Três perguntas: Letuce fala sobre “Estilhaça”

por Jorge Wagner

No começo de julho, a banda carioca Letuce divulgou o single “Lugar Para Dois”, primeira amostra do iminente “Estilhaça” – terceiro disco do grupo e o primeiro a contar com a participação do DJ carioca João Brasil, no papel de produtor. Trata-se não apenas da primeira faixa inédita do Letuce em três anos, como também a primeira a registrar seu atual momento, sem o rótulo de “banda do casal Lucas Vasconcellos, guitarrista, e Letícia Novaes, cantora”.

Com o fim do relacionamento amoroso entre os dois, em 2013, mas não da parceria musical, os demais membros – Thomas Harres, Fábio Lima e Arthur Braganti (bateria, baixo e teclado, respectivamente) – também passaram a fazer parte do processo criativo, num “passo natural, muito divertido e includente”, garante Lucas.

Marcando o lançamento do single, batemos um breve papo com o guitarrista, que falou sobre o impacto dos acontecimentos dos últimos anos sobre a banda, a metamorfose sonora sofrida por “Lugar Para Dois” de sua composição até a versão final e a estreia de João Brasil na produção. Confira:

Muita coisa rolou com a Letuce desde o lançamento do “Manja Perene”, em 2012: o fim do seu relacionamento com a Letícia, os shows em Portugal, os shows do Tru & Tro com sua Corja (projeto de Letícia Novaes com o tecladista Arthur Braganti e os músicos Lou Caldeira, Paulo Dantas e Thiago Vivas), seu disco solo (“Falo de Coração”, 2013), seus trabalhos como produtor (com, entre outros, Lila e Mohandas). O quanto esse período e essa movimentação toda transformou o que a gente conhecia como a Letuce?
Tudo muda o tempo todo no mundo. Isso é uma verdade metabólica. Com um trabalho artístico não é diferente. Pra dar novos passos a gente se reinventa a todo momento. Letuce não é um projeto (pelo menos pra mim) onde seja imprescindível manter uma “marca” ou ter uma estética definida e traçada. Sei que isso pode muitas vezes confundir mais do que ajudar, mas é assim que eu sinto e pretendo ser honesto em relação a isso sempre. Quando começamos, eu e Letícia tínhamos esse processo de composição entre a gente e levávamos as músicas pra banda. No meu ponto de vista, o que mudou dos nossos dois últimos discos pra esse de agora é que a banda passou a fazer parte desse processo de criação das músicas. E isso muda o aspecto composicional da coisa. Foi um passo natural, muito divertido e includente. Nos sentimos mais próximos e literalmente mais parceiros.

“Lugar Para Dois” é o primeiro single de “Estilhaça”, e já vinha dando a cara em alguns shows da banda com aquelas suas guitarras de timbres agudos que, até então, eram uma das marcas registradas de vocês. Agora, ela ressurge nessa onda meio 1983, com bateria eletrônica e uma linha de baixo bem marcada. Como rolou essa mudança?
Essa música já vem rolando há um tempo. É a mais antiga desse repertório novo. As timbragens da guitarra e essa “marca registrada” que você se refere na pergunta nunca foram um desenvolvimento consciente. Eu tenho uma relação matrimonial com os instrumentos musicais. Eles me ensinam a tocar de jeitos novos a cada empreitada. Minha música é algo que nasce tanto de experiências humanas quanto de envolvimentos ferramentais com esses instrumentos. E isso muda o tempo todo. Eu não toco guitarra igual eu tocava há dois anos atrás. Nesse sentido eu não tenho fidelidade a uma forma de expressão no instrumento. Acho limitador. Prefiro deixar o caminho livre pra me surpreender. Acho que o riff de baixo que eu toco nessa música nasceu porque eu consegui um baixo Steinberger emprestado e ele tem esse som característico, meio agudo, parece uma guitarra barítono e tem uma tocabilidade muito leve e próxima de uma guitarra. Fiz esse riff pra esse arranjo e deu essa onda meio The Cure.

A propósito, como foi o trabalho com o João e o quanto a produção dele acrescentou no que a gente vai ouvir no disco novo?
O João Brasil foi uma presença bacana e dicotômica dentro do processo de criação desse disco, porque ele é um músico da cena eletrônica e nunca havia trabalhado com produção de banda. Isso foi um risco que corremos em nome de um frescor e uma novidade pra nós e pra ele. Isso mediou nossa relação pra além de uma submissão às ideias de um produtor. Foi tudo muito conversado e pensado junto. Ele nos trouxe ideias bacanas, mas principalmente uma vibe boa nas gravações que fizemos em SP. Ele esteve no estúdio com a gente e concebemos juntos uma ideia sonora do que poderia ser esse próximo disco. Tem muito a ver com a pós-produção também, mixagem etc. Trabalhar com ele foi e está sendo muito legal. Ele é uma pessoa bem humorada e astral. E tem esse dom bacana de ser sociável, de ser conciliador no estúdio. Isso é essencial num produtor. Saber fazer funcionar o ego de todos de uma forma produtiva, não excludente.

– Jorge Wagner (siga @jotablio) é jornalista e responsável pela produção do tributo “Ainda Somos os Mesmos”, em homenagem ao disco “Alucinação”, de Belchior (conheça o projeto aqui). A primeira foto é de Ana Alexandrino; a segunda, de Liliane Callegari.

Leia também:
– Letuce em 2012: “A música não é uma parte de mim, a música sou eu” (aqui)

Três perguntas para:
– Lemoskine sobre o novo disco: “Os grooves são a base de tudo agora” (aqui)
– João Erbetta: “O Los Pirata não acabou. Seria legal reatar essa energia” (aqui)
– Aldan: “Viemos todos de classe média baixa. A adolescência não teve Savassi” (aqui)
– Jonathan Tadeu: “Não nos reconhecíamos em praticamente nenhum grupinho” (aqui)
– Dulce Quental: “A sensação é a de que vivemos uma enorme ficção coletiva” (aqui)
– João Marcelo Bôscoli: “Quando Pharrel é indicado a melhor cantor, algo está errado” (aqui)
– Gustavo Duarte: “Temos que criar o hábito de leitura no Brasil” (aqui)
– Far From Alaska: “São Paulo é tão diversa quanto controversa” (aqui)
– Lara Rossato: “Juntando pop e amor você entra mais fácil no coração” (aqui)
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