Daughters ao vivo em São Paulo

Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota

O Daughters é uma banda que paira entre o noise, o punk e qualquer outro subgênero bem barulhento. No domingo (13/05), na Fabrique, em São Paulo, o grupo norte-americano se apresentou pela primeira vez no Brasil, em um show alucinante – no melhor dos sentidos. Em entrevista ao Scream & Yell, o vocalista Alexis SF Marshall disse que “não há uma única palavra que resuma o Daughters”, mesmo assim, nesse texto tentaremos encontrar algumas palavras para resumir o que houve nessa noite.

Organizado pela Balaclava Records – que dia desses trouxe o Ride e o Cloud Nothings ao Brasil –, a noite abriu com o ótima Odradek, banda piracicabana de math rock, que tocou faixas de seus três discos – “Pentimento” (2018), “Sun Seeker” (2016) e “Homúnculo” (2015) – além de uma excelente faixa inédita. Com força e barulho, eles cativaram o público, que até pediu bis, em uma apresentação curta, mas que sedimentou o terreno para o que viria a seguir.

O público que lotava o Fabrique (numa noite que quase alcançou a lotação máxima da apresentação de Courtney Barnett – ficou apenas pouco abaixo) era bastante masculino, mesmo assim diverso, indo desde os headbangers clássicos até a galera do indie ou alternativa, o que corrobora a complexidade de classificar o Daughters em qualquer janela, já que eles transitam entre o punk, o metal e o noise de forma quase debochada.

Esse mesmo público que lotava o espaço esgotou as camisetas oficiais da banda, que eram vendidas na entrada por R$ 80 – na hora que os americanos do Daughters subiram ao palco, muitos fãs na plateia já estavam vestidos com suas camisetas estampas com a assombrosa figura da capa de “You Won’t Get Wath You Want”, ótimo disco de 2018, que marca o retorno da banda, depois de um hiato de 8 anos.

Pouco depois das 21h, o Daughters subiu ao palco para apresentar, majoritariamente, as canções do último disco. Abrindo com “The Reason They Hate Me”, já ficou claro logo de cara que esse não seria um show de rock comum. O som altíssimo, uma plateia em êxtase e uma banda pronta para ir para onde quer que fosse – especialmente o vocalista Alexis, com sua usual estranheza. Alexis tem algo de Iggy Pop em seus momentos mais malucos, pois a cada momento ele vai por caminhos inesperados, que passam de se bater repetidamente com o microfone sobre as costelas até se arranhar na barriga.

Há um jogo quase sexual entre banda e plateia: é como se Alexis fosse uma espécie de mestre dominador e todos nós fôssemos apenas submissos a ele – em determinados momentos até sua banda parece ser submissa aos arroubos do vocalista. Alexis cospe pelo palco, enfia a mão e o microfone na boca, morde o pedestal do microfone, puxa os cabelos dos integrantes da banda, beija fãs na plateia e até lambe algumas mãos que surge em sua direção. É como uma espécie de show de BDSM ao vivo, tudo ao som de muito barulho e muita raiva. E a plateia responde a tudo isso de forma passional, já que a cada momento em que Alexis se aproximava do público, as mãos subiam, pessoas se aglomeravam e tentavam de alguma forma encostar nele, sentir qualquer coisa relativa aquela energia que ele emanava.

Repetidas vezes as pessoas subiram ao palco para se jogar sobre a plateia, assim como Alexis se jogou algumas vezes. O vocalista ainda chutou caixas de som, bateu microfones para lá e para cá – microfones no plural mesmo, pois ele tinha diversos pelo palco, para aguentar todas as estripulias. Faixas como “Satan In The Wait”, “Long Road, No Turns” e “Daughter” ganharam ainda mais força ao vivo, mostrando alguma espécie de poder que derivava do barulho altíssimo. O final do show, com “Ocean Song”, foi para quebrar tudo de vez e provar que o Daughters é uma banda a se temer.

Saindo da Fabrique, ouvidos a zumbir, as camisetas piratas feitas pelos ambulantes na frente do local também já estavam a esgotar – parece que grande parte do público queria levar algum tipo de memória dessa noite para casa. Uma experiência violenta dessas faz até parecer que o rock não morreu e que ele ainda faz bastante sentido, só é complicado saber como começar uma semana normal de trabalho depois de um show desses. É dar play novamente no “You Won’t Get What You Want” e seguir alimentando esse zumbido que permanece aqui no ouvido.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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