Literatura: “Corporate Rock Sucks: The Rise & Fall of SST Records”, de Jim Ruland

texto de Daniel Abreu

O que você faz quando ninguém se interessa em lançar a música da sua banda? No caso de um jovem da Califórnia chamado Greg Ginn, você monta a sua própria gravadora e se torna o som do underground nos Estados Unidos. Esse é o tema do novo livro do escritor Jim Ruland, lançado em abril na terra do Tio Sam. Para quem não conhece as credenciais de Jim, ele em 2016 escreveu o livro “My Damage”, em parceira com Keith Morris, membro fundador da Black Flag, Circle Jerks e OFF!, e em 2020 “Do What You Want”, obra que narra a trajetória da influente banda de punk/hardcore Bad Religion – na época, Jim conversou com o Scream & Yell sobre a edição nacional da biografia. Portanto o cara entende de punk rock e hardcore. Em “Corporate Rock Sucks: The Rise & Fall of SST Records”, ele narra a história da gravadora que lançou discos históricos de bandas como Black Flag, Minutemen, Hüsker Dü, Bad Brains, Sonic Youth, Dinosaur Jr, Screaming Trees e Soundgarden, entre outros.

Para entender um pouquinho melhor o contexto do livro, Los Angeles na segunda metade dos anos 1970 era um local frustrante para aquelas bandas que tinham algo para dizer. Donos de bares e clubes noturnos com música ao vivo insistiam que as bandas tocassem covers das paradas de sucesso, um tipo de música que ficou conhecido como na época como “easy listening”. As bandas punks que estavam surgindo eram as mais prejudicadas, porém os selos independentes ajudaram esses grupos a quebrarem as barreiras impostas pelo rock corporativo. “Esses selos operavam por razões que não tinham nada a ver com a fantasia do rock and roll de ficar rico e famoso: de fazer arte, de documentar a cena, de criar algo novo e provar que qualquer pessoa poderia fazer,” aponta Jim no livro.

Foi nesse cenário que surgiu a SST. Fundada por Greg Ginn na década de 1960, a Solid State Tuners começou como uma empresa que vendia equipamentos eletrônicos através do correio. Jim explica no livro que a SST Electronics oferecia uma extensa linha de equipamentos e a patente exclusiva de alguns produtos gerava uma receita significativa. Porém, a transformação da SST em gravadora aconteceria a partir do lançamento do EP “Nervous Breakdown” (SST 001) em 1978, a estreia da Black Flag, banda liderada por Ginn entre 1976 e 1986. O EP, segundo Jim, se tornaria um ponto de transição para a empresa e o rock nunca mais seria o mesmo.

Um dos pontos mais interessantes que o biógrafo aborda no livro foram as formas que a SST utilizou para conquistar o interesse do público e o respeito das bandas que estavam surgindo. Uma das táticas utilizadas era estar sempre em turnê e levar o evangelho do hardcore para fora de Los Angeles, já que em muitas partes dos Estados Unidos esse tipo de som mais agressivo e rápido ainda era meio que novo. Um desses lugares que a SST teve bastante impacto foi Seattle. Jim conta que durante os shows da “My War Tour”, em 1984, Kim Thayil, Mark Arm e Kurt Cobain estavam na plateia para ver o Black Flag e o Meat Puppets. Os três se tornariam personagens centrais do movimento grunge que tomou de assalto o mundo da música no começo dos anos 1990.

Outro ponto bem legal do livro é que o autor conta algumas curiosidades dos discos mais importantes lançados pela SST. Um desses discos é o “Double Nickels on the Dime”, do trio Minutemen. Com os riffs agudos de guitarra de D. Boon, o proeminente groove de baixo de Mike Watt e a bateria implacável de George Hurley, o álbum é considerado por muitos críticos e fãs da banda como sua obra prima. Para quem não sabe, uma das influências do trabalho foi o livro “Ulisses”, clássico romance do escritor irlandês James Joyce. Antes de gravar o disco, Watt tinha acabado de ler a obra e o livro teve um efeito inspirador nele. “’Ulisses’ tem uma reputação de ser impenetrável, um livro que as pessoas começam, mas não terminam. Porém, a obra prima de Joyce é recheada de trepadas, brigas, bebedeiras e cantorias. É um trabalho de alta arte e, também, uma celebração da vida ordinária de pessoas ordinárias. Essa noção de que a arte pode ser as duas coisas, e na verdade pode ser muitas coisas, é a marca de ‘Double Nickels on the Dime’”, analisa Jim sobre o álbum.

Porém nem tudo foram rosas na trajetória do selo. Apesar de ter construído ao longo dos anos uma ótima reputação no underground, a SST aos poucos começou a agir como uma grande gravadora, e no pior sentido da palavra. Jim mostra no livro que a gravadora aos poucos começou a utilizar artifícios que iam contra a filosofia original do “faça você mesmo” do punk rock. Uma das primeiras bandas que sentiram a ira de Greg foi o Meat Puppets. Após trocar a SST no começo dos anos 1990 pela London Records, Jamie Kitman, empresário do grupo, encontrou várias irregularidades com relação as declarações de royalties. Após receber uma carta de Kitman, Ginn processou a banda, que processou de volta o guitarrista. Um acordo extrajudicial foi feito entre as partes, mas se “utilizando de ferramentas do rock corporativo, a SST estava violando uma lei não escrita da estética indie. Que tipo de gravadora processa sua própria banda? Infelizmente, a SST estava apenas começando,” pontua o autor no livro.

“Corporate Rock Sucks” ainda aborda os problemas das bandas de hardcore com a polícia de LA no início dos anos 1980, o relacionamento da SST com a mídia, os problemas legais com o Negativland, grupo americano de música experimental originário da zona da Baía de São Francisco, após eles lançarem um single com o título “U2”, entre outras ótimas histórias a respeito de uma das gravadoras mais interessantes e influentes da música independente mundial. Infelizmente o livro ainda não ganhou uma versão em português, mas não custa nada torcer para que uma editora nacional sem interesse pela obra e faça uma tradução para os fãs brasileiros. A versão gringa, no entanto, está por aí (inclusive em audiobook). Vá atrás.

– Daniel Abreu é jornalista responsável pelo Geleia Mecânica e colaborador do Scream & Yell e do Whiplash.

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