Cinema: “Três Verões”, de Sandra Kogut

Texto por Renan Guerra

“Três Verões”, novo longa-metragem de Sandra Kogut, era para ter entrado em cartaz no dia 19 de março, mas o fechamento dos cinemas devido a pandemia da Covid-19 adiou a estreia do filme, que chega ao público no próximo dia 22 de junho através da plataforma Espaço Itaú Play, que oferecerá 19 filmes para aluguel com preço de R$ 10, sendo que 20% do valor arrecadado será destinado à APRO (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais). A venda de “ingressos” será aberta a partir de 19/06, sexta-feira, nesta plataforma.

“Três Verões” coloca Regina Casé na pele de sua terceira empregada doméstica – ela está no ar como Lurdes na novela global “Amor de Mãe” e há poucos anos interpretou a icônica Val, de “Que Horas Ela Volta?” (Anna Muylaert, 2015). A primeira reação de muita gente ao novo filme é de que Regina repetiria Val ou cairia num marasmo de interpretar o mesmo padrão de personagens. Para confrontar essa questão, Regina Casé gosta de relembrar o sem-número de atrizes que interpretaram madames e grã-finas e nunca foram questionadas sobre repetição. Em entrevista à revista Trip, Casé explicou que é “como se cada mulher rica tivesse uma personalidade e individualidade diferente e todas as pobres fossem iguais: uma massa de gente que está no mundo para servir”.

Em “Três Verões”, Sandra Kogut busca especialmente voltar seu olhar para esses personagens que formam o entorno das histórias que eram anteriormente contadas: em uma mansão no litoral fluminense, num desses condomínios milionários, o patrão de Madá (Regina Casé) é preso dentro da operação Lava-Jato e a partir daí os personagens ricos praticamente somem de cena, deixando o público na companhia dos funcionários. Madá é a caseira da mansão e coordena uma equipe de funcionários que fica com salários atrasados, cuidado da casa e buscando achar meios de se sustentar nesse espaço.

O filme se passa em três tempos – os tais três verões – sempre nas festas de final de ano, de 2015, 2016 e 2017. Essa escolha temporal possibilita uma imersão distinta na história, pois passamos por espécies de retratos dessas mudanças, o que torna a nossa relação diferente com os personagens – a montagem e o roteiro, aliás, trazem muito da bagagem de video-artista de Kogut, que desde meados dos anos 1980 brinca com a linguagem visual, com os limites entre ficção e documentário, entre outras possibilidades.

Nesses projetos experimentais, lá dos anos 1990, vem a amizade de Kogut e Casé: as duas trabalharam juntas no ótimo curta “Lá e Cá” (1995) e no fundamental “Brasil Legal”, programa disruptivo exibido pela TV Globo. Essa proximidade das duas explica muito de como Regina é uma espinha dorsal do filme deixando claro que “Três Verões” é um processo de construção coletivo, onde conseguimos enxergar muito da estética de Sandra, mas também vemos a construção encantadora que Regina dá para a sua personagem.

Com um ótimo elenco – Rogério Froés, Otávio Muller, Gisele Froés, Jéssica Ellen, Edmílson Barros, entre outros -, “Três Verões” consegue acertar quando orbita em torna da força de Regina Casé. É uma fato que a sua Madá é a dona do filme e Regina faz dela uma personagem icônica, cheia de frases maravilhosas, que nos faz ir do gargalhar às lágrimas. A atriz constrói uma personagem completamente distinta de Val e Lurdes, mostrando que essas histórias são complexas, amplas e mostram viéses diferentes de um Brasil em mudança.

Esse país em mudança, aliás, é apresentado através de muitos detalhes e construções que fazem do filme um panorama interessante sobre o período pré-Bolsonaro e que, de certa forma, tateia esse Brasil que nos levou ao agora. “Três Verões” está sendo exibido em festivais desde 2019, porém chegando nesse momento ainda reverbera um olhar muito particular sobre o nosso tempo, e impulsionado pela presença de Regina na TV, pode levar essa história ainda um pouco mais longe. E apesar de esse texto apontar a complexidade do filme, “Três Verões” é na essência uma história de fácil identificação, de caráter simples e acessível e por isso mesmo pode dialogar com um público tão amplo e tão diverso.

A conclusão é que “Três Verões” é filme para se ver em grupo, para se rir e chorar com a família reunida na sala de casa, é filme para se conversar, rir e pensar e debater com os amigos nas salas de Zoom após a sessão. Façam isso o quanto antes e encantem-se com Madá!

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.

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