Entrevista: Gary Lee Conner

por Leonardo Tissot

Depois do fim dos Screaming Trees, em 2000, o guitarrista Gary Lee Conner ficou 10 anos sem lançar material inédito. Em 2019, quase duas décadas após o encerramento das atividades de uma das lendárias bandas de geração de Seattle nos anos 90, o músico já tem três álbuns completos, um par de singles e ainda coletâneas de gravações demo em seu catálogo.

O primeiro disco solo, “The Microdot Gnome”, saiu em 2014. Depois vieram “Ether Trippers” (2016), que foi mixado por Jack Endino e ganhou edição em vinil, e “Unicorn Curry” (2018), isso sem contar a limpeza no baú que Gary fez e disponibilizou em duas coletâneas, “Under The Weeping Willow Tree One” e “Under The Weeping Willow Tree Two”: “São demos antigas, com material que vai desde os anos 80 até coisas de 10, 15 anos atrás. Tem um total de aproximadamente 100 músicas nesses álbuns”, ele conta.

Vivendo desde 2001 na pequena San Angelo — cidade de pouco mais de 100 mil habitantes no Texas — o compositor de clássicos como “Nearly Lost You” e “Shadow of the Season” revela, em entrevista para o Scream & Yell, histórias dos tempos áureos do grunge (“No começo, éramos metade punk, metade psicodélicos, nunca fomos grunge”), como tem usado as redes sociais para divulgar seus novos trabalhos, o baú da ex-banda (“Tem dois álbuns ‘abortados’”) e quais as chances de uma futura reunião dos Trees.

Conte para a gente um pouco a respeito de seu álbum mais recente, “Unicorn Curry” (2018), lançado em outubro passado. Você concorda que a influência das bandas psicodélicas dos anos 60, que sempre foi uma marca do seu trabalho, aparece de forma ainda mais forte nas novas músicas? Como foram os processos de composição e gravação?
Bem, sempre fui muito influenciado pela psicodelia dos anos 60, especialmente no começo da carreira. O último disco que fiz era mais voltado ao rock progressivo, mas sempre ouço muita música psicodélica. Desta vez, estava ouvindo muito Donovan e a coleção English Freakbeat, que na verdade são coisas que escuto desde sempre. Isso influenciou muito meu estilo de composição. Eu não queria que o álbum soasse como se tivesse sido feito nos anos 60, pois não queria uma sonoridade “retrô”, e sim que ele soasse como algo novo. Por outro lado, definitivamente tem aquele espírito, embora tenha sido feito de forma totalmente digital. Com exceção da guitarra e da voz, tudo o mais que se ouve no disco foi gravado digitalmente. É estranho ver as pessoas comentando que o disco soa como se tivesse sido gravado nos anos 60, mas é legal porque, hoje em dia, você pode fazer as coisas soarem como quiser digitalmente, porque a resolução é tão alta. O som não precisa soar digital apenas por ser digital. Sei que muita gente curte o som analógico e ainda usa equipamento daquela época. E é meio irônico, também, que as coisas estejam voltando a sair em vinil.

Você gravou o disco em casa?
Sim, faço tudo no meu computador, em casa. Chamo de estúdio, mas é só meu computador, minhas guitarras e tal. Esse é o terceiro álbum que faço desde 2010. Depois que os Screaming Trees se separaram, não fiz muita coisa. Gravei alguns sons, mas não lancei nada. A razão disso é que não existia nada como o Bandcamp. Tinha o MySpace, é claro, mas para fazer seu som online, não tinha um lugar disponível para lançar os seus discos até uns 10 anos atrás. Foi aí que comecei a gravar muito mais. A primeira coisa que lancei foi sob o nome The Microdot Gnome, como uma banda mesmo, mas na verdade era apenas eu. Depois mudei, coloquei meu próprio nome e batizei o disco como “The Microdot Gnome” (2014). Esse foi meu primeiro disco solo após a banda, em 2010. Depois, lancei uns dois álbuns, que também estão no Bandcamp, de demos antigas, com material que vai desde os anos 80 até coisas de 10, 15 anos atrás. Tem um total de aproximadamente 100 músicas nesses álbuns (lançados em dois volumes: “Under The Weeping Willow Tree One” e “Under The Weeping Willow Tree Two”). Depois disso, o último disco que gravei que de fato saiu em CD e vinil foi “Ether Trippers” (2016), que foi lançado pelo selo do meu irmão Van [Van Conner, ex-baixista do Screaming Trees], Strange Earth Records. Isso foi há uns três anos. Parece que levo mais ou menos esse tempo para lançar um novo disco. Apesar de eu ter uma meta de lançar mais um ainda esse ano, porque tenho muitas músicas, mas ainda não comecei a gravar.

Você grava e produz tudo sozinho, certo? Ninguém mais tocou com você nesses discos?
Sim, fiz tudo completamente sozinho. Odeio mixar, porque nunca tenho a menor ideia se o som está legal. Na verdade, pedi pro Jack Endino mixar o “Ether Trippers” pra mim, então o som dele é um pouco diferente dos outros. Gosto de uma produção seca, sem muitos efeitos, especialmente na bateria. É que parece que isso casa melhor com o som digital — fica parecendo que soa menos digital desse jeito. Muitos instrumentos que eu uso, como os teclados mellotron e a bateria, têm um determinado som porque são sampleados. O problema é quando você coloca muitos efeitos, aí o som não fica bom. O som da bateria vem de um programa de sampler. Eles gravam todos esses sons de bateria e aí uso um tipo de sequenciador primitivo. É um saco, porque o fabricante faliu, então eles não estão lançando mais atualizações. Mas é basicamente um ProTools, que é usado na maioria dos estúdios, apenas feito por outra companhia.

Você diria que há um conceito ou tema por trás das músicas? O que quer dizer “Unicorn Curry”?
Não sei, apenas pensei nisso… Escuto muitas bandas psicodélicas antigas, as letras entram no meu cérebro e se misturam todas, e aí o que sai disso é uma síntese de tudo que ouvi ao longo dos anos.

Desde quando você vive em San Angelo, no Texas?
É, vivo no meio do nada, no Texas. Minha esposa e eu, na época da banda, vivíamos em Nova Iorque — foi lá que eu a conheci. Então, eu vivia indo e voltando de Seattle. Quando a banda acabou, decidimos nos mudar, ela queria ficar mais próxima de onde os pais viviam, em Oklahoma. Então, ela conseguiu um emprego no Texas — ela é professora universitária, dá aula de química. Essa é a principal razão para a gente viver aqui. Estamos na cidade desde 2001. Sabe como é, as pessoas perguntam, “o que você está fazendo aí?”, mas é tipo: eu nasci na Califórnia, depois vivi boa parte da minha vida entre Ellensburg e Seattle, depois Nova Iorque e agora aqui.

Você visita Ellensburg (cidade natal dos Screaming Trees) ou Seattle com frequência?
Não, não vou pra lá desde 2000. Quase 20 anos já. Eu me mantenho informado a respeito pela internet, mas não tenho visitado. Praticamente não tenho mais família lá, apenas alguns amigos.

Sei que os Trees nunca tocaram no Brasil, mas você já veio ao país alguma vez? De férias, de repente?
Nunca fomos aí. Talvez algum dia, quem sabe.

Você tem tocado ao vivo nos últimos anos?
Ainda não, mas tenho pensado a respeito. Não tenho banda. Fiz alguns shows acústicos solo, mas nada demais. Como tenho promovido um pouco mais esse disco novo, inclusive consegui apoio de alguns selos pequenos para lançá-lo em CD e vinil, estou recebendo mais atenção em comparação com os discos anteriores. Não sei se estou vendendo mais, mas pelo menos estou recebendo mais atenção. Se você for à minha página no Bandcamp, pode ouvir toda minha discografia gratuitamente por streaming, só precisa pagar se quiser baixar as músicas. Muita gente ainda quer os formatos físicos hoje em dia, como vinil e CD.

Quais as chances de vermos você tocando no Brasil em breve?
Ah, não sei. Se eu fosse fazer algo do tipo, precisaria de ensaios intensos por pelo menos um mês!

Você parece gostar de interagir com os fãs nas mídias sociais, especialmente no Facebook, relembrando histórias antigas dos dias de Screaming Trees e também tocando músicas novas. O quão importante é esse veículo para um artista independente como você?
O Facebook é tudo que tenho, na verdade. Porque não faço muitos shows nem nada do tipo. Então, para mim é bem importante. Sempre fui meio ermitão, muito introvertido e tímido. Até lançar esse disco, nunca fui muito de conversar com as pessoas na internet por muito tempo. Mas descobri que, fazendo isso, muitas pessoas se interessaram pelos novos discos e, na verdade, estou curtindo fazer isso. Então, meio que estou me forçando a sair da minha concha um pouco e contar histórias dos tempos da banda e tal. Também compartilho músicas das minhas demos e outras coisas. Então, é, vou continuar fazendo isso.

Os serviços de streaming são a mais recente onda no consumo de música, mas os artistas frequentemente reclamam de serem mal pagos por essas empresas. Qual é a melhor maneira de os fãs consumirem sua música sem trazer prejuízos ao artista?
É uma grande mudança, e realmente vejo a diferença entre as vendas digitais desde que esse álbum saiu no outono passado [nota do editor: primavera, no Brasil] e meus discos de três anos atrás. O disco novo está sendo bastante ouvido, mas não está vendendo tanto quanto o anterior. Há tantos lugares para se ouvir música de graça hoje em dia, que fazem com que menos pessoas acabem comprando. Isso é bom e ruim. Quer dizer, tem mais gente ouvindo o seu som, mas, por outro lado, você está ganhando menos dinheiro. Mas não é por isso que estou fazendo música hoje em dia. De jeito nenhum eu poderia viver das músicas que eu faço, a não ser que passe uns seis meses por ano na estrada, fazendo shows. Hoje, duvido até mesmo que grandes artistas estejam ganhando dinheiro com discos. Tem esse lance do vinil, claro, mas é tão absurdamente caro produzir um disco de vinil, que eu não tenho condições de financiar uma tiragem do meu álbum nesse formato. Consegui alguém de uma gravadora que se interessou em fazer uma tiragem pra mim. Então, em termos de receita… Os Screaming Trees nunca ganharam tanto dinheiro assim, de qualquer forma. Se tivéssemos ido um pouquinho melhor, provavelmente teríamos ganho uma soma decente. Quer dizer, a gente ainda ganha alguns milhares de dólares todo ano de direitos autorais. Ainda estamos vendendo nossos discos e tal, então… O suficiente para pelo menos dizer, “puxa, estamos ganhando algo com o que fizemos”. Mas não chega perto de ser uma quantia suficiente para se aposentar e viver disso. Nunca vendemos tantos discos quanto outras bandas de Seattle. Não sei os números exatos, mas, nosso disco mais vendido foi “Sweet Oblivion”, que vendeu umas 350 mil cópias nos Estados Unidos — não faço ideia de quanto vendeu no resto do mundo. Talvez algumas das bandas que venderam 1 ou 2 milhões de discos talvez ainda ganhem uma boa grana, mas é difícil dizer. Alguns acordos com gravadoras foram prejudiciais para os artistas. Nós demos metade dos nossos direitos sobre as músicas no começo da nossa carreira, porque não entendíamos o que estávamos fazendo. A Sony nos deu, tipo, 10 mil dólares de adiantamento para a gente dar metade dos direitos sobre as músicas para eles — para sempre, eu acho… Eu poderia estar ganhando o dobro do que ganho hoje. Então, sei lá. O problema com esse lance da grana é, sabe, começamos em um selo pequeno, a SST, e fizemos turnês e trabalhamos como uma banda de verdade. Mas aí, chegamos a um ponto em que decidimos assinar com uma grande gravadora porque, bem, o que mais poderíamos fazer? Já havíamos feito todo o resto. E algumas das outras bandas também estavam fazendo isso, lá por 1989, mais ou menos. Só que aí as coisas mudaram, especialmente quando o Nirvana se tornou grande, e o Pearl Jam logo em seguida, sabe? As coisas não mudaram apenas para nós, e sim para a indústria como um todo. Muitas bandas, como a nossa, passaram a ter gente oferecendo dinheiro. Aí tudo mudou de algo que era artístico para se tornar um emprego. Não completamente, mas uma grande parte daquilo se tornou um emprego. Agora, não tem nada disso. A única razão para fazer o que eu faço é artística, é porque eu amo escrever música. Não tem muito a ver com ganhar dinheiro, a não ser um pouquinho aqui e ali. É bacana vender suas músicas e se dar conta que, “pô, ganhei 20 pratas, legal!”

O que você pensa do rock atual? Acha que a música ainda é importante para os jovens de hoje como era para os de antigamente?
Não sei. Minha filha escuta coisas no YouTube. Ela tem acesso a um monte de música legal, comigo e a mãe dela. Minha esposa tem uma coleção gigante de discos. Mas ela não aproveita nada. Tudo que ela escuta é online. Mas estou me tornando uma dessas pessoas também! Tenho muitos discos e CDs, mas escuto música no YouTube quase que exclusivamente. O YouTube, para quem curte rock de garagem antigo e bandas psicodélicas, é tipo uma mina de ouro! Tem tanta coisa antiga. Quase todos os dias, descubro uma música que não conhecia antes, o que, para mim, é incrível. Tipo, músicas psicodélicas antigas dos anos 60. Achei que já tinha escutado tudo, mas nos últimos anos, tenho encontrado muita coisa no YouTube. Sei que é difícil de acreditar, mas tem muita coisa lá.

E sons mais novos? Há alguma banda atual que você recomende?
Não muitas. Continuo tentando encontrar coisas que eu goste e que sejam novas, mas o mais perto que eu consigo chegar disso é os Black Angels, uma banda de Austin (Texas), que nem é tão nova. Acho que eles começaram em 2005, por aí. É provavelmente a banda mais nova que eu curto. Eu realmente queria encontrar coisas novas, mas não tem muitas bandas fazendo o tipo de música que eu gosto.

Você vai a shows com frequência?
Não, não tem nada aqui na minha cidade, na verdade, só algumas bandas country. San Angelo fica a 320 km de tudo — tanto de Dallas, quanto de Austin e San Antonio. De vez em quando vou lá, mas acho que o último show em que eu estive foi na última vez em que tocamos com os Trees.

As pessoas estão sempre perguntando sobre uma reunião dos Screaming Trees. Eu prometo que não vou perguntar sobre isso, mas alguma vez houve alguma oferta para uma turnê ou disco novo da banda?
As pessoas continuam dizendo que a gente deveria voltar. Acho que uns cinco ou seis anos atrás, nós pensamos a respeito. Mas acabou que não queríamos fazer isso. Talvez algum dia desses a gente decida fazer, mas sei lá. Muita gente quer ver a banda reunida, mas, por outro lado, o Mark Lanegan [ex-vocalista dos Screaming Trees] está sempre ocupado com seus discos solo e ele faz umas duas ou três turnês por ano.

É, ele vem ao Brasil com frequência.
Se ele decidir fazer a reunião, pode acontecer. De outra forma, simplesmente não vai rolar.

Sem querer entrar muito no assunto, mas você ainda se dá bem com os ex-companheiros de banda?
Converso bastante com meu irmão. Com o Barrett [Martin, ex-baterista e colaborador de longa data de Nando Reis], converso um pouco, principalmente por e-mail. Não tenho falado com o Mark. Ele me ligou há alguns anos, provavelmente na época em que estávamos falando sobre voltar com a banda. Tivemos uma boa conversa, mas não falei mais com ele desde então. É estranho, quando você está numa banda, especialmente em uma banda como a nossa — e digo isso especialmente entre mim e Mark —, era tipo: teve uma época em que escrevíamos canções juntos, e aí virou uma coisa em que eu escrevia as músicas, dava-as para ele fazer o que quisesse com elas —e daí ele mudava todas as letras ou não mudava nada… Então, especialmente no período final da banda, quando rolaram os problemas com drogas, a gente chegou a um ponto em que o Mark era a coisa principal da minha vida. Ele era o cara que estava do meu lado em tudo o que eu fazia e, agora, é completamente… nada! Eu não tenho mais nada a ver com ele, a não ser pelo fato de escutar os discos dele de vez em quando — eu curto o trabalho solo dele. E ainda ouço Screaming Trees de vez em quando. É tipo uma família, é isso que a nossa banda é. É mais como uma família disfuncional, especialmente tendo dois irmãos na formação, e todos tendo seus problemas pessoais e tal. E agora, todo mundo está mais velho e deveria ser capaz de se dar bem, mas…

O que o seu irmão Van anda fazendo?
Ele teve o selo Strange Earth por um tempo, acho que ele está tentando colocá-lo nos trilhos novamente. Eu sei que ele tinha um disco um tempo atrás, também disponível no Bandcamp. Ele ainda vive em Seattle e de vez em quando toca por aí.

Você acha que os Screaming Trees foram uma banda subestimada?
Bem, eu acho que… tivemos uma bela carreira na SST, levando em conta que fizemos os discos que queríamos fazer e trabalhamos como uma banda de verdade. Fomos aprendendo ao longo do caminho, naqueles três, quatro anos em que fizemos discos, shows e pensamos que era só aquilo ali mesmo. E aí, de repente, foi tipo: peraí. A gente pode ir mais longe. Quem sabe estar em uma grande gravadora, vender muitos discos e tal. Vendemos o suficiente para um selo indie como a SST, mas a sedução do rock é, tipo, “a gente podia ser famoso, ou rico, ou ambos, ou sei lá o quê…” Então, o que aconteceu foi que assinamos com a Epic/Sony e, de repente, eles não sabiam muito bem o que fazer com nosso primeiro disco lá, “Uncle Anesthesia” (1991). Até que vendemos bem, pois já tínhamos uma boa base de fãs — vendemos umas 50 mil cópias. E a gravadora não esperava muita coisa — as grandes gravadoras acham que ninguém te conhece antes de assinar com uma delas —, então foi bem bom. Quando estávamos fazendo o “Sweet Oblivion” (1992), de repente o Nirvana explodiu, e o Pearl Jam explodiu logo depois. Então, quando o nosso disco saiu, já era um ambiente completamente diferente para uma banda de Seattle. Apesar de a gente nunca ter sido “grunge”, de forma alguma. No começo, éramos metade punk, metade psicodélicos — especialmente ao vivo, nosso som ficava mais punk, sabe como é? Mas quando o “Sweet Oblivion” saiu, a gente estava num lance mais hard rock. Só que isso não fez diferença, a gente era de Seattle, então nos categorizaram como grunge também. Muita gente comprou esse disco e tivemos muitas oportunidades que antes não tínhamos — tocamos nos programas do David Letterman e do Jay Leno, esse tipo de coisa. Então, a gente levou a banda para o próximo nível. Claro, a gente não chegou naquele nível realmente alto, de vender milhões de cópias, mas chegamos em ponto em que ao menos podíamos ser uma banda que estava trabalhando e recebia alguma atenção do público. Mas aí, o que aconteceu foi que, terminado o ciclo do “Sweet Oblivion”, eu não tinha nada escrito, porque ficamos um ano na estrada. A gente sentou e disse: precisamos escrever uma porção de músicas para o próximo disco — queríamos lançar em seguida, para capitalizar em cima daquele momento bom que o rock estava vivendo em 93 e 94. Por algum motivo, as coisas não rolaram. Gravamos um disco que a gente não curtiu. Se tivéssemos lançado o disco naquela época, talvez as coisas tivessem sido diferentes, mas não faço ideia. Acabamos levando mais dois anos para lançar o “Dust” (1996), que é um disco completamente diferente daquele que fizemos em 1994. Para chegar lá, foram dois anos de composição intensa, todo maldito dia. Foi nessa época que as coisas começaram a parecer como um emprego. Passei todo o ano de 1994 e boa parte de 1995 sentado em meu apartamento, em Seattle, escrevendo pelo menos uma música por dia e mandando para o Mark. Aí, eu recebia a aprovação ou não — ele me ligava se gostava da música, e se não gostava, simplesmente deixava quieto. Então, nem sempre eu tinha um feedback positivo. Para completar, eu tinha acabado de me casar, e a minha esposa vivia em Nova Iorque. Foi um período difícil. Mas, de alguma forma, conseguimos compor todas as músicas para “Dust” e, aí, nos juntamos ao George Drakoulias, que foi o produtor. Acabou que este é um dos discos de que mais me orgulho. Meu favorito ainda é “Invisible Lantern” (1988), por ser mais psicodélico e tal, mas pensando no que queríamos alcançar com um disco, acho que “Dust” foi o que chegou mais perto do nosso desejo.

Os Trees também são “responsáveis”, de certa forma, por apresentar Josh Homme ao mundo. Vinte anos depois, ele é considerado um dos grandes rockstars do nosso tempo. Você ainda mantém contato com ele?
Ele era do Kyuss, mas pouca gente o conhecia na época. Ele sempre foi muito legal. Não tenho falado com ele, mas nos damos bem. Foi ótimo tê-lo na banda. Acho que ele ficou mais ou menos um ano tocando com a gente, primeiro no Lollapalooza e, depois, fizemos uma turnê europeia. Mais tarde, em 99 ou 2000, gravamos com ele. Ele está em “Crawlspace” e “Anita Grey”, se me lembro bem. São duas músicas do nosso último disco, “Last Words” (2011). Foi nessa época que ficamos de saco cheio da Epic, eles não estavam fazendo nada por nós. Passamos uns dois ou três anos procurando uma nova gravadora, mas nunca deu certo, então…

Você também trabalhou com o falecido Chris Cornell. Ele foi um dos produtores de “Uncle Anesthesia”. Chris é muito famoso como cantor e compositor, mas não se sabe muito sobre ele como produtor. O que você lembra mais da experiência de trabalhar com ele e como sua participação influenciou o som do disco?
Acho que a principal razão para o chamar foi, sabe, tínhamos Terry Date como nosso produtor. Ele havia trabalhado com o Soundgarden em “Louder Than Love” (1989). A maior parte do seu trabalho, até então, havia sido com bandas de metal. E a gente não tinha nada de metal. Então, pensamos que o Chris obviamente sabia que tipo de banda éramos, e como tínhamos a mesma empresária que o Soundgarden, e éramos amigos dele, o convidamos para ser uma espécie de filtro entre nós e o Terry. Assim, ele podia ajudar o produtor a entender melhor qual era a nossa. Daí ele acabou fazendo uns backing vocals no disco também. Foi legal tê-lo por perto. Ele definitivamente contribuiu para o álbum, especialmente sendo esse cara que traduzia nossas ideias para o produtor.

Ainda há algum material não lançado do Screaming Trees?
Tem, mas não faço ideia de onde esteja. Eu sei que tem uma porção de coisas. Tem dois álbuns “abortados”. Um que gravamos em Los Angeles quando ainda estávamos na SST. Algumas dessas músicas foram regravadas no “Buzz Factory” (1989), mas têm várias que não foram. E aí, temos o disco de 93/94, em que algumas músicas entraram na coletânea “Ocean of Confusion”, como “Watchpocket Blues” e “Paperback Bible”. Tem também uma versão inicial de “Dying Days”. E muitas outras músicas, da época da Epic, umas faixas aqui e outras ali. Mas como eu disse, não sei onde essas fitas estão. Não faço a menor ideia. O Van tinha umas fitas de demos que gravamos, e coisas ao vivo gravadas com o Dan Peters [baterista do Mudhoney]. Uns dois anos atrás ele estava falando sobre lançar essas gravações, mas não sei se isso vai dar em algo.

Qual você considera seu principal legado após mais de três décadas fazendo música? E especialmente sobre os Trees, estão pensando em relançar seus antigos álbuns? Sei que “Sweet Oblivion” foi relançado em vinil, mas e quanto aos outros?
Adoraria planejar relançamentos, o problema é que a maioria do nosso material está na SST. Não tenho falado com eles. Eles nos pagaram por um tempo, e nos últimos anos eles têm vendido discos na internet. Acho que alguns de nossos discos ainda estão em catálogo. Mas não tive mais notícias deles, então nem sei se eles nos devem alguma coisa ou não. Seria legal se eles nos contatassem para dizer se nos devem ou não. Mas, na Epic, eles fizeram um pequeno box set com os três discos lançados pela gravadora e também uma versão expandida de “Dust”, com lados B e gravações ao vivo e tal. Seria legal lançar algo com todos os discos, mas não sei se é possível, por causa dos direitos envolvendo duas gravadoras diferentes. Aparentemente eles têm direitos sobre as músicas para sempre, ou até elas completarem 70 anos ou algo assim. Mas aí eu não estarei mais aqui pra ver.

E quanto a um disco ao vivo, DVD, Blu-Ray ou algo do tipo? Algum plano?
Temos algumas gravações, sim. O Van tem uma. Tocamos em um estúdio, sem público, com o Dan Peters, do Mudhoney. Foi gravado em oito canais e mixado. Tem umas demos com o Dan Peters também, de coisas que estávamos compondo para o “Sweet Oblivion”. Sobre o Dan, ele tocou com a gente por alguns meses, mas aí precisávamos sair em turnê e perguntamos para ele: vai ficar com a gente ou vai ficar no Mudhoney? Aí ele escolheu o Mudhoney, o que compreendemos totalmente. Toda vez que um novo membro entrava na banda, isso acabava influenciando o nosso som. Com o Pickerel [Mark Pickerel, primeiro baterista da banda], no começo, ele tinha um estilo selvagem. Já o Barrett tinha uma pegada mais John Bonham, o que funcionava bem com o som que estávamos fazendo na época. Lembro que estávamos tentando tocar “Shadow of the Season” com o Dan Peters. É uma música muito mais Led Zeppelin do que Mudhoney, que puxava mais para o punk rock. Ele ficou, tipo, “que negócio é esse?” Aí veio o Barrett e pegou de primeira. É mais o estilo dele.

Quanto ao futuro, o que podemos esperar de você nos próximos anos?
Como mencionei antes, espero fazer um novo disco esse ano, porque tenho muitas músicas. Três ou quatro anos entre discos parece algo meio estúpido, especialmente porque não estou fazendo mais nada no momento. Talvez, lá pelo verão [inverno, no Brasil], eu tenha algo novo para lançar. Não sei se vai ser no Bandcamp, ou se algum selo vai se interessar em lançar, mas definitivamente podem esperar por mais músicas minhas.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista especializado em comunicação corporativa e produção de conteúdo

5 thoughts on “Entrevista: Gary Lee Conner

  1. Ótima entrevista. Um cara tranquilo, que mantém intacta a paixão pela música e consegue levar uma vida aparentemente simples. Tenho certo respeito ( e até uma invejinha rs) por esses artistas que escolhem locais nada badalados para viver. Demonstra muita serenidade na fala e mesmo num comentário ou outro de teor mais crítico, não há rancor algum ao se referir a certas coisas do passado. E segue fazendo o que gosta. Figuraça!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.