisas de garage rock dos anos 60.

Suponho que ele era um cara mais estilo Motörhead, considerando o figurino dele no clipe de “Good Enough”…
Sim, tinha o lance do Motörhead também. Mas demos uns passos para trás e o disco era meio que um disco de garage rock, mais do que um disco grunge. Gravamos algumas coisas com o Jack em 1990 que entraram como extras no relançamento, mas não curtimos muito a sonoridade. Não teve nada a ver com o Jack, era mais uma questão de estarmos em um estúdio muito polido e tal [o Reciprocal Recording]. E na mesma época eu estava ouvindo algumas coisas produzidas pelo Conrad Uno no estúdio Egg, em Seattle. Me lembro especificamente de um disco do Girl Trouble, que eu achei que tinha um som ótimo — era como eu imaginava que o Mudhoney poderia soar. O mais engraçado é que eu liguei para o Conrad e falei, “ei, aqui é o Steve, do Mudhoney, e queremos ir até o Egg pra gravar com você”. Ele só riu e disse, “por quê??”. Então eu achei que era um bom presságio. Acabamos indo lá e gravamos vários covers punks, canções desses discos comprados durante as turnês. Tínhamos pensado em fazer um disco de covers de canções punk antigas. Mas aí o Guns N’ Roses teve a mesma ideia e abortamos nosso plano. De qualquer forma, nos divertimos muito nas gravações, o Conrad é um cara muito legal e nos demos muito bem com ele. Também inserimos um Farfisa, que o Mark adicionou em algumas faixas. Isso mudou bastante as coisas também. Acho que foi meio que uma reação ao “som de Seattle”, mesmo antes do Nirvana e do Pearl Jam estourarem. Pra mim, as gravações ficaram mais divertidas e menos taciturnas.

E o que aconteceu com esses covers de bandas punk? Planejam lançá-los integralmente algum dia?
Lançamos alguns deles como lados B de singles ou em coletâneas. Nossa ideia era incluí-los neste relançamento, mas aí teríamos que fazer um álbum triplo. Então decidimos deixá-los de fora e incluir só as canções originais e extras no formato de álbum duplo, um pouco mais conciso e por um preço acessível. Queremos fazer outra coletânea com todos os covers que já gravamos, incluindo alguns mais recentes, e fazer um disco duplo. É meio que o nosso próximo projetinho de relançamento. Nosso “Spaghetti Incident”. [risos]

Legal. E vocês conseguiram chegar na sonoridade que queriam com o Conrad?
Bem, não sabíamos exatamente o que queríamos. Ele é um cara bem tranquilo e acho que isso ajudou bastante. Ele tem um ouvido ótimo, claro, e eu acho que ele é um ótimo engenheiro de som e tal. Mas ele simplesmente era mais tranquilo e um pouco mais velho que nós. Se você o visse, pensaria que ele é um velho hippie — barba e cabelo branco, adora baseball. Era um cara bem informal com quem a gente se deu muito bem. Havia restrições bem significativas no estúdio, porque tínhamos uma mesa de oito canais e foi necessário gravar praticamente ao vivo. Precisávamos garantir que tínhamos um bom take. E ele é muito bom nisso, em nos dizer se o take era bom ou não, porque às vezes você perde a noção das coisas no estúdio. Não chegamos a discutir, mas às vezes o pessoal fica meio tenso e ansioso. Essa foi a principal contribuição dele, ser um cara tranquilo e nos lembrar que gravar um disco não é nada demais. Simplesmente grave de novo se não ficou bom…

E vocês gravaram tudo no estúdio Egg, certo? Era o estúdio próprio do Conrad.
Sim, era no porão da casa dele. Os Young Fresh Fellows gravaram várias coisas lá ao longo dos anos. O Scott McCaughey (vocalista e guitarrista dos Fellows, do Minus 5 e membro honorário do R.E.M., tendo gravado e saído em turnê com a banda do álbum “New Adventures in Hi-Fi” em diante) trabalhou lá também, assim como o Kurt Bloch (dos Fastbacks), que era um dos engenheiros no Egg. Era meio que uma parte diferente da cena de Seattle, gente muito importante também.

Você lembra quanto tempo levou para vocês gravarem o disco?
Já não lembro mais. Acho que, pelo menos, uma semana. Não gastávamos muito tempo fazendo as coisas nessa época. Foi bem rápido, um pé lá, outro cá. Então, vou “chutar” uma semana. Sei que nosso disco seguinte, “Piece of Cake” (1992), que gravamos lá também, foi feito em duas semanas.

Vocês têm bastante material novo nesse relançamento. Lá em 91, como decidiram quais faixas incluir e quais excluir da lista final?
Não tenho certeza… Logo percebemos que cometemos alguns erros nas canções que colocamos no disco [risos]. Não erros, mas costumávamos pensar que se uma música era feita muito rapidamente, meio que a descartávamos. Como a faixa “Ounce of Deception”, que eu não sei por que não entrou no disco.

É uma ótima música.
Pois é, eu sei! A gente se deu conta disso uns anos depois. Ficamos, tipo, “pô, essa é uma das melhores músicas que fizemos” e “por que não a incluímos no disco?”. Mas eu acho que descartamos algumas que foram fáceis demais de compor. “Ah, essa levou só cinco minutos”, entende?

Vocês usaram todo o material gravado agora ou ainda ficou alguma coisa no fundo do baú?
Bem, tirando as covers que sairão nesse disco que comentei, acho que é só. Colocamos até uma jam barulhenta no disco, nem me recordo do nome agora… Então, é isso aí. Nós cavamos fundo e encontramos muita coisa. A maior parte não havia sido lançada antes, mas tem algumas coisas que saíram em singles. A versão de “Overblown” é a mesma da trilha sonora de “Vida de Solteiro” [filme de Cameron Crowe que tinha diversas bandas de Seattle na trilha], que foi gravada no Egg também… Lembro que custou só uns US$ 150 pra gravar.

No documentário “I’m Now — The Story of Mudhoney”, vocês falam mal do disco homônimo (“Mudhoney”, de 1989)… Eu amo esse álbum e queria te perguntar por que vocês desgostam tanto dele? E é por isso que não lançaram uma versão deluxe?
Não há muito o que acrescentar a ele. Foi nossa primeira fornada de canções, junto às músicas do “Superfuzz Bigmuff”. E o que tínhamos de extras acabou entrando no relançamento do “Superfuzz Bigmuff” mesmo. Não é que a gente não goste do disco, mas não demos um passo adiante com ele. O que faz sentido, porque são músicas da fase inicial da banda, nos primeiros seis meses em que estávamos juntos. Mas, pra mim, elas não são tão dinâmicas quanto as músicas do “Superfuzz Bigmuff”. Adoramos várias músicas ali e ainda as tocamos em shows, mas as gravações ficaram meio sem graça. E acho que a reação a isso nos levou ao “Every Good Boy Deserves Fudge”, que foi um disco bem diferente comparado ao álbum homônimo. Só queríamos seguir em frente.

Outra coisa que é dita no documentário é que o “Every Good Boy Deserves Fudge” também era considerado uma esperança de salvação para a Sub Pop, que não andava bem das pernas na época. Vocês sentiram alguma pressão em função disso?
Não, mas ficamos felizes de o disco sair nessa época, e de ajudar a manter a Sub Pop no mercado por mais algum tempo, pois eles estavam com problemas. E aí, mais adiante naquele mesmo ano, o “Nevermind” saiu e aquilo realmente salvou a Sub Pop. Temíamos que eles fossem à falência de fato.

E isso os levou a, em seguida, deixar a gravadora.
Sim, nosso relacionamento ficou um pouco estremecido, porque eles nos deviam uma grana. Éramos amigos, mas eles estavam com problemas… Eles meio que estavam passando dos limites. Foi uma época estressante entre nós, Jonathan [Poneman] e Bruce [Pavitt, cofundadores da Sup Pop]. Tivemos que seguir em frente. Para mantermos a amizade, abrimos mão da relação comercial. Não esperávamos ir para uma grande gravadora, mas fez sentido na época [após sair da Sub Pop, o Mudhoney assinou com a Reprise Records, uma subsidiária da Warner, e (quase) eterna casa de Neil Young]. Não foi uma má decisão. Obviamente, isso tudo são águas passadas, estamos de volta à Sub Pop há 20 anos, muito felizes com eles. O Mark trabalha lá, é uma relação ótima.

Há alguns anos, você ranqueou o “Every Good Boy Deserves Fudge” como seu disco favorito do Mudhoney. Ainda mantém a escolha?
É definitivamente um dos meus favoritos. Foi uma época muito divertida e criativa. Mas gosto de todos os nossos álbuns. Sempre falamos que “Piece of Cake” é um dos que menos gostamos, porque acho que ficamos meio arrogantes e não trabalhamos o suficiente nele. Apesar de que esse disco tem uma das minhas faixas favoritas, “Suck You Dry”, que eu acho que é a música que define o que é o Mudhoney. Então, sim, gosto muito do disco e estou muito feliz com a forma como elaboramos esse relançamento. Acho que, por causa da pandemia, estávamos todos em lockdown e tivemos bastante tempo para fazer o melhor, pesquisar bem… Encontramos velhas fitas DAT no fundo do baú, coisas que nem lembrávamos mais. Toda aquela sessão anterior com o Jack, por exemplo. Foi incrível perceber o quão pronto aquele material estava. Pensei que tínhamos gravado uma ou duas faixas, mas acabou que tínhamos várias outras. Acho que fizemos um bom trabalho. Sou fã de relançamentos com muitos extras.

Mudhoney em 1991

O ano de 1991 é considerado por muitos críticos e fãs como um dos melhores da história do rock. Você concorda?
Bem, acho que essa história começou na metade dos anos 80, e aqui me refiro às bandas americanas. O hardcore foi o que começou isso tudo, porque a maior parte das bandas icônicas dos anos 90 vieram dessa cena, que começou lá em 83, 84. Você pode apontar a origem disso em selos como Touch and Go, Homestead e SST, que tinham bandas incríveis como Big Black e Sonic Youth. Isso tudo veio do hardcore. O Dinosaur Jr. também. São pessoas vindo da mesma cena e pensando sobre o que fazer na sequência, porque o hardcore era meio que um beco sem saída, artisticamente falando. Quer dizer, o quão rápido dá pra tocar? Então, isso fez com que toda essa rapaziada punk aumentasse seu leque de influências e descobrisse outros tipos de música, como rock dos anos 70, música psicodélica dos anos 60, noise… Aí, em 91, já tinha uma pá de bandas com alguns anos de estrada. Eu apontaria para 88 como um grande ano. Foi quando saiu o “Daydream Nation”, do Sonic Youth, o Dinosaur Jr. lançou disco… Tudo isso estava rolando. Em 91 foi mais, tipo, “o Nirvana estourou”. Isso abriu os olhos de muita gente. Mas creio que essa cena já estava em ebulição há vários anos nos Estados Unidos.

Agora eu gostaria de falar sobre alguns detalhes de faixas do “Every Good Boy Deserves Fudge”. Por exemplo, “Broken Hands”. Essa música começa com um riff que já havíamos escutado antes, mais especificamente em “Cinnamon Girl”, do Neil Young. De quem foi a ideia de incluir essa referência?
Ah, isso foi só um acidente. Estava tocando e fiquei, tipo, “meu deus”, é o riff de abertura! [Na verdade, o riff se encontra nos 20 segundos finais da faixa de Young] Então só meio que enfiamos ali, porque essa música tem uma vibe meio Neil Young, com um pouco de Roxy Music no solo e tal. Foi só algo que achamos engraçado, não pensamos muito a respeito.

Você sabe se o Neil já ouviu?
Tivemos sorte de conhecê-lo porque o Sonic Youth abriu alguns shows dele. Mas não sei se ele já ouviu. O que sei é que, certa vez, estávamos no Havaí, abrindo para o Pearl Jam, e o Neil estava lá. Era aniversário do Mark e todos estavam cantando “parabéns pra você” para ele, e o Neil estava cantando junto, sem fazer muita ideia do que estava rolando… Então é isso, Neil Young fez uma serenata pro Mark no aniversário dele. [risos]

Sobre a faixa “Pokin’ Around”… Essa música lembra bastante Dinosaur Jr. Foi de propósito?
Não, mas concordo totalmente que o Dinosaur Jr. foi uma influência. Gostei muito do primeiro disco deles. Eu tinha acabado de começar a ouvir Neil Young na época. Por influência dos Meat Puppets, acabei comprando o “Zuma”… Enfim, dava pra ver que o Dinosaur Jr. era igual a mim: caras nerds que curtiam hardcore e ouviam Neil Young, saca? Nessa época, também estava começando a curtir música folk, aprendi um pouco de harmônica. Mas sim, tem muito do Dinosaur nessa música, sem dúvida. Sou um grande fã. Adoro o Sebadoh [banda do baixista do Dinosaur Jr., Lou Barlow] também.

Falando na harmônica, acho que foi a primeira vez que ouvimos instrumentos diferentes de baixo, guitarra e bateria num disco do Mudhoney, como o órgão Farfisa também. Como vocês os incorporaram ao som da banda? Foi algo natural ou teve influência do produtor?
Bem, o Farfisa foi porque compramos um bem baratinho. Adoro o som garage dos anos 60, que tem muito Farfisa. Bandas tipo Question Mark and the Mysterians, The Animals e coisas assim. Era algo óbvio de incorporar em algumas canções, porque elas têm muita influência desses sons. O Mark sabe tocar um pouco de piano, então deu para dominar o instrumento rapidamente. Foi nessa época que começamos a usar a afinação tradicional, porque precisávamos incluir o Farfisa. Antes, a gente afinava tudo meio tom abaixo.

Fale um pouco sobre isso. Muitas bandas usam essa afinação e deixam guitarristas iniciantes quebrando a cabeça até entenderem como funciona.
Foi algo natural para nós. No primeiro ano e meio do Mudhoney, não tínhamos afinador. Apenas afinávamos os instrumentos entre nós. Mas era um saco, a gente no palco tendo que afinar com base no instrumento do outro. Finalmente decidimos comprar um afinador e dissemos: “seja lá qual for o tom que estamos agora, vai ser assim que vamos afinar”, e estávamos meio tom abaixo. Daí foi essa a afinação que usamos… Até comprarmos o Farfisa.

Quais suas lembranças dos shows dessa época? Não sei se saíram em turnê imediatamente após o lançamento do disco, mas você tem alguma memória das apresentações dessa era?
Pra mim sempre foi algo contínuo. Fazíamos muitas turnês na época. Já havíamos estado na Europa algumas vezes… Lembro que cortamos o cabelo e isso foi muito marcante, especialmente na Inglaterra. Sempre nos divertimos muito tocando. Isso foi antes de ter internet, eu ia numa cabine telefônica e arrancava as páginas da lista que tinha os endereços das lojas de discos locais, em cada cidade por onde passávamos. Aí dava um jeito de descobrir como chegar lá e saía pra comprar discos. E depois disso, ficava tomando cerveja.

Na capa original do disco, todos os personagens estão caindo de um barco, e no relançamento vocês mudaram para um avião — essa ilustração também aparece no encarte do CD original. Por que a colocaram como capa principal agora?
Eu adorava as pinturas do Ed Fotheringham, que fez a arte do disco — ele morava comigo e o Dan na época. Decidimos trocar porque não sabíamos qual usar… Gostamos de todas, e por isso todas elas foram incluídas no encarte do CD. Lembro de estar em casa, sentado à mesa de jantar, e o Ed ali, desenhando coisas engraçadas.

Vi uma foto de vocês nas redes sociais, com o primeiro ensaio da banda desde o início da pandemia. Vocês têm planos para esse ano? Vão fazer uma turnê para celebrar os 30 anos de “Every Good Boy Deserves Fudge”?
Não, não vamos sair em turnê esse ano. Vamos esperar até 2022 e ver como a situação [da pandemia] vai ficar. Temos planos de gravar em setembro. Esperamos ter o suficiente para um álbum completo. Se não conseguirmos, vamos pensar no que fazer depois. Estamos há um tempão sem fazer nada, então acho que todos nós temos ideias para músicas. Acho que vamos conseguir concluir tudo bem rápido.

Em relação à sua carreira solo, tem planos de compor e gravar algo novo? Conseguiu compor durante a pandemia?
Cara… Não! Estou meio desapontado comigo mesmo, por não ter composto mais. A musa meio que vai e volta. Quando penso em compor músicas para eu mesmo cantar… Os discos que lancei foram antes de meus filhos nascerem, e acho que há um link direto entre as duas coisas. Sou pai solteiro, tenho dois filhos que moram comigo. E compor é algo que eu descrevo como “humilhante”. Não sou um cantor natural e não é um papel no qual me sinto confortável. Basicamente, preciso estar sozinho em casa para acontecer. Posso compor riffs o dia todo, mas cantar uma música e escrever letras que não me deixem envergonhado é mais difícil. Não fico sozinho em casa com muita frequência e meio que perdi o costume. Mas faço parte de outra banda aqui na cidade, com uma porção de outros pais velhos, basicamente, chamada Sunday State. Nosso segundo disco vai sair em breve. Então, isso me ajuda a manter a criatividade fluindo. Estou tentando compor algumas músicas agora, na verdade. Vamos ver o que acontece. Pode ser que elas acabem como riffs do Mudhoney, em vez de canções solo.

O Mudhoney veio ao Brasil diversas vezes, a última em 2014. O que mais te marcou nessas passagens?
Na primeira vez que fomos aí, fiquei encantado, por várias razões diferentes. Não aprendemos muito sobre o Brasil ou sobre a América do Sul nas escolas aqui nos Estados Unidos. O país é simplesmente descartado como uma nação de terceiro mundo, o que é tão errado. E foi muito diferente do que eu esperava. Fomos a algumas cidades, como Recife e outros lugares dos quais nunca tínhamos ouvido falar, onde vivem milhões de pessoas. E eu ficava, tipo, “por que nunca ouvimos falar de uma cidade onde vivem milhões de pessoas?”. Estávamos às cegas. E isso me fez querer aprender mais sobre o Brasil. Na verdade, cheguei a me matricular em uma aula de português brasileiro.

Peraí, então poderíamos estar fazendo essa entrevista em português o tempo todo?
[Risos] Bom, o que aconteceu foi o seguinte: eu me matriculei, fui nas primeiras semanas de aula — e é uma língua difícil para falantes nativos de inglês aprenderem. Mas então quebrei as costelas andando de skate, tive que ficar em repouso e perdi algumas aulas. Aí fiquei para trás na turma e tive que desistir. É um dos meus arrependimentos na vida, mas amei o país. É um lugar multicultural e fascinante pra mim. Adoro ir aí. E amamos muita música brasileira. As coisas dos anos 60 e 70, sabe? Quando fomos aí da primeira vez, um dos promotores dos shows nos deu uma porção de CD-Rs com músicas obscuras dos anos 60 e 70 — não apenas as coisas mais óbvias — que achamos incríveis. Até roqueiros grunge adoram a música brasileira.

Agradecimentos ao colega Alexandre Lopes pelo apoio na elaboração da pauta

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo

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