Boteco: Seis cervejas da Bodebrown

por Marcelo Costa

Abrindo uma nova série da premiada cervejaria curitibana Bodebrown com a Perigosa Baby, versão Session IPA de um dos rótulos mais conhecidos e respeitados da casa, que aqui utiliza os lúpulos Galaxy e Equinox turbinando, inclusive, o duplo dry-hopping. De coloração amarela clarinha com creme branco de boa formação e média baixa permanência, a Perigosa Baby traz no aroma a força dos dois lúpulos oferecendo uma feira de notas cítricas (maracujá, abacaxi, limão, manga e laranja) e herbais (pinho) que apagam os possíveis rastros de malte, que ficam na superfície, distantes e pouco identificáveis. Na boca, textura bastante leve e suavemente frisante. O primeiro toque reforça o domínio dos lúpulos com forte acento cítrico (limão e abacaxi) seguidos de amargor médio e eficiente abrindo as portas para um conjunto bastante leve, refrescante e agradável, que segue até o final, simplesinho, oferecendo cítrico e herbal. No retrogosto, discreto cítrico e herbal numa bela Session IPA.

Segunda Bodebrown da sequencia, a Victoria’s Secret IPA destaca o uso do lúpulo australiano Vic Secret, da região de Victoria, o que permite a brincadeira do título e do rótulo com a rede de lojas famosa por suas modelos Angel. Na taça, uma cerveja de coloração âmbar turva e acastanhada com creme levemente alaranjado de boa formação e permanência. No nariz, notas frutadas cítricas (tangerina, maracujá e manga), doçura de caramelo e algo interessante que trouxe café, delicado, mas presente. Na boca, a textura cremosa. O primeiro toque exibe o lúpulo em destaque com notas suavemente cítricas (tangerina e manga) seguidas de sugestão de biscoito e um amargor eficiente (40 de IBU muito bem empregados). Dai pra frente, um conjunto bastante agradável, com o lúpulo Vic Secret acrescentando características agradáveis ao conjunto, que finaliza levemente cítrico. No retrogosto, bastante cítrico e suave caramelo. Delícia.

Uma das estrelas do estande da Bodebrown no Mondial de La Biere 2014, no Rio de Janeiro, a Saison Apricot Tonight ganha versão engarrafada. Na receita, adição de pêssego e damasco. De coloração amarela com bastante turbidez e creme branco de ótima formação e permanência, a Bodebrown Saison Apricot Tonight apresenta um aroma caprichado com notas frutas (tanto o damasco quanto o pêssego saltam para fora da taça), doçura maltada e a acidez arisca típica de toda Saison belga. Na boca, a textura é levemente frisante. Na boca, a levedura chega junto com as frutas oferecendo azedume suave e acidez ao lado de damasco, no começo, e calda de pêssego na sequencia, que se mistura ao amargor turbinado pela acidez abrindo as portas para um conjunto arisco e delicioso, com as frutas temperando com capricho um perfil rebelde e provocante. O final é seco e refrescante. No retrogosto, mais damasco do que pêssego. Delícia!

Medalha de Ouro no Mondial de La Biere 2014, em Montreal, a Bodebrown Cacau Wee é uma revisão da primeira (elogiada) cerveja da casa, a Wee Heavy, que aqui recebe sete maltes, levedura escocesa e adições generosas de cacau brasileiro (pedaços da semente do Cacau com tosta controlada) de Ilhéus, na Bahia. Ou seja, é uma Wee Heavy com Cacau. De coloração marrom escuro com creme bege claro de ótima formação e longa retenção, a Cacau Wee exibe um aroma absolutamente maravilhoso de… cacau… seguido de caramelo, baunilha, chocolate, toffee e leve turfado. Na boca, textura sedosa (impressionante como até aqui, nada dos 8% de álcool!). O primeiro toque reforça direitinho o que o aroma adiantou detalhadamente com, enfim, um tiquinho de álcool meio que avisando o bebedor pra tomar cuidado (tipo ponta de iceberg). O amargor praticamente não existe e, dai pra frente, o barco segue rumo ao final com um rastro suave de turfa morrendo ao lado do chocolate. No retrogosto, turfa suave, cacau e baunilha. Que delícia!

Agora o negócio ficou bastante sério: primeira representante da Wood Aged Series da casa, a Atomga Cherry é uma Russian Imperial Stout cuja receita foi desenvolvida em parceria com os cervejeiros norte-americanos da Great Divide Brewing Company, de Denver, no Colorado (aqui pelo site já passou a belíssima Hercules Double IPA deles). Essa Atomga Cherry matura 10 meses em barricas de carvalho norte-americano antes usadas para maturar Bourbon e vinho tinto da Serra Gaúcha recebendo doses sutis de cereja no período final de envelhecimento. No rótulo, os cervejeiros provocam: “Não recomendamos abrir antes de 2026”. Por isso é sempre aconselhável conseguir duas garrafas dessa disputada série: uma delas pra descumprir a regra e abrir agora (aproveitando o friozinho do inverno para bebê-la em quase temperatura ambiente), e outra pra aceitar a recomendação e abrir daqui uns 10 anos.

Partindo do plano de duas garrafas (vou esconder a outra e torcer para encontra-la daqui 10 anos), ao abrir a primeira Atomga Cherry (garrafa 266 de 1700) encontra-se uma cerveja de coloração marrom escura quase preta com creme bege escuro espesso de ótima formação e retenção para o estilo. No nariz, uma deliciosa oferta de aromas sugerem ameixas, baunilha, chocolate, Bourbon, álcool e suave presença de cerejas. Na boca, a textura é sedosa e um tiquinho picante (de álcool e acidez). O primeiro toque traz doçura (baunilha) banhada suavemente em Bourbon com o aquecimento aumentando conforme o percurso segue trazendo ameixa, chocolate e álcool. O amargor é alcoólico e abre as portas para um conjunto incrível em que a cereja, coadjuvante até então, se mostra mais presente, ainda que de forma delicada, acrescentando frutado e acidez. O final é alcoólico e amadeirado. No retrogosto, acidez, Bourbon, calor e amor. Divina.

Fechando a série com a Atomga Cacau 2014 (garrafa 1125 de 1300), que recebeu adição de nibis de cacau (semente de cacau com tosta média) de Ilhéus, na Bahia, e chocolate sem lactose proveniente da Costa Rica, depois passando por um processo de envelhecimento (sem passar por barril) de 18 meses na própria garrafa, resultando numa cerveja, semelhante à anterior, de coloração marrom escura quase preta com creme bege escuro espesso de ótima formação e retenção para o estilo. No nariz, porém, o aroma delicioso se resume a chocolate levemente (e deliciosamente) amargo com discreta percepção dos 10% de álcool. Na boca, a textura é sedosa e alcoólica (picante). O primeiro toque reforça a percepção de chocolate amargo acrescentando logo na sequencia baunilha e álcool (nada agressivo, muito pelo contrário). O final é levemente achocolatado com suave presença de álcool, conjunto que se repete no retrogosto.

Balanço
Premiada no Festival Brasileiro de Cerveja 2016, a Perigosa Baby é uma Session IPA excelente que só tem um “defeito”: o preço. Pra beber de balde (como as Session IPAs se propõe) fica pesado pagar de R$ 17 a R$ 19 como ela vem custando por ai. Mas a receita tá um chá de lúpulos, uma belezura. A Bodebrown Victoria’s Secret IPA explora de maneira caprichada o novo lúpulo australiano Vic Secret resultando em uma cerveja bastante cítrica e com malte exposto que impressiona o bebedor. Um capricho! A Bodebrown Saison Apricot Tonight continua na garrafa tão boa quanto estava na pressão no Mondial de La Biere 2014, no Rio, quando foi um dos destaques, e é uma aula de como adicionar frutas sem prejudicar o perfil atrevido do estilo. Bela Saison! A quarta da sequencia é a apaixonante Bodebrown Cacau Wee, uma Wee Heavy turbinada com cacau de Ilhéus que ficou absolutamente incrível. Drinkability ótimo, 8% de álcool inexistentes, muito chocolate e baunilha além de um suave turfado acrescentando um colorido. Uau! Primeira da linha Wood Aged Series 2015 da Bodebrown, a Atomga Cherry é uma incrível Russian Imperial Stout que une madeira, Bourbon, baunilha e cereja de forma inspiradora. Uau (parte 2). Fechando o sexteto com a Atomga Cacau, que não passa por barris de madeira, mas ficou 18 meses envelhecendo na própria garrafa. Diferente da Cherry, que provoca o bebedor com uma variedade incrível de aromas e sabores, a Atomga Cacau se restringe a chocolate (levemente amargo) e, ainda assim, me agradou mais que a Cherry. Quem dera ter um barril só pra mim aqui em casa 😀

Bodebrown Perigosa Baby
– Estilo: Session IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3,4%
– Nota: 3,10/5

Bodebrown Victoria’s Secret IPA
– Estilo: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,4%
– Nota: 3,49/5

Bodebrown Saison Apricot Tonight
– Estilo: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,52/5

Bodebrown Cacau Wee
– Estilo: Strong Scotch Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,95/5

Bodebrown Atomga Cherry
– Estilo: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4,39/5

Bodebrown Atomga Cacau
– Estilo: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4,40/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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