Balanção do Planeta Terra 2008

Texto por Marcelo Costa
Fotos por Liliane Callegari

Em sua segunda edição, o festival Planeta Terra voltou a repetir a produção impecável do ano anterior, com um leve descuido na sonoridade dos palcos (no principal, na frente o som era bom, e no fundo uma porcaria – e o inverso aconteceu no Indie Stage), mas muita organização para um público excelente de mais de 15 mil pessoas. No geral, os shows do palco indie superaram com facilidade – e muito barulho – as atrações do palco principal, e o Jesus and Mary Chain não jogou sua história pelo ralo, como muitos esperavam.

Devido ao esquenta de sexta, com um bom show do Mombojó no Studio SP, e dezenas de cervejas, acordei abençoado por uma ressaca fenomenal cujo resultado mais significativo foi o corte das atrações da minha lista pessoal. O plano era chegar para Curumin, mas entrei na Vila dos Galpões exatamente no momento em que a fofa Mallu Magalhães encerrava seu set. Ela desafina demais, toca Beatles e Johnny Cash e mostra que ainda tem muito a aprender.

E então Jesus surgiu. E tocou o mesmo set-list apresentado em Buenos Aires na semana passada. Quatro canções do “Automatic”, três do “Honey’s Dead”, três canções que apareceram apenas na coletânea “21 Singles” (e agora no box “The Power of Negative Thinking”) e apenas uma de cada um dos clássicos “Psychocandy”, “Darklands” e do ótimo “Munky”. E uma inédita, “Kennedy Song”. A expectativa era de um show decepcionante, comum a carreira do grupo, mas até que eles se saíram bem.

“Snakedriver” abriu a noite seguida de “Head On”, ambas prejudicadas com o acerto de som, com a bateria lá em cima, e as guitarras no chão, situação que ainda marcou “Far Gone & Out” e “Between Planet”. Em “Blues From a Gun” o som melhorou, mas já dava para perceber qualé a do grupo. William Reid namorava os amplis Marshall enquanto despejava microfonia sobre o público. Jim canta bem e como apresentação foi tudo correto, no lugar, o que em se tratando de Jesus pode ser gol contra.

“Just Like Honey” soou capenga, e canções mais lentas – e bonitas – como “Some Candy Talking” e “Teenage Lust” parecem feitas para apresentações mínimas e acústicas e não para um palco enorme e aberto. “Happy When it Rains”, “Sidewalking”, “Cracking Up” e “Reverence” mostraram vitalidade, mas a banda soa certinha demais ao vivo. No fim fica a impressão de termos visto um bom show. Só isso? Só. O problema é que todos esperam mais do que um bom show do Jesus and Mary Chain. Expectativa, como diria outro, é uma m****.

Pensei em conferir alguns momentos do Animal Collective, mas fiquei no pensamento. Troquei o Foals por um hot-dog e uma H20 sabor Maçã com Limão na boa Praça de Alimentação do evento, e de certo modo me arrependo. Vários amigos definiram o show como “intenso” e o classificaram como uma das grandes apresentações da noite. Ok, não se ganha todas. De consciência limpa, deixei o Offspring de lado (embora eu quisesse muito ouvir/ver “Come Out and Play” e “Pretty Fly (For a White Guy)”) e fui ao Indie Stage presenciar um dos shows do ano em terras brasileiras.

Comandados pelo vocalista/guitarrista com jeito de demente Britt Daniel, o grupo texano Spoon mostrou um rock de altíssima qualidade aos brasileiros. Com canções centradas no ótimo “Ga Ga Ga Ga Ga Ga” (2007), o Spoon parece melodicamente furioso como Nick Cave quando acompanhado pelos Bad Seeds e Jon Spencer Blues Explosion. A tríade “Don’t You Evah”, “You Got Yr. Cherry Bomb” e “Don’t Make a Target” (todas de “Ga Ga Ga Ga Ga Ga”) empolgaram enquanto “The Ghost Of You Lingers” mostrou que é possível fazer rock com piano, baixo, bateria e voz (sem guitarra) sem soar chato.

No entanto, a guitarra de Britt Daniel é uma estrela a parte num show do Spoon. De riffs secos, fortes e extremamente limpos, o guitarrista impressiona. Ainda houve espaço para “The Beast And Dragon, Adored” e “My Mathematical Mind”, ambas do álbum “Gimme Fiction” (2005), “The Way We Get By”, de “Kill The Moonlight” (2002) e “Black Like Me” (outra do “Ga Ga Ga Ga Ga”) apresentada como “Black Like Mr. President” . O grande momento da noite foi “The Underdog”, que mesmo sem os metais característicos da canção, se mostrou perfeita e empolgante. Um show chapante no limite entre o melódico e o furioso.

No palco principal, pelo telão, era possível ver o Bloc Party se aquecendo no backstage para enfrentar o público após o fiasco do playback no VMB. De bermudinha e boné, o vocalista Kele Okereke adentrou ao palco sobre uma base eletrônica e introduziu a poderosa “Hunting For Witches”, em versão tão fraquinha que deu dó. O som das guitarras estava em algum outro lugar, mas não no palco do Bloc Party. O baterista Matt Tong errou viradas na segunda música, e tudo pareceu extremamente constrangedor.

Durante a apresentação, Kele se desculpou pelo acontecido no VMB esperando que o show consertasse as coisas, mas não tive paciência para esperar (pelo jeito, iria demorar mais que acertar sozinho na megasena), e quatro músicas depois já estava no Indie Stage aguardando as irmãs Deal e o Breeders, torcendo internamente para que elas tocassem “Gigantic”, do Pixies, que infelizmente não rolou. Mesmo assim foi uma grande apresentação, alternando momentos divertidíssimos com bobagens dispensáveis numa relação final de muitos altos e alguns baixos.

Extremamente sorridente, bastante acima do peso e bebendo cerveja sem álcool, Kim comandou a noite com maestria. Centrando o repertório da noite nos dois primeiros álbuns do grupo (”Pod”, de 1990, e “Last Splash”, de 1993), deixando raros momentos para coisas do fraco novo álbum “Mountain Battles” (como o bis com a bonita “Regalame Esta Noche”, cantada pela irmã Kelly em espanhol) e pequenas raridades como “Tipp City”, do projeto The Amps, “Shocker In Gloomtown”, cover do Guided by Voices, e “Happiness Is a Warm Gun”, dos Beatles.

Os momentos de festa e histeria, porém, foram causados por pepitas do álbum “Last Splash” como “No Aloha”¸ “Divine Hammer”, “I Just Wanna Get Along”, “Saints” e uma versão deliciosa de “Drivin’ On 9? (com Kelly Deal no violino), sem contar, claro, o grande hit “Cannonball”. Muito mais em forma que a irmã, Kelly exibia com orgulho sua camiseta com um desenho do rosto do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, enquanto o baterista José Medeles surpreendia com sua mão pesada no lado direito do palco. Grande show.

No palco principal ainda faltava o KaiserChiefs, mas a vontade era de ir embora. Abandonei a banda na metade do show em Werchter e no T In The Park só precisei dar umas duas olhadas no palco para decidir ver outro show. Mesmo assim a apresentação em São Paulo foi boa. As grandes canções do álbum de estréia do grupo (”Everyday I Love You Less and Less”, “Modern Away”, “Na Na Na Na Na” e “I Predict a Riot”) perdem muita força ao vivo, mas mantém um certo frescor, algo que a excelente “Ruby”, do segundo disco, já não consegue. Fica a impressão que eles – assim como o Bloc Party – são muito melhores em estúdio. Melhor ouvir os discos.

Com duas edições, o Planeta Terra ainda tateia em busca de personalidade, mas já mostra um grande avanço de escalação entre esta segunda edição e a do ano passado, que foi encerrada pelo pífio Kasabian. A Vila dos Galpões é um achado para abrigar um festival desse porte, e em termos estruturais o festival se fixa como um dos melhores do país numa noite marcada por duas lendárias bandas de irmãos e um banho do Palco Indie sobre o Main Stage. Que venha a terceira edição.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é fotógrafa e arquiteta. Veja galeria de fotos dos shows aqui

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