Ao vivo: Ride brilha no Balaclava Fest

Texto por Marcelo Costa
Fotos por Fernando Yokota

Selo e produtora que se firmou como um dos principais agitadores musicais do cenário paulistano destes anos cinza, a Balaclava Records celebrou no último sábado de abril mais uma edição de seu Balaclava Fest, desta vez com oito bandas divididas em dois palcos somando quase sete horas de música na Audio, em São Paulo – um show acabava num palco e o outro começa a soar. E se questão de duas semanas atrás, o headliner de um Balaclava Apresenta havia sucumbido perante a força de uma agremiação mineira, desta vez não teve jeito: o headliner foi, disparado, o grande show da noite (do mês, do semestre e já aguardando posição entre os grandes shows de 2019).

A tarefa, porém, foi facilitada. Até a entrada do quarteto britânico shoegaze Ride no palco, às 23h10 (pontualmente), o Balaclava Fest 2019 tinha mostrado alguns bons shows, mas nada absolutamente inesquecível, digno de constar num papo de mesa de bar em 2029: “Lembra aquele show de fulano de 10 anos atrás? Foi foda!!!”. Aos curitibanos da Tuyo coube a função de dar o pontapé inicial na festa, e eles mostraram seu new folk agridoce que vem cativando um bom público. Na sequencia, no palco principal, o Terno Rei colheu a boa repercussão do álbum “Violeta” mostrando um space pop praticamente robótico e executado sem tanta emoção para um público emocionado.

A coisa toda começou a andar de verdade quanto a cantora camaronesa, baseada em Nova York, Laetitia Tamko, aka Vagabon, assumiu o microfone acompanhada apenas de sua guitarra mostrando canções de seu álbum de estreia, o bonito “Infinite Worlds” (2017). Laetitia alternava a melancolia dramática de canções como “Cold Apartament” (que abriu a noite) com a doçura quase tímida e divertida de sua voz delicada nos intervalos: “Essa é a minha primeira vez no Brasil. Isso é doido”, comentou para deleite e risos do bom público presente mantendo esse jogo de sedução (que Damon Krukowski eleva a perfeição nos shows com Naomi Yang) durante os 40 minutos de seu belo set. 

Após realizar um show apoteótico no Breve na noite interior (com direito a lágrimas pela surpresa de encontrar um público tão fiel cantando quase todas as canções e declarações apaixonadas de amor rock and roll por diversos presentes nas redes sociais), Elizabeth Powell trouxe seu Land of Talk para mais uma noite de entrega, suor e sorrisos. O som é indie rock safra anos 90 que ganha ainda mais impacto na força que emana de Elizabeth no palco, uma mulher para quem “the future is female” desde 2008, quando ela estreou com o elogiado “Some Are Lakes”. No Balaclava, ela tocou canções de seus três álbuns, de EPs e até uma musica nova de um vindouro novo disco num show barulhento e apaixonado. Fique de olho.

Responsável por um dos grandes discos de 2018, “Azul Moderno” (recentemente editado em vinil pelo clube NoiZe Record Club), Luiza Lian manteve no Balaclava Fest a mesma formação de seu recente show elogiado no Lollapalooza Brasil, surgindo acompanhada apenas de Charles Tixier, seu “homem-banda”, nas programações. E é interessante perceber que a estética desse show funciona muito bem nos dois ambientes distantes (macro e micro), com Luiza performando suas canções repletas de experimentalismo e espiritualidade e soando como uma jovem Clara Nunes que pisca o olho para a modernidade sem largar a mão de sua ancestralidade, tudo isso embalado por batidas dançantes psicodélicas. Grande show!

Após estes três últimos e ótimos shows, surgiu o Wild Nothing querendo levar o público de volta aos anos 80, e deu certa preguiça de entrar na máquina do tempo com uma banda que enfileira quase todos os instrumentos na beirada do palco (exceção da bateria, ao fundo), inclusive um tecladista tocando de regata e alternando-se ainda com um sax soprano. A imagem causa até calafrios, mas isso é preconceito crítico, porque o bom público dançou bastante enquanto a velha guarda grisalha que aguardava o Ride fazia conexões: “Se fossem estilosos, poderiam ser o Lloyd Cole and The Commotions da Virginia”, dizia um. “Que nada, para mim eles estão na vibe das bandas australianas, tipo Spy vs Spy”, comentava outro. Na dúvida, uma saída para respirar a brisa noturna.

Sonoramente, o How To Dress Well foi uma das coisas mais interessantes do festival, ainda que o homem banda Tom Krell seja daqueles que trazem o show e as projeções prontinhas num pendrive, e se esforce para convencer o público que está fazendo tudo ao vivo. Com os pés fincados na eletrônica, ele combina elementos de alternative r&b, ambient e experimental music além, claro, de fortes referencias a Nine Inch Nais. Um passante comemorava: “O vi na Europa tocando num festival para 20 mil pessoas! Olha ele aqui diante de 20” (o show começou quando o Wild Nothing ainda estava na metade do seu set, e a audiência foi aumentando conforme o show prosseguia).

Até então, o festival estava se provando um ótimo passatempo para um sábado à noite em São Paulo, ainda que refrigerante a R$ 10 e Budweiser de 269 ml a R$ 12 não combinem com diversão –aliás, nas peças publicitárias, a marca de cerveja tentava emplacar a história de que não era apenas apoiadora de eventos de música, mas sim parceira. Então um brinde aos “parceiros” que cobram quatro vezes mais por algo (em lojas online, a Budweiser de 269 ml é vendida por R$ 2,99). Da parte de comida, um food truck oferecia ótimos hambúrgueres com preço equivalente ao de rua (de R$ 20 a R$ 25), mas tempo de entrega inaceitável: “40 minutos: você pede agora, vai ver o show e quando acabar, volta aqui para retirar”, dizia o homem-caixa. Ok.

Após 5 horas e 10 minutos do início do primeiro show do dia, o Ride estava a postos para debutar no Brasil. Formada em 1988 em Oxford, Inglaterra, com sua discografia clássica (os quatro primeiros álbuns: “Nowhere”, 1990; “Going Blank Again”, 1992; “Carnival of Light”, 1994 e “Tarantula”, 1996) lançada pelo mítico selo Creation e uma das bandas símbolos do movimento shoegaze ao lado do My Bloody Valentine, o Ride encerrou as atividades em 1996, fez uma breve reunião em 2001 mantendo-se em silêncio até 2014, quando retomou folego para um álbum de inéditas, “Weather Diaries”, de 2017 – agora eles estão ás vésperas de lançar um disco novo, “This Is Not a Safe Place”, e o vocalista Mark Gardener explica: “Não creio que seja uma volta ao passado. Mas alguns ecos do que um dia já fomos”.

Comebacks são sempre uma incógnita. Diversos fatores fazem uma banda retomar as atividades, e a principal questão sempre é a de fazer o máximo para não desonrar um passado glorioso. O Echo and The Bunnymen conseguiu nos primeiros discos, mas hoje é apenas uma pálida lembrança do que já foi. Blur, Suede e Pulp, por sua vez, mostraram pique renovado. Como será que estaria o Ride? Como será que estaria a voz de Mark Gardener se a de Liam Gallagher foi pro além faz um bom tempo? Como estaria a parte noise da banda? Como estaria Andy Bell de volta ao seu posto de origem após peregrinar por Hurricane #1, Oasis e Beady Eye (inclusive deixando um rastro de canções próprias nos dois últimos)? Como se portaria o redivivo Ride no palco?

Bastaram alguns segundos de “Future Love”, o novo single em sua terceira execução ao vivo, para mostrar que havia pique de sobra para o quarteto. Mas foi “Seagull”, de “Nowhere”, a terceira do set, que realmente mostrou que o Ride não só havia envelhecido com dignidade, como estava com pique de adolescente divertindo-se com um arsenal de pedais e Rickenbakers. Dai pra frente, canções como “Twisterella”, “Vapour Trail” e “Chrome Waves” foram recebidas como se fossem gols em uma final de campeonato: os fãs urravam e davam socos no ar enquanto o quarteto (que ainda conta com a mão segura de Laurence Colbert na bateria e o quieto Steve Queralt no baixo) descia mais lenha pra fogueira.

O clássico “Nowhere” foi a base do set cedendo seis canções, com “Going Blank Again” aparecendo com mais três. Entre as 17 do set list, boas surpresas como “Chelsea Girl” (do “Ride EP”, de 1990) e “Like a Daydream” (do EP “Play”, também de 1990 e pré “Nowhere”). A nova fase foi representada por cinco canções, duas de “Weather Diaries” (2017), duas de “This Is Not a Safe Place” (2019) e mais “Catch You Dreaming”, do EP “Tomorrow’s Shore” (2018), no segundo bis. Quem esperava uma banda presa ao passado teve interessantes vislumbres do futuro além de ganhar um daqueles shows que têm potencial para resistir ao tempo, e ser rememorado daqui uma década. A torcida, porém, é para que este tenha sido apenas o primeiro show do Ride no Brasil, e que eles voltem logo para mais e mais e mais.

O saldo final foi positivo com Vagabon merecendo uma apresentação só dela acompanhada de banda, Land of Talk merecendo muito voltar quando o disco novo sair e Luiza Lian absolutamente madura no palco além do Ride, irrepreensível. De resto, a Balaclava não para! Dia 09 de maio, o selo promove o show dos nova-iorquinos do A Place to Bury Strangers no Centro Cultural São Paulo. Três dias depois, 12 de maio, haverá Daughters no Fabrique. Fique de olho nas redes deles porque dessa turma sai bastante coisa boa.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.