Entrevista: Rod Krieger

entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa

Durante 15 anos, Rodolfo (Rod) Krieger foi o baixista da banda gaúcha Cachorro Grande e viveu intensamente o espírito rock and roll, num projeto que começou por assimilar a energia dos Rolling Stones e do The Who, entre outros, atingindo posteriormente bastante destaque na cena musical independente do Brasil. No momento em que sentiu estar próxima a ruptura do grupo, Rod decidiu recolher os seus temas e lançar um álbum. “Na Cachorro Grande eu tinha apenas uma canção por disco, por isso acumulei vários rascunhos que ficaram engavetados. Acredito que o universo tenha conspirado para tudo isso acontecer e hoje sinto-me feliz com o momento atual da minha vida”, explica Krieger numa entrevista realizada por e-mail por ocasião do lançamento recente do seu disco de estreia solo, “A Elasticidade do Tempo” (2020).

O álbum seria gravado no estúdio O Canto da Coruja, em Piracaia, no interior de São Paulo, e o título surgiu após uma conversa com Lucinha Barbosa, mulher de Arnaldo Baptista. No trabalho, Rod envereda por uma temática espiritual assente no psicodelismo sessentista, na qual a sua visão criativa e a omnipresença da cítara de Fábio Kidesh sugerem uma viagem sensorial com vários pontos de interesse. Um dos singles, o mantra eletrônico “Louvado Seja Deus”, que aborda a vida pessoal de Rod e a sua adesão a práticas saudáveis, conta com a participação de Arnaldo Baptista, o qual entoa a frase-título (pertencente ao seu álbum solo “Let It Bed”, de 2004, e que Krieger sampleou). Sobre o encontro com o músico dos Mutantes, Rod recorda o estímulo recebido e que o levaria a gravar mais canções. “O Arnaldo foi culpado por me incentivar a dar um passo mais largo, mas não mais do que as pernas podem dar”, conta.

Outros elementos significativos estão presentes nas faixas “Cores Flamejantes” e “Disco Voador”, cuja riqueza sonora e o pendor épico colocam-nas num nível particular dentro do álbum. Quando o questionei sobre uma eventual tentativa de dar mais força às canções para obter uma amplitude sonora superior, Krieger destacou a evolução das gravações e o seu gosto pessoal. “Ambas eram baladas simples, compostas de uma forma crua, apenas piano e guitarra acústica. Elas foram crescendo naturalmente na hora da pré-produção. Gosto muito das gravações de 1967, nas quais as faixas tinham muitas texturas sonoras e foi mais ou menos nesse clima onde eu quis chegar, com certeza elas são as mais psicodélicas do disco”, refere.

Vivendo em Portugal desde 2019, Rod Krieger se apresentou em Janeiro na sala lisboeta Sabotage Club, com o power trio The Telepathic Owls, que lidera, mostrando as novas músicas, versionando temas das suas antigas bandas (Os Efervescentes e a Cachorro Grande) e homenageando o amigo Júpiter Maçã. “Fizemos um show mágico. Optei pelo formato power trio pois queria resgatar um clima com a energia da Jimi Hendrix Experience e do Cream. As músicas ficaram mais longas e têm improvisos, fugindo um pouco do conceito do álbum, dando uma atmosfera mais pesada às canções e levando o público a uma viagem psicodélica. A recetividade foi linda”, conta.

Como o atual cenário de pandemia, ele alterou os planos: a tour que se iniciaria em Lisboa a 4 de Abril (na Fábrica da Musa) e englobava diversas datas no Brasil (no segundo semestre de 2020) e posteriormente na Europa, a possibilidade de apresentar “A Elasticidade do Tempo” nos diversos palcos e cidades definidas foi adiada, mas a vontade de tocar e mostrar o seu trabalho não diminuiu em Rod Krieger. “Hoje minha tour está nas mãos da ciência e eu estou aguardando toda essa loucura passar para poder cair na estrada novamente. Em princípio está tudo bem, o que pode acontecer, se tudo isso demorar, é que a minha tour de estreia deste álbum acabe englobando um segundo trabalho, pois já estou com o embrião do meu próximo disco”, explica.

Para além da componente performativa, o músico gaúcho está preparando o estúdio Magic Beans, com dois sócios brasileiros e um português, que será localizado no centro cultural Arroz Estúdios (uma associação cultural que engloba artistas de várias áreas que colaboram entre si dentro de um espírito coletivo), no bairro lisboeta do Beato. Sobre a escolha do Magic Beans, Rod salienta as diversas possibilidades do espaço e a utilidade para as suas atividades. “Eu estava procurando um lugar para ensaiar e quando surgiu o espaço eu vi a oportunidade de expandir o local, assim, abrindo espaço para bandas ensaiarem e também para eu dar aulas de música e trabalhar nas minhas produções musicais”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Rod Krieger conversou com o Scream & Yell. Confira:

Para começar, em jeito de balanço, poderia dizer quais foram as lições musicais que você adquiriu durante a sua passagem pela Cachorro Grande?
A principal aquisição, penso que foi trabalhar no espírito de coletividade, mesmo que na banda existissem algumas hierarquias. Na Cachorro Grande, eu aprendi a viver na estrada e no estúdio de uma forma mais profissional. Antes, os meus projetos não tinham a mesma grandiosidade nem a mesma projeção. Eu era um artista pequeno de uma cidade pequena quando comparada a São Paulo. De um dia para o outro, fui convidado para entrar no grupo e de uma hora para outra estava fazendo concertos para grandes multidões, gravando discos e fazendo aparições em programas de TV. Uma excelente qualidade do conjunto é que todos somos loucos por música e estávamos sempre compartilhando conhecimentos, consequentemente, adquiri uma bagagem musical imensa que levarei para o resto da vida.

“A Elasticidade do Tempo” parte de um conceito de relatividade temporal, mas várias canções do disco indiciam um convite à espiritualidade. Isso deve-se à adoção de uma visão própria da realidade ou a um momento específico da sua vida?
Todas as alternativas acima. O misticismo e a realidade alternada sempre estiveram presentes na minha vida. Cresci com a espiritualidade a mil, numa família que sempre teve uma diversidade religiosa muito grande e isso acabou me influenciando de um modo geral. Mesmo as músicas que não falam na primeira pessoa estão se dirigindo diretamente à minha essência. Acredito que as letras desse disco sejam um convite a mim mesmo para voltar às minhas origens.

O single “Todos Gostamos de Você” recorda a temática de “Tomorrow Never Knows”, dos Beatles, mas ritmicamente é mais insinuante. Você escolheu esse caminho para enfatizar a mensagem da canção?
Quando eu era criança, a irmã da minha mãe tinha todos os discos dos Beatles e me recordo quando tive acesso à coleção. O primeiro álbum que tive contato foi o Revolver (1966) e esse disco junto com os dos Mutantes são toda a base da minha formação musical. Seria impossível não ter referências desses discos na minha obra solo. Mas, respondendo à sua pergunta, sim, eu escolhi esse caminho para enfatizar a mensagem da canção e no tempero coloquei um pouquinho de Stone Roses.

Como músico brasileiro residente em Portugal desde 2019, eu gostaria de saber se você fez amizades e procurou estabelecer parcerias com músicos ou bandas portuguesas ao longo deste tempo?
O primeiro cara que eu conheci aqui foi o Hélio Morais (integrante das bandas Linda Martini e Paus). Desde o momento em que eu cheguei a Lisboa, ele me tratou de uma maneira incrível. E não só o Hélio, mas também os outros integrantes da Paus. Gosto muito de o ver tocando bateria. Não assisti a tantos concertos de bandas portuguesas como gostaria, mas há uma turma que me chama a atenção: a Solar Corona. Recentemente, escutei o disco do Bruno Pernadas que me chamou muito a atenção.

Levando em conta que vivemos tempos difíceis qual é a sua recomendação para ultrapassarmos da melhor forma esta fase?
Infelizmente, não tenho uma fórmula concreta que seja padrão para a sociedade em geral. Aquilo que estamos passando é uma experiência nova para todos e é preciso que mantenhamos a sanidade e, às vezes, o que é melhor para alguns nem sempre é bom para os outros. Mas sugiro às autoridades mundiais que revejam as leis sobre o uso recreativo da cannabis.

Quais são os seus planos futuros?
Enquanto essa pandemia estiver por aí vou continuar a divulgação virtual do meu álbum e trabalhar em algumas canções novas. Também estou produzindo o disco de um artista português, Eduardo Silva, residente do Arroz Estúdios, e dando aulas de música via web. Quando essa loucura toda passar pretendo dar um mergulho no mar.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.



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