Mark Lanegan ao vivo em São Paulo

Texto por Carlos Messias
Fotos por Alessanda Luvisotto

Foi preciso não uma, não duas, mas três tentativas para que o público de São Paulo pudesse sentir na pele o que é um verdadeiro show de Mark Lanegan. Primeiro foi uma apresentação de repertório misto na companhia de Greg Dulli em 2009 seguida de uma noite acústica – contando apenas com o guitarrista Dave Rosser – em 2010. Agora, pela primeira vez, o Porteiro da Noite veio ao Brasil acompanhado de uma banda completa. Felizmente, valeu a espera, e os paulistanos puderam curtir um show direto e energético, soturno e delirante, sem firulas, mas com muita intensidade. Não se podia esperar nada mais do que isso.

Lanegan subiu ao palco cinco minutos após as 23h acompanhado de sua atual banda de apoio, que conta com músicos belgas, vestidos todos de preto. A primeira música não poderia ter sido mais sombria: “When Your Number Isn’t Up”, primeira faixa do seu magnum opus, “Bubblegum” (2003), que também havia sido escolhida para abrir o show de 2010. Sua voz, levemente recuperada do tabagismo, soa menos rascante, mas ainda sim encorpada e altamente penetrante.

Já na segunda música, o show começa a ganhar peso: “The Gravedigger’s Song”, o primeiro single do seu novo álbum, “Blues Funeral”, lançado em fevereiro, e que deu a tônica da noite. Nove das 19 canções do repertório foram tiradas dele. Felizmente, “Bubblegum” também foi bem representado, com cinco músicas.

“Blues Funeral” mostrou que funciona muito bem ao vivo, tanto pelo peso de guitarra, baixo e bateria, como por suas generosas batidas eletrônicas, que dão um envolvente apelo dançante à apresentação, especialmente na recente “Ode to Sad Disco”, que poderia muito ser tocada em algum clube de Ibiza. Faltou à plateia, que ficou praticamente parada durante este autêntico show de rock, perceber isso.

Nada que o anfitrião tenha estimulado, afinal Mark Lanegan fica o tempo todo preso ao microfone, olhando para baixo e maneando a cabeça de acordo com o andamento da música. Com trejeitos de dependente químico (ainda que tenha supostamente deixado as drogas há quase uma década), o cantor fica passando a língua pelas gengivas o tempo todo. Pela pose, pelo traje e pela atitude, Mark Lanegan ao vivo mais parece um Johnny Cash na fase junkie.

Em uma sequência matadora, o cantor emendou a “tarantinesca” “Gray Goes Black” (que caberia na trilha de “Kill Bill”) em uma música do Screaming Trees, sua ex-banda. “Nearly Lost You”, “Dying Days”, “Dollar Bill”? Que nada! Muito pertinentemente, o cantor resgatou “Crawlspace”, antiga demo da banda (originalmente gravada com Josh Homme na guitarra) que só foi lançada no ano passado, na coletânea “Last Words: The Final Recordings”.

Outro petardo, que também teve guitarra gravada por Homme, foi a pulsante “Riot in My House”, de “Black Funeral”, que se mostrou um sucessor à altura de “Bubblegum”. Dos álbuns mais antigos, o músico só revisitou “Field Songs” (“One Way Street” e a dilacerante “Ressurection Song”), de 2001; “ I’ll Take Care of You” (“Creeping Coastline of Lights”, cover do Leaving Trains), de 1999; e “Whiskey for the Holy Ghost” (com “Pendulum”), de 1994. De lambuja, tocou ainda “Sleep With Me”, lado B do EP “Here Comes that Weird Chill” (2003). Por não caberem no repertório, “Winding Sheet” (1990), seu primeiro disco solo, e o excelente “Scraps at Midnight” (1998) foram ignorados por completo. A seleção se mostrou coesa e incrivelmente eficiente, mas deixou de fora suas canções folk mais emblemáticas, como “River Rise”, “Sunrise” e “The Winding Sheet”.

Após a nova “Tiny Grain of Truth”, Lanegan e banda deixaram o palco brevemente, sem sequer chegarem ao camarim, e voltaram para o bis. Chega a ser cômica a forma como o cantor ignora os protocolos do showbiz: não sorri, não faz gracinhas, e só se dirigiu ao público para dizer um “thank you” bem seco, ou para os músicos que o acompanhavam.

O último ato teve “Pendulum”, “Harborview Hospital” e “Methamphetamine Blues”, um desfecho “sangue nos olhos” para uma apresentação vibrante. Com apenas 1h20 de duração, o show foi inegavelmente curto, módico para uma discografia tão extensa. Ao mesmo tempo, teve o mérito de não esfriar por um segundo sequer, e às vezes é bom sair de um show querendo mais.

Dispersada a multidão, como que se redimindo de toda a frieza demonstrada ao longo dos anos, o cantor se postou à porta do Cine Joia e deu autógrafos e tirou fotos com algumas dezenas de fãs que fizeram fila. Isso sim foi surpreendente.

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– Carlos Messias (siga @carmessias) é jornalista e assina o blog Sem Manual de Instruções. Mais fotos do show na galeria de Alessandra Luvisotto aqui.

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Leia também:
– Mark Lanegan em São Paulo (2010): uma apresentação completamente visceral (aqui)
– “Last Words: The Final Recordings”: o último suspiro do Screaming Trees (aqui)
– “Adorata”, The Gutter Twins: eis um disco recehado de covers inusitadas (aqui)
– “Bubblegum”, de Mark Lanegan: um dos melhores discos da carreira do cantor (aqui)
– Mark Lanegan e Greg Dulli ao vivo em uma festa de interior… na Bélgica (aqui)
– “It’s Not How Far You Fall”, Soulsavers: guitarras estridentes, teclados climáticos (aqui)

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