Entrevista: O isolamento acústico de Juvenil Silva

entrevista por Rafael Donadio

Para não se estrebuchar no fundo do poço em meio ao isolamento que a pandemia do coronavirus nos obrigou a viver, o pernambucano Juvenil Silva segue criando e gravando cada vez mais. Em suas próprias palavras, está fazendo “música para não morrer”, está “escrevivendo”. De junho a agosto, já foram dois EPs lançados: “Isolamento Acústico Vol.1” e “Isolamento Acústico Vol. 2”, totalizando 13 músicas.

Os dois trabalhos, criados durante os tempos nebulosos de pandemia, têm um diferencial em relação aos trabalhos anteriores de Juvenil. Eles não estão nas plataformas digitais. E nunca estarão: “O Isolamento Acústico é um uivo contra minha extinção como artista, uma vez que eu tinha que fazer vários shows, produções e outras estripulias pra viver música”, explica Juvenil. Portanto, o projeto nasceu como uma estratégia para rentabilizar o trabalho, já que a principal fonte de renda dos músicos – os shows presenciais – continua inviável.

Segundo o recifense morador do bairro do Pina, essa foi uma forma de andar na contramão do sistema, alfinetando a lógica das plataformas digitais, onde os discos são disponibilizados gratuitamente e quem realmente ganha dinheiro são apenas os grandes empresários do ramo. As 13 faixas são disponibilizadas, por e-mail, apenas para quem quer comprar. E essa compra é bem simples: basta entrar em contato com Juvenil, através do seu Instagram e página do Facebook. Depois de comprovado o pagamento, as faixas e o encarte completo (letras, cifras e ficha técnica) são enviados.

Juvenil é um dos nomes mais atuantes de uma leva de artistas pernambucanos que começou sua trajetória nos anos 2000. Passou pelas bandas Canivetes e Dunas do Barato, até lançar o seu primeiro disco solo, “Desapego” (2013). Depois de estampar a capa do jornal O Globo, lançou ainda “Super Qualquer no Meio de Lugar Nenhum” (2014), e “Suspenso” (2018). A ânsia de registrar músicas que fariam sentido apenas neste determinado momento em que vivemos foi o estopim de todo o projeto “Isolamento Acústico”.

No primeiro volume, o compositor ainda contou com ajuda de alguns amigos na gravação e finalização das músicas. Além de diversas parcerias nas composições: Seu Pereira, Guilherme Cobelo, Wander Wildner, José Juva, Totonho e Negro Bento. No segundo, com equipamentos emprestados, de forma precária e intensa, assistindo videoaulas para aprender as partes mais técnicas do processo, Juvenil realizou o projeto do começo ao fim. Completamente só, mas em boa companhia, a companheira e os dois gatos – Nico e Zezinho: “Eles são minha família, me inspiram e estimulam. Apesar de só conseguir produzir sozinho no meu canto, sem minha companheira eu não teria a mesma força e astral nesses dias impossíveis”, revela.

Os EPs trazem músicas psicodélicas e apocalípticas, como ele mesmo definiu, influenciadas por nomes como Syd Barrett, Nico, Bob Dylan, Sá, Rodrix e Guarabyra, Tyrannosaurus Rex, Flaviola e o Bando do Sol, Nick Drake, Bridget St John e Renato Teixeira. Além de outros tantos trovadores e folk singers. É um “folk existencialista”, que carrega, no Vol. 2, uma atmosfera mais intimista, apenas com instrumentos de cordas – violão, violão de 12 cordas e contrabaixo.

Com um disco pronto (nas mãos do amigo, músico e produtor D Mingus), esperando a hora certa de ser lançado, e um single/clipe para sair agora em setembro – nas plataformas digitais –, Juvenil Silva conversou com a Scream & Yell sobre todos os desafios que tem enfrentado na pandemia, os novos trabalhos, mercado musical, composição, produção e algumas coisas mais. Confira abaixo:

O que te levou a gravar os dois volumes do “Isolamento Acústico”?
Algumas dessas músicas só pertencem a esse momento. Se eu não gravasse e soltasse agora, mesmo que dessa forma, iriam se perder no contexto pós pandemia. E também teve uma pilha do pessoal que adquiriu o primeiro EP para que houvesse um segundo.

Como você produziu e gravou os dois?
De forma precária e intensa. Na primeira semana de pandemia, sabia que teria bastante tempo em casa, então procurei algo pra fazer que me fizesse bem. E eu amo gravar, produzir, apesar de não saber bem da parte técnica do processo. Peguei emprestado uma placa e um microfone e comecei a pegar uns toques com amigos e assistir videoaulas. Pronto, comecei a coisa toda. O primeiro, em junho, gravei tudo só, mas precisei de ajuda pra finalizar mix e master. Já o segundo, em agosto, consegui finalizar tudo em minha solitude trelosa.

Quais as principais diferenças na produção e gravação do primeiro para o segundo volume?
O tempo e o espaço. Muita coisa acontece ou pode acontecer em alguns meses. Dentro e fora da gente. Na época do primeiro, eram apenas eu e minha gatinha de estimação, a Nico. Vivíamos em um apartamento minúsculo no centro de Recife. Um caos silencioso se alastrou pelas ruas, que tinham agora seu comércio fechado e o triplo de mendigos sem ter para onde ir ou saber o que fazer. A vizinhança engaiolada sentia o trombo da novidade sinistra da incerteza de um futuro próximo. Na época do segundo, eu já morava onde estou agora, no Pina, um bairro calmo, perto do mar, casado e com mais um gato na história. Morando agora em casa, onde sempre me senti mais à vontade.

Por que decidiu lançar os dois EPs “offline”, sem usar plataformas de streaming?
O Isolamento Acústico é um uivo contra minha extinção como artista, uma vez que eu tinha que fazer vários shows, produções e outras estripulias pra viver música. E que isso tudo segue paralisado sem uma previsão precisa de retorno. Também, ao mesmo tempo que vendo os EPs, provoco uma reflexão sobre a dura realidade de nosso “mercado musical”, da relação entre os compositores e as plataformas digitais e os seus repasses injustos, na minha humilde opinião.

Você acha que alguma coisa pode mudar no mercado musical e nas grandes empresas desse mercado depois da pandemia?
Acho não, tenho certeza, a avalanche de novidades não para. Mas infelizmente, pelo andar da carruagem e com um “presidente” fodido desses, pra pior. Mas sigamos a lutar, um dia a coisa melhora.

Você lançou os dois volumes com pouca diferença de tempo entre eles. Foi um em junho e o outro já em agosto. Por que escolheu lançar com essa pequena diferença de tempo? Você está em um ritmo acelerado nas composições, né?
Eu gravei o primeiro em maio, lancei em junho e em seguida me mudei. Daí passei o mês todo sem gravar nada, apenas vivendo a nova rotina e escrevendo o novo EP. Escrevivendo. No mês de julho eu já estava em abstinência de produzir, passei uma semana gravando sem parar e finalizei. Botei uma data pra agosto e fim. Não quis deixar amansar a instiga do primeiro e também porque já tenho planos pra setembro. Acho que só tinha esse ritmo produtivo quando tinha uns 19 anos de idade, em que bebia frequentemente, lia bastante, ouvia discos compulsionalmente e não tinha mais porra nenhuma pra fazer além de pensar em minha banda de rock. Tem sido um período fértil.

Quais são esses planos pra setembro?
Dia 11 tem meu primeiro lançamento, depois de dois anos e meio sem lançar nada nas plataformas digitais. É a volta do filho pródigo (rs). A música se chama “Regalia”, é uma catucada na burguesia míope, quando se trata de privilégios e consciência de classes. A faixa traz participações de nomes como Mestre Nico, Irmão Victor e Marcos Gonzatto (Faichecleres). Com direito a clipão e tudo mais.

No primeiro volume, você gravou seis canções, todas compostas em parceria com outros artistas. Como surgiram essas parcerias? Como tem rolado essas composições a quatro ou mais mãos, precisando manter a distância?
Nunca fui muito de parcerias. A Avoada, projeto coletivo de compositores de que faço parte, me deu uma treinada. Sempre preferi fazer só e amadurecer minha estética nas letras e harmonias. Mas o engraçado é que foi quando nos vimos longe e isolados, não por querer, que olhamos mais uns para os outros e começamos a nos aproximar mais.. Os músicos começaram a conversar mais sobre o que fazer pra ficar bem, pra trabalhar, pra sobreviver… Pronto, fizemos músicas. Bastante. Música para não morrer.

No segundo volume, você compôs todas as sete faixas, masterizou, mixou, fez tudo sozinho. Quais dificuldades enfrentou ao fazer esse disco do começo ao fim?
Tive que viver, sentir, compor, gravar todos os instrumentos, cantar, mixar, masterizar, fazer o material gráfico, divulgar, lançar, vender… Caramba, é tanta coisa que quando vejo por fim, entendo e dou muito mais valor a todos os profissionais da área. Nada é fácil quando se quer fazer bem feito. Não sei se fiz bem feito, dentro dos padrões, mas fiz com total empenho e amor por tudo. Mas de fato o maior desafio foi a parte que tive que aprender e mexer pela primeira vez com edição e mixagem.

Você diz que existe a possibilidade de gravar algumas dessas músicas futuramente, em estúdio, com outros instrumentos, arranjos etc. Já pensou quais poderiam ser?
Certamente “Dias impossíveis” (do Vol. 1), parceria minha com Seu Pereira, verá a luz das plataformas digitais em futuras versões. Tanto em algum projeto meu, quanto no do Seu Pereira. O público abraçou muito essa composição. O Guilherme Cobelo (Joe Silhueta) também falou algo sobre gravar a nossa “Objeto afetivo” (Vol. 1). E “Um belo dia nesse inferno” tem versão já encaminhada para um futuro álbum meu, e conta com arranjos de Regis Damasceno (Cidadão Instigado).

– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista maringaense.

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