Cinema: “A Festa Nunca Termina”, de Michael Winterbottom

por Marcelo Costa

Para todos aqueles que veem o rock and roll, esse tal mocinho pobre de uma arte mais complexa chamada música, como descentralizador de ideias, um sujeito cafajeste, sujo e irresponsável, “A Festa Nunca Termina” (“24 Hour Party People”, 2002), de Michael Winterbottom, é uma obra prima pop.

Primeiro porque é totalmente e amplamente auto-referencial.
Segundo porque abusa deslavadamente da mentira.
Terceiro porque é um passatempo divertidíssimo.
Quarto porque é uma tremenda de uma bobagem.
E, quinto, porque uma obra prima pop não necessita ser uma obra prima 🙂

Talvez nem fosse necessário escrever esse parágrafo que vem a seguir, mas para aqueles que ainda não leram sobre o filme, ou desconhecem a História (com H maiúsculo, mesmo), “A Festa Nunca Termina” conta as aventuras de um tal Tony Wilson no universo pop de Manchester, Inglaterra, entre 1976 e 1992. Melhor, “A Festa Nunca Termina” conta sobre a cena pop que se instalou em Manchester depois da passagem dos Sex Pistols até o fim da acid house, estilo que nasceu na cidade e se espalhou pelo mundo. É uma mistura de ficção com realidade. Bonito, não? Tsc tsc tsc. Tudo balela.

“A Festa Nunca Termina” é aquele típico filme em que cada um que participou daquela História (de novo) tem a sua versão, totalmente diferente da de outro interlocutor. Aqui, a voz é de Tony Wilson, um tremendo de um jornalista mala que, acreditando no potencial de algumas bandas da cidade, investiu tempo, dinheiro e sonhos. E, como sabemos desde que começamos a tomar conhecimento das coisas, os malas quase sempre se dão bem (ok, há controvérsias, mas um mala é um mala, foda não elogiar sua insistência com TUDO). O resultado da maletice de Tony Wilson foi Joy Division, New Order, Happy Mondays, Hacyenda, Factory Records (as três primeiras, bandas de Manchester; a quarta, uma casa noturna, a quinta, uma gravadora). Pode até ser que se ele não tivesse colocado a mão na massa, outro cara o fizesse e acabaria como dono da galinha dos ovos de ouro. Quem poderia dizer ao certo o que mudaria se o homem não tivesse lá? Bola de cristal não existe. Assim temos toda versão do que aconteceu… por Tony Wilson.

Ao centrar o foco da história nos cinco objetos de estudo do parágrafo anterior, “A Festa Nunca Termina” exclui o resto do mundo da porção tempo/espaço do Universo. É como se, naquele momento, só existisse Tony Wilson e sua tchurma. Não chega a ser demérito esta opção pelo umbiguismo, característica pra lá de inglesa, aliás, mas ao sentar em frente a tela e ser absorvido pelo voo de asa delta desastroso do jornalista/empresário, é bom saber que esta é apenas uma versão da história.

Por outro lado, assumindo a auto-referência, Tony Wilson entrega o jogo em uma das frases mais repetidas em resenhas sobre o filme: “Entre a verdade e o mito, fique com o mito”. Ou seja, tem tanta mentira repetida em “A Festa Nunca Termina” que acaba tornando-se verdade. Novamente, problema nenhum no (ab)uso desse recurso. A história pop já provou que mais vale terninhos e gravatas do que boas melodias. Foda-se se Bob Dylan escreve(u) as melhores músicas do mundo. O que importa é que ele mentiu pacas no início de carreira (método também usado por Kurt Cobain) e que tudo isso construiu sua figura pop. É obscurantista ver as coisas por esse lado, mas porque você acha que Teenage Fanclub não é fenômeno pop e Oasis é? (como diz o nome do blog de um amigo: Pensar Enlouquece. Pense Nisso). Assim, é cool ao máximo saber o filme que Ian Curtis assistia ao ser abraçado pelo pescoço por uma corda. A música? Deixemos pra lá, nós estamos falando de rock and roll. Pausa.

E isso exatamente quer dizer o quê, pergunta o Mario? Diversão, mala. E não é diversão no sentido estrito da palavra “divertir”. Pode ser passatempo. Quer coisa mais linda que passar uma boa parte de suas horas vagas trancado no quarto e ouvindo no último volume os álbuns “Unknown Pleasures” e “Closer”, do Joy Division? Entretenimento. É a música fazendo a vida ficar mais aceitável (yep, “O Chão Que Ela Pisa”). E “A Festa Nunca Termina” é exatamente isso: diversão e entretenimento. Uma leve pincelada na História (hehehe) desse gênero odiado pelos eruditos e amado pelos jovens: rock and roll, baby. Que como diria Renato Russo, “é uma tremenda bobagem, mas é a minha vida, é o meu trabalho”. Tirando a segunda afirmação, a primeira é verdadeira para muitos outros mortais.

Então, após tudo isso (e não vou ficar aqui esmiuçando a história, vá lá, veja você mesmo), o meu único conselho é: assista! Se der, duas vezes. “A Festa Nunca Termina” é diversão das boas, um filme que consegue transportar você ao mundo mágico de Manchester, onde jovens vivem isolados em uma segunda-feira azul tocando canções country (ou envenenando pombos. Não é a mesma coisa?). Você não vai querer voltar. Mas se voltar, saiba que isso tudo faz parte da… HISTÓRIA. Pano rápido.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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