Ao vivo: Jesus and Mary Chain enfim fazem um bom show em SP

Texto por Marcelo Costa
Fotos por Fernando Yokota

Enfim, o Jesus and Mary Chain entregou um grande show para os brasileiros. Demorou quase 30 anos: no Projeto SP, em São Paulo, em 1990, o baixo “desistiu” de tocar em diversas canções, o que fez com que a banda aumentasse a raiva e o show perdesse foco. No Planeta Terra 2008, a banda soou capenga e até certinha demais. Já no Festival Cultura Inglesa 2014, os irmãos Reid erraram quase tudo que podiam – até a intro de “Just Like Honey”. Desta vez, no aniversário de 10 anos da Popload Gig, de Lúcio Ribeiro, o público saiu surdo… e sorrindo.

Desanimados com a canhestrice dos shows anteriores, muitos fãs não se esforçaram para ver os irmãos desta vez alegando que seria “mais um show do Jesus and Mary Chain sendo Jesus and Mary Chain”, ou seja, decepcionando ao vivo. Ainda assim, os ingressos para a pista do Tropical Butantã se esgotaram, restando aos aventureiros de última hora investir no camarote (ou na mão de cambistas). A questão é que se até o Strokes, que é uma piada sem graça ao vivo, fez um (único) grande show em São Paulo, por que não o Jesus and Mary Chain?

Com pouco menos de 15 minutos de atraso, os irmãos Reid entraram no palco acompanhados de Scott Von Ryper (guitarra base), Brian Young (bateria) e Mark Crozer (baixo), formação que está tocando junta desde 2015, uma das coisas que ajuda a explicar o entrosamento do grupo ao vivo na atualidade (a outra é o abandono do álcool para disfarçar a timidez: “Não ficamos mais loucos bêbados no palco”, confirmou Jim Reid em entrevista ao Estadão). De cara, o quinteto mandou uma faixa “nova”, “Amputation”, que também abre o bom álbum “Damage and Joy” (2017).

Na sequencia, hits deliciosos entorpecidos por microfonia cristalina (a sonoridade impecável fazia duvidar que o show estava acontecendo no Tropical Butantã, local tradicional por sua péssima acústica) fizeram os fãs se beliscarem: “April Skies”, de “Darklands” (1987), e “Head On”, de “Automatic” (1989) – a faixa que Frank Black considerava tão boa que dois anos depois a regravou num disco oficial do Pixies – mostraram que um momento raro estava acontecendo em São Paulo, sensação que “Blues From a Gun” (outra do álbum “Automatic”) ampliou, com a guitarra motosserra de William fatiando o ar.

Ainda assim, para não dar zica, é melhor só gritar “gol” com a bola na rede. Então vieram mais duas faixas de “Damage and Joy”, que somaria cinco das 20 canções da noite (ausência sentida para o single “Always Sad”, insistentemente pedido pela plateia, para surpresa do vocalista Jim) e uma alternância de clássicos do indie noise como “Far Gone and Out”, “Taste of Cindy”, “The Living End”, “Never Understand” e uma impecável versão de “Some Candy Talking” (que corrige a versão tosca tocada no Planeta Terra 2008) e nada menos do que oito minutos de “Reverence” numa tempestade de riffs e microfonia altíssima.

Para desespero dos fotógrafos, a luz favorecia a penumbra, e era mais fácil perceber vultos no palco do que notar detalhes das pessoas que o ocupavam. Num canto, absorto em seus pedais, William Reid praticamente fazia um show particular, para ele mesmo, entrando muitas vezes acima (bem acima) dos demais instrumentos para fazer sangrar o ouvido do fã desavisado. No centro, Jim agradecia timidamente os aplausos da audiência após cada canção, e, em vários momentos, ensaiava comemorar um gol diante da resposta dos fãs, com o braço estendido ao alto.

O sorriso era visível no rosto dos presentes, mas conversar com o amiguinho do lado não era das tarefas mais fáceis, ainda mais quando William aumentava o volume de sua guitarra (em alguns momentos, Jim até pediu para o irmão abaixar um pouquinho o volume, e aparentemente não foi entendido). Para o bis, “Just Like Honey” surgiu em sua melhor versão no Brasil neste século, agraciada com a participação de uma backing vocal que, assim como Scarlett Johansson no Coachella, não foi apresentada.

“Cracking Up” colocou fogo no parquinho, e “In a Hole” aumentou a intensidade do incêndio. Um dos raros equívocos do set, “War on Peace”, das faixas mais fracas de “Damage and Joy”, jogou um pouco de água fria no público, mas bastou a bateria galopante de “I Hate Rock’n’Roll” surgir para que os fãs levassem as mãos ao céus e gritassem a letra encerrando uma noite inesquecível, onde a alta microfonia fez muita gente ir para o metrô com o ouvido zunindo e a certeza de que, enfim, o Jesus and Mary Chain entregou um grande show para os brasileiros. Amém!

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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