Entrevista: Cícero Lins

por Marcos Paulino

Depois de duas turnês pelo Brasil e pela Europa para apresentar os discos “Canções de Apartamento” (2011) e “Sábado” (2013), e um projeto com Wado, Momo e músicos portugueses (O Clube), Cícero reaparece após dois anos com seu terceiro álbum solo, “A Praia”, novamente compondo, produzindo (ao lado de Bruno Schulz) e conduzindo os arranjos de todas as 10 faixas, em que se divide entre violão, guitarra, baixo e órgão.

O músico carioca de 28 anos mora desde o final de 2014 em São Paulo, onde escreveu todas as letras do novo disco, e a mudança de ares influenciou diretamente o repertório de “A Praia”: “No Rio, você não tem a noção de quanta diferença faz morar longe do mar”, explica o compositor, que, em conversa com o PLUG, parceiro do Scream & Yell, avalia que este terceiro álbum é seu disco “mais solar”.

Apesar da mudança geográfica, Cícero segue acompanhado pelo fiel parceiro Bruno Schulz (piano, acordeom, casiotone) e por Uirá Bueno (bateria, zambumba e ganzá). A cantora Luiza Mayall, que havia participado do álbum anterior, também colabora com “A Praia” cantando “Cecília & a Máquina”. Assim como os discos anteriores, o novo álbum também está disponível para download gratuitamente no www.cicero.net.br.

“Este disco tem menos violão e mais guitarra, tem instrumentos novos, enfim, tem outra forma de resolver arranjos”, conta Cícero, que ainda fala sobre a mudança de cidade, a nova MPB e a necessidade de entender a atual realidade do mercado fonográfico.

Você está morando há alguns meses em São Paulo. Você compôs as músicas deste disco antes ou depois de se mudar?
As letras foram feitas quase todas em São Paulo; as melodias e as harmonias, no último ano.

Interessante que você lançou “A Praia” justamente quando foi morar numa cidade que não tem uma. Os novos ares já influenciaram seu trabalho?
Na verdade, teve a ver com o lance de eu perceber a diferença de ficar perto ou longe do mar. No Rio, você não tem a noção de quanta diferença faz morar longe do mar. Tem a ver também com a nova postura de vida que tenho, de encarar as coisas mais com o astral da praia e menos com o astral do disco anterior, que era mais pesado, mais denso. Este disco é mais solar.

Apesar disso, é possível perceber guitarras mais pesadas no disco novo, às vezes até quebrando um pouco o clima das músicas. O que você acha dessa análise?
Acho que é isso mesmo. A cada disco, tento ir numa direção diferente da que fui no anterior, pra não ficar repetitivo. Este disco tem menos violão e mais guitarra, tem instrumentos novos, enfim, tem outra forma de resolver arranjos. Mas a questão é que é o mesmo cara fazendo, então tem afinidades em alguns aspectos com os outros discos.

Músicos normalmente não gostam de rótulos, mas há quem junte você e outros nomes da geração mais recente sob o rótulo de “nova música brasileira”. Você concorda?
É uma nova geração, da qual faço parte, que tem gente fazendo música, cinema, medicina etc. Mas essa história de nova MPB ou nova música brasileira me deixa um pouco ressabiado, porque o novo implica o velho. Há discos de MPB dos anos 60 ou 70 que são revolucionários e modernos até hoje. Não sei se nova MPB é uma coisa justa com a MPB. Se é pra definir meu som, prefiro só MPB, porque de fato é música popular brasileira, já que não faço música erudita nem em inglês. Como somos mais jovens, ouvimos outros discos, então tem sempre uma novidade estética acontecendo, mas a célula-mãe da MPB é a mesma.

Mas apesar do “P” de popular, a música que você faz tem alcance limitado, porque não toca nas rádios comerciais.
Hoje quase todo mundo está conectado na internet, e acho que isso vai repopularizar a música brasileira, assim como vai popularizar vários outros tipos de música. A chave da porta do grande público estava na mão da indústria até pouco tempo atrás. Havia guardiões desse acesso. Isso está acabando. O que toca no rádio ou na televisão hoje está em igualdade de condições com o que está tocando no iPod do garoto que baixou na internet. Esse processo é irreversível. Só vai aumentar o número de pessoas conectadas e naturalmente elas vão procurar aquilo que querem ouvir, e não vão ficar mais em cima só daquilo que está tocando em todos os lugares.

Isso pressupõe um outro lado, de que os músicos têm que encontrar outras maneiras de viver do seu trabalho, já que a venda de CDs caiu muito. Você, que disponibiliza seus discos gratuitamente na internet, concorda que o CD virou quase que uma peça de propaganda apenas?
Acho que sim. É preciso entender as novas características do nosso tempo. A questão nem é a venda de CD, mas é em relação ao dinheiro em si, pagar pra ouvir um disco ou pra ver um filme ou pra ler um livro. Hoje o cara gasta milhões pra fazer um filme e uma semana depois está no YouTube. Vai pagar quem quer pagar. Mas acho que as pessoas continuam querendo comprar discos e ir a shows, desde que gostem das músicas. Antes, as pessoas também queriam comprar discos e ir a shows das músicas das quais gostavam, mas só tinham acesso a elas através do rádio e da televisão. O leque de possibilidades era muito menor. Hoje, a pessoa gosta de muitas músicas de muitos artistas diferentes. Você só consegue vender um milhão de discos se fizer uma música que fale com um milhão de pessoas de forma íntima. Todo mundo que fala com uma quantidade de pessoas, mesmo que sejam pouquíssimas, mas que tem um trabalho único, deveria ter a oportunidade de viver de música. Particularmente, vejo a música voltando pra um status de trabalho nobre e comum. A imagem do superstar, do popstar, do astro, do herói, do ídolo não vai condizer mais com a realidade. Aí sim vão acreditar mais na importância de comprar o disco, de pagar ingresso.

Antes, o artista tinha a preocupação de ter pelo menos um hit por disco pra poder vender. Você acredita que hoje, como as pessoas podem baixar só as músicas que querem ouvir, não é mais preciso disso? Isso acaba dando ao artista até mais liberdade pra fazer um disco, tendo chance de fazer um trabalho mais coeso, em que as músicas se inter-relacionem?
Acho, acredito e milito nisso. [Risos] Mas o movimento global vai na contramão disso. As pessoas conseguem cada vez menos prestar atenção em alguma coisa. O que tento fazer é puxar o negócio pro ritualístico, fazer um disco que prenda pelo menos meia hora de atenção numa coisa só. Não cabe à gente exigir que as pessoas gostem de tudo, mas quando concebo um disco penso nele inteiro, inclusive com músicas de passagem. Mas sabendo que uma ou outra música vai se destacar no gosto das pessoas e elas vão ouvir só essa.

Quando o Michel Teló toca no exterior, o que atrai as pessoas é o ritmo, não importa se o português é uma língua pouquíssimo falada. No seu caso, em que a letra é essencial, como é a recepção do público que não entende português?
Depende do lugar. Em Portugal, que é onde mais fui, tem a identificação com o texto. Eles têm orgulho da língua deles, então têm uma simpatia natural pela música brasileira. Nos outros lugares, eles vão pelo perfume, como a gente faz com a música americana. Pela melodia, pela cadência, pelo arranjo. A música não vai no consciente, vai no inconsciente. Nesse aspecto, a música brasileira vai bem, porque é uma das mais ricas em contorno, ritmo, harmonia.

O que você está programando em relação à turnê de “A Praia”?
A ideia é tocar em todas as capitais e ir entrando pro interior.

– Marcos Paulino é jornalista e editor do caderno Plug, do jornal Gazeta de Limeira.

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