Cinema: “Halloween Ends” é desnecessário, forçado e irregular

texto por João Paulo Barreto

Após aprofundar em “Halloween Kills” (2021), seu segundo filme lançado há um ano, um válido conceito de representação do mal a partir não apenas de um símbolo como o serial killer Michael Myers, mas com algo bem mais intricado e complexo como toda a população de uma pequena cidade a demonstrar-se infectada por essa força maligna, a trilogia dirigida por David Gordon Green na versão século XXI do clássico de John Carpenter, “Halloween”, tinha tudo para encerrar seu derradeiro ato como uma mescla exata deste dois vieses. Isso, claro, acompanhado das sequências de violência gore necessárias para aplacar os fãs hardcore do estilo. Porém, o final dessa tríade de filmes com “Halloween Ends” (2022), apesar dos momentos de catarse violenta, destaca a percepção de uma obra desnecessária para o fechamento da nova saga do garoto Myers.

Observando de modo isento de qualquer relação de fã para com a obra original, renovar a série “Halloween” para a geração atual, considerando em seu desenvolvimento apenas o primeiro filme dirigido por Carpenter, surgiu em seu primeiro longa lançado em 2018 como uma excelente ideia. Isso se observarmos a proposta eficiente de conseguir unir uma boa trama calcada na passagem dos 40 anos desde o primeiro dia das bruxas, junto à volta de Jamie Lee Curtis trazendo uma idosa Laurie Strode marcada para sempre pelo trauma, bem como, claro, unindo à trama as citadas e necessárias doses de sanguinolência e espetáculo slasher que um filme que estampa aquela famosa máscara de expressão vazia em seu pôster pode significar.

Com sua continuação de 2021 confirmando esse espetáculo visual (a sequência envolvendo o ataque de Myers a um grupo de bombeiros é um primor desse tipo de cinema) e aprofundando a questão psicológica da influência do mal em todos aqueles habitantes da ficcional Haddonfield, no estado de Illinois, “Halloween Kills” tinha o poder de encerrar um arco fechado, dando a Myers e a Laurie uma conclusão à altura do clássico de 1978. Teria sido ideal se a proposta dessa nova franquia se centrasse apenas como uma dualogia.

Mas não sejamos ingênuos em achar que o apelo de uma trilogia passaria incólume diante da gana de produtores que buscam pela última gota do suco de criatividade que seus projetos possam reverter em lucro. Independente do esmero planejado, a quantidade diante de um filão do cinema de gênero ou de uma franquia de sucesso, vai ser sempre priorizada em detrimento da qualidade (um exemplo clássico disso é o fato de Peter Jackson ter conseguido extrair uma trilogia de um livro tão curto quanto “O Hobbit”). Assim, este capítulo final esbarra logo a princípio em um problema que é o fato de que o melhor que essa nova franquia tinha a oferecer já foi nos dado nas duas primeiras partes, tornando obsoleta logo de cara essa terceira.

O desafio para o roteirista Paul Brad Logan, que assinou a escrita apenas deste terceiro filme, era a necessidade de se criar uma subtrama para justificar o retorno de Myers, uma vez que entre os acontecimentos trágicos do final da segunda parte, escrita por Scott Teems, uma elipse de quatro anos aconteceu, necessitando, assim, que uma nova reaparição do vilão assassino fosse elaborada. E é justamente nesse ponto que o certeiro equilíbrio entre a presença física de Myers e sua influência psicológica naqueles que o cercam, elementos tão bem explorados no filme de 2021, se perde.

Inserindo o jovem Corey Cunningham (Rohan Campbell) como protagonista em um irregular desenvolvimento da tragicidade de seu personagem, “Halloween Ends” parece buscar, sem sucesso, por um modo orgânico de colocar seu real vilão novamente no jogo. Assim, mescla à de Michael a insossa presença de Corey que, após experimentar traumas físicos e psicológicos, como o bullying de adolescentes que sabemos que terão uma morte horrenda, ou aquele prólogo sinistro envolvendo uma pobre criança, passa a flertar com a psicopatia trazida por Myers em um encontro de personagens cuja conveniência passa longe de qualquer ideia de sutileza no roteiro.

O resultado soa como uma já conhecida ideia de mestre e aprendiz, mas, aqui, contando com toda esperada bizarrice possível, além de uma forçada referência às aparições clássicas do antagonista de Lauren nos conhecidos pontos da rua residencial que marcaram o longa original. No entanto, na presença desse novo vilão, tudo parece apenas arranjado (muito mal, diga-se de passagem) como preparação do terreno para a volta de Myers à ativa, vindo sabe-se lá onde passou os últimos quatro anos (ninguém pensou em procurar nos esgotos da cidade? Sério?) coincidentemente em pleno dia das bruxas.

Ao menos, quase que reconhecendo a fragilidade de seu roteiro, fica evidente na busca por um impacto visual, um esforçado fan service gore/ slasher/ sanguinolento no qual os adolescentes citados acima encontram o criador da maneira mais brutal que a mente insana de um roteirista pode imaginar. Junto a tais momentos, se torna claro fato de que o nome “Halloween Ends” fica definitivamente confirmado de modo impossível de se reverter diante das condições físicas que encontramos Michael Myers em seu desfecho. Bom, já estava mais do que na hora. A não ser que, para o bem ou para o mal, Rob Zombie, diretor de filme b de terror, e notório admirador da obra de Carpenter, decida voltar a esse universo.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.

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