Entrevista: Heroin fala sobre relançamento de discografia e relembra cena de San Diego

entrevista por Luiz Mazetto

Localizada às margens do Oceano Pacífico, San Diego é uma cidade conhecida por suas belezas naturais, incluindo praias e parques, além de contar com um clima agradável durante o ano todo. Mas também é muito mais do que isso, já que possui uma das cenas musicais mais interessantes da Califórnia e dos EUA, que inclui desde as lendas do hardcore Battalion of Saints até nomes essenciais do rock alternativo como Pitchfork e Drive Like Jehu, passando pelo rock psicodélico do Earthless, a música experimental do Crash Worship, o “pós-grunge” do Stone Temple Pilots e o (pós?) pop punk do Blink 182. No meio disso tudo, há uma banda que talvez não tenha recebido o devido reconhecimento, pelo menos até agora: o Heroin.

Com uma carreira curta, iniciada em 1989 e encerrada em 1993, o quarteto formato por Matt Anderson (vocalista), Scott Bartoloni (guitarra), Ron Johnson (baixo) e Aaron Montaigne (bateria) foi um dos precursores do chamado screamo ao misturar de maneira particular suas influências do hardcore do início dos anos 1980 com o som emo de nomes como Embrace, criando um som único e intenso, que agora ganha o devido tratamento com o relançamento completo de sua discografia em vinil duplo, com direito a um amplo álbum de fotos e músicas inéditas, por meio da Southern Lord Records, que vem fazendo um trabalho de resgate da cena hardcore dos EUA nos últimos anos, com direito a reedições de bandas como Neon Christ, BL’AST e The Catatonics, entre muitas outras.

Na conversa abaixo, feita em uma divertida videochamada, Matt, Ron e Aaron falam sobre como foi o processo de mergulhar nos arquivos e revisar seus sons para o relançamento, revelam o que tornava a cena de San Diego tão diferente, relembram como já quase apanharam de uma plateia de skinheads, contam como foi ver shows do Green Day, Chumbawamba e No Doubt em uma pequena casa de shows local e dizem quais discos mudaram as suas vidas.

Em primeiro lugar, queria entender como essa reedição se tornou realidade. Era algo que vocês já estavam trabalhando há algum tempo? Vocês já conheciam o Greg (Anderson), da Southern Lord?
Matt: Nós definitivamente ouvimos falar sobre as coisas que a Southern Lord estava relançando, todas aquelas bandas incríveis que nós crescemos escutando. Mas quanto a nós, tínhamos algumas músicas extras que estavam “guardadas” sabendo que algum dia elas poderiam ser lançadas, mas não tínhamos nada planejado. Acho que o Greg entrou em contato com o Aaron primeiro, foi isso mesmo? Acho que você e o Scott conversaram com o Greg.

Aaron: Acho que sim. Nós meio que já conhecíamos o Greg há muitos anos por meio de várias cenas e coisas do tipo – penso que o conheci pela primeira vez na época do Engine Kid. Ele entrou em contato comigo e com o Scott e nós concordamos se todos estivessem afim, penso que isso começou há uns quatro anos talvez. Mas é, nos falamos por alguns meses e tudo acabou funcionando. Sinto que o Scott, o Matt e o Ron tinham mais materiais, como fotos, gravações e tudo mais.

Matt: Tudo ainda estava nas fitas de masterização e em todos os lugares. Nós tivemos de “cozinhar” as fitas porque tudo estava muito velho. Então eles tiveram de cozinhar as fitas para que elas pudessem ser tocadas porque estavam todas grudentas. Tivemos o Tim Green (Wolves in the Throne Room, Melvins, Sleater Kinney), que é um ótimo produtor, nos ajudando no processo de remixar muitas coisas. Ele fez um ótimo trabalho em remasterizar nossas gravações antigas que não puderam ser remixadas e precisaram ser remasterizadas. Deu muito trabalho reunir tudo, porque nós não estávamos… Porque você perguntou se nós estávamos preparados, mas nós não estávamos tão preparados. Era apenas uma ideia. Eu tinha guardado tudo porque eu e o Ron relançamos as coisas originais pela Gravity (gravadora da banda), então eu tinha tudo comigo todas as fitas e as artes. Então não foi tão difícil encontrar tudo, mas estava tudo enterrado de alguma maneira. Pelo menos ainda tínhamos tudo.

E qual foi o nível de envolvimento de vocês durante esse processo de remixar e remasterizar as músicas? Imagino que tenha sido tudo feito de forma remota por causa da pandemia e porque vocês vivem em cidades diferentes hoje em dia também, certo?
Ron: Na verdade, eu vivo mais perto do estúdio (onde aconteceu esse processo). Eu moro no norte da Califórnia e o restante da banda está no sul da Califórnia.

Matt: Scott, o guitarrista, e eu ainda vivemos em San Diego – ele (Scott) mora mais ao norte do condado de San Diego, a cerca de uma hora da cidade, enquanto eu vivo na cidade mesmo. O Aaron vive em Los Angeles e o Ron vive em Davis, que fica ao norte da Califórnia. Então definitivamente fizemos tudo de forma remota. E mesmo o Tim Green (produtor) vive mais na região nordeste do estado. Foi uma nova experiência, pelo menos para mim, de remixar um disco e trabalhar as gravações assim. Cada pequena mudança exige que você envie um e-mail, então quando você menos espera já tem um thread com 500 e-mails. Foi diferente, mas na verdade acho que foi feito de forma mais refinada dessa maneira, porque você ouve todos os detalhes. Não sei, acho que é o mundo das gravações digitais. Nos anos 1990, quando as gravações digitais estavam começando, na maior parte dos lugares que a gente gravava você precisava fazer a sua mixagem do tipo “aqui e agora” e era isso. Se fosse preciso voltar ao estúdio, você não ia querer gastar 20 dólares por hora. Então você basicamente ficava com o que tinha. Por isso, foi legal poder fazer isso nessa época moderna.

E como foi para você revisitar todas essas músicas, fotos, memórias e tudo mais para o relançamento 30 anos depois? Não sei se vocês costumavam escutar as músicas uma vez ou outra.
Aaron: Para mim, foi muito legal. Porque eu não tocava bateria de verdade desde a época do Heroin – e quando eu tento tocar bateria agora, eu sou terrível, cara. Então quando eu escuto os discos, em alguns momentos eu pensei: “Caralho, eu era meio que um baterista bom naquela época”. Então isso foi divertido para mim. E o livro de fotos é realmente incrível. Penso que o livro sozinho já faz valer a pena pegar essa nova edição do disco, além das músicas não lançadas até agora. Não sei, acho que foi o Ron que liderou isso, de montar o livro de fotos, eu não me envolvi tanto nessa parte de reunir as fotos. Mas eu fiquei impressionado, nunca tinha visto muitas delas. E também muitos dos flyers de shows que nós fizemos, eu fiquei tipo: “Puta que pariu, que line-up incrível”! Eu nem me lembro de alguns dos shows, mas eram alguns shows com ótimas bandas.

Ron: Foi divertido meio que voltar no tempo e mexer em caixas de flyers e fotos antigas. E não foi apenas as coisas do Heroin, foi também ver fotos de amigos da época, fotos nossas nos divertindo, depois do ensaio, essas coisas.

Matt: Nesse processo de revisitar as coisas, a parte das letras para mim… Porque em alguns dos discos, nós não colocávamos a versão final das letras, era apenas uma das versões das letras. Mas para esse disco nós queríamos realmente ter as letras corretas, porque o Heroin sempre teve um aspecto visual meio enigmático. Nós não usávamos nossos sobrenomes, não dizíamos quais instrumentos cada um tocava, tinha meio que um estilo visual que lembrava um zine xerocado. Para esse disco, nós quisemos fazer algo diferente do que fazíamos no passado, como subir a cortina e mostrar realmente como eram todas as letras, como foram as gravações, as datas. Fazer meio que uma mudança de 180 graus de como fazíamos as coisas. Ainda mantivemos o estilo artístico porque a capa do disco é uma arte de uma camiseta da banda, que provavelmente foi uma das primeiras artes que nós tivemos, quando nós ainda tínhamos um outro vocalista. Acho que é uma arte que foi feita pelo nosso primeiro vocalista, Chad, então nós meio que voltamos para o início de tudo no Heroin. Mas sobre a sua pergunta, de revisitar tudo, em algumas das músicas que não tinham sido lançadas eu nem tinha realmente escrito letras. Pelo menos, não as tinha anotadas, talvez eu tenha encontrado alguns poemas de onde tirei as letras ou algo assim, mas algumas delas não dava para entender muito bem. Então eu tive que ouvir as faixas de vocais separadas umas 30 vezes para conseguir entender o que eu estava dizendo de verdade. E eu posso ter entendido algumas dessas letras errado, por acidente, então tive meio que uma oportunidade de revisionismo, de dizer o que queria agora (risos). De qualquer maneira, acho que ficou muito perto (a letra do que estava sendo cantado nas gravações). Foi um tanto interessante voltar a olhar para essas letras, em que não pensava há uns 30 anos, e poder voltar para o lugar em que eu estava naquele momento.

Ron: Eu nem lembrava de algumas das músicas, porque não foram lançadas em nenhum lugar e acho que o Matt era o único que tinha as fitas.

Matt: É, algumas que não tinham sido lançadas foram músicas que tocamos apenas uma vez, no nosso estúdio de ensaio, em um gravador de 8 canais, para testá-las. Talvez a gente tenha tocado elas uma ou duas vezes em shows antes de meio que deixá-las de lado. Mas agora eu acho que algumas dessas músicas inéditas não apenas são algo legal para incluir no disco, mas são realmente faixas muito boas. Algumas delas ficam meio que dentro de uma média das músicas não lançadas, mas duas delas talvez estejam entre as melhores músicas que nós já escrevemos. Isso é muito legal.

Aaron: Eu tive a mesma sensação escutando o disco, do tipo: “Que música é essa?”, em que eu meio que conseguia lembrar vagamente. E pensando também a razão pela qual não incorporamos essas músicas nos nossos shows ou discos. Tive essa mesma experiência.

Ron: É meio que um testamento de como era diferente a maneira de gravar as coisas naquela época. Porque eu tinha fitas K7 das mesas de som de shows em locais como o Gilman Street (em Oakland) e também de todas as coisas gravadas, mas coisas que foram gravadas de maneira aleatória em um gravador de 8 canais, por exemplo, acho que nós nunca nem chegamos a compartilhar uns com os outros.

Matt: Sim, ou eram coisas que estavam em uma fita K7 que foi perdida anos depois. Porque quando você está em uma banda não fica pensando “Ah, preciso guardar isso e aquilo”. Você não fica realmente preocupado com esse tipo de coisa.

Pensando nisso que vocês falaram, qual o sentimento de agora atingir não apenas um público novo, mas talvez também maior com esse relançamento? E também de meio que “levantar a cortina”, como vocês mencionaram, no sentido de mostrar mais sobre a banda para as pessoas, de elas poderem saber mais sobre vocês e o processo por trás da música?
Matt: Espero que isso saia bem. Em nosso, digamos, estilo de música, nós fomos um dos primeiros. E depois esse estilo evoluiu de alguma forma no final dos anos 1990. De determinada maneira, mesmo sendo um dos originadores, sinto que às vezes nós fomos meio que, não esquecidos, mas foi um estilo que foi melhorado com o tempo. Quando algo é uma versão rudimentar inicial, é fácil meio que seguir em frente e falar como “essas coisas novas são mais complexas e melhores”. De uma certa maneira, sinto que nós fomos meio que esquecidos, definitivamente não esquecidos, porque sempre somos lembrados, mas talvez não tão celebrados ou algo assim. Talvez como um gosto adquirido, não sei exatamente como dizer isso. Mas não era o que o hardcore emo se tornou, era algo um pouco anterior, porque nós tínhamos um sabor do hardcore dos anos 1980 junto com a levada rápida do que acabou se tornando o hardcore emo. E nós fomos meio que uma banda transicional nesse sentido. Por alguma razão, isso nos coloca em uma categoria um tanto estranha, em que não nos encaixamos em um lugar. Então quando as pessoas falam sobre uma coisa ou sobre a outra, nós não somos realmente incluídos em nenhuma dessas conversas. É como se estivéssemos em um lugar ao lado, o nosso próprio lugar. Dessa forma, penso que é legal que as pessoas possam ter esse relançamento e um tipo de reconhecimento, como “O que era essa banda exatamente?”. Nós não nos encaixávamos, mesmo sendo uma parte grande daquela cena. Depois de mais alguns anos, nós também não encaixamos com outras bandas que surgiram. Não sei se isso responde exatamente ao que você estava dizendo.

E vocês também tinham esse sentimento naquela época, de que vocês talvez não se encaixassem? Porque, como você falou, estavam meio que em um momento de transição, entre a primeira e a segunda onda do hardcore, com um som diferente do que estava acontecendo ali no início dos anos 1990.
Aaron: Naquela época, se você estivesse tocando punk e hardcore você iria tocar com as outras bandas que também tocavam isso, independentemente se fosse o mesmo estilo ou não. Então nós tivemos o luxo de poder tocar com bandas que não tinham exatamente o mesmo som, mas os lineups e as cenas meio que se encaixavam. Sinto que hoje em dia as coisas são muito mais focadas em estilos, gêneros musicais. Todo show que você vai, será algo como “apenas bandas que soem dessa maneira”. Não sei, o que vocês acham, caras?

Matt: Sinto que naquela época definitivamente havia cenas que, como o Aaron disse, eram shows muito mais ecléticos. Você ia em um show com todo tipo de banda diferente e você não pensava algo como: “Esse é um show estranho”. Porque todos os shows eram assim. Me lembro que as pessoas da costa leste realmente pareciam gostar da gente. Nós éramos influenciados por DC (Washington) e não apenas por isso. Tinha gente em Nova York, Boston, não sei exatamente a razão disso, mas por algum motivo nós éramos mais aceitos na costa leste. Em São Francisco eles tinham o lance do Gilman (Street) com o pop punk e nós não éramos amados lá. Em Los Angeles, tinha um certo tipo de rivalidade com San Diego, então nós não éramos absolutamente amados lá. Não era nada demais, nós ainda tocávamos lá. Como a cena da Ebulition (gravadora da região de Santa Barbara, na Califórnia), nós tocávamos no Red Barn (casa de shows em Santa Barbara), mas nós nos encaixávamos com aquelas bandas. Mas nós não encaixávamos muito na cena da costa oeste. Nós nos encaixávamos mais na cena da costa leste, mesmo não sendo de lá.

Já que estamos falando do começo da banda, queria saber como vocês veem o legado do Heroin. Vocês têm algum momento, músicas ou shows favoritos?
Aaron: Definitivamente o show que fizemos em Washington DC com o Circus Lupus – por eu ser um fã da música do Chris Thomson. Esse show sempre se destaca como um dos shows mais queridos por mim com o Heroin. Nós também tocamos com o Born Against em Nova York, esse foi outro. Fizemos alguns shows com eles nessa viagem e todos foram fodas.

Matt: Eu concordo com isso, e o Circus Lupus era apenas uma banda ótima que nós adorávamos. Então é algo que se destaca, adoro o Chris Tomson e todas as bandas dele, foi meio que um momento do tipo “idolatre seu herói” poder tocar com eles. Os shows no Gilman Street sempre eram muito divertidos também. Em San Diego, parecia que nós tocávamos no Che Café todo final de semana – ou dia de semana até. Porque as bandas que estavam em turnê montavam suas agendas de maneira que tocavam em San Francisco e Los Angeles na sexta e no sábado. Então os shows em San Diego normalmente aconteciam em um domingo, segunda ou terça-feira, quando seria um dia de folga deles. Então eles iriam tocar lá e podiam ser uma banda talvez não tão conhecida, então muitas vezes nós éramos convidados para tocar e estávamos abertos a isso. Apenas aquela comunidade do Che Café naquela época e tocar lá quase toda semana e ver as mesmas pessoas, é algo que sempre traz um sentimento bom para mim. Não seria um show específico que apontaria como memorável, mas toda aquela época de tocar sempre no Che com bandas novas, como Angel Hair. E, sim, os shows que fizemos com o Circus Lupus, com o Born Against. Lembro também de um show que fizemos em Boston, em que a cena estava crescendo muito e foi bem divertido. Não me lembro das outras bandas, mas o flyer está no relançamento, mas mais a energia do show. O Gilman também era um ótimo lugar para tocar.

Ron: Sim, sempre era divertido tocar no Gilman. Concordo com tudo que o Matt disse sobre o Che Café. Mas sempre gosto de lembrar também de shows em lugares diferentes, como tocar num porão em Milwaukee. As pessoas de lá eram as pessoas mais legais que conhecemos em turnês. Nem me lembro com quem tocamos lá, mas nós víamos as mesmas pessoas nas turnês todos os anos e isso sempre foi divertido.

Matt: Um show que se destaca para mim e que foi muito divertido foi quando fizemos um show com uma banda chamada Funeral March. O Ron e o Aaron chegaram atrasados, nós devíamos tocar primeiro. Era um público meio pesado, com skinheads, pessoas mais velhas. E nós parecíamos alunos do ensino médio, foi quando estávamos começando – o Aaron foi direto da escola. Eu e o Scott chegamos mais cedo no show e deixamos tudo preparado e eles (Ron e Aaron) chegaram mais tarde. Então as pessoas começaram a gritar “Fuck Heroin! Fuck Heroin!”. Nós sentimos que estávamos prestes a apanhar, mas então o Ron e o Aaron chegaram. O público não sabia muito o que esperar da gente, porque nós não tínhamos o visual que você esperaria na cena hardcore, o público eram pessoas mais old school, com roupas de couro e spikes e tudo mais. E nós meio que tomamos o lugar de assalto, ficamos meio loucos. No final do show, o público estava gritando para a gente e nos aplaudindo. Isso foi muito memorável, de termos conseguido meio que “ganhar” esse público mais duro, que segundos antes queria literalmente encher a gente de porrada.

Aaron: Esse foi o meu primeiro show com o Heroin. Lembro de ter ido com uma camiseta do Misfits e acho que foi você, Matt, que me falou “Não use essa camiseta no show” e eu não usei (risos).

Matt: O Misfits é uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos, mas talvez não fosse o lugar (risos).

Ron: Acho que isso diz muito sobre o lugar em que San Diego estava naquele momento. San Diego estava em um momento um pouco estranho. Você tinha shows de hardcore em diferentes lugares, tinha shows para pessoas de mais de 21 anos no centro, alguns lugares permitiam a entrada de menores de idade. Até o Che realmente começar a fazer shows, era apenas uma cena diferente. As bandas dos anos 1980 ainda estavam tocando, a cena straight edge estava começando. O Che era meio que um novo tipo de show que acontecia na cidade. Sempre senti dessa maneira e que o Che Café era um lugar divertido de tocar.

Matt: E isso se conecta com todo o fenômeno do renascimento do hardcore no início dos anos 1990. Porque, da maneira como eu vejo, todas as bandas que começaram o hardcore no início dos anos 1980, elas já estavam seguindo o mesmo caminho de outras bandas, de talvez começar a soar mais metal ou mais alternativo, mas ainda eram donas da cena, até que quisessem entregar esse controle. O que meio que aconteceu no início dos anos 1990, quando chegaram no terceiro disco, lançaram algo abaixo, viraram metal ou algo do tipo, e as pessoas começaram a se cansar disso. Não era exatamente nós, mas um monte de bandas, como o Coalesce, o Born Against, nós, outras bandas do início dos anos 1990, até mesmo a cena de pop punk, com o Green Day – tem muita coisa que vou esquecer de mencionar aqui, umas 1.000 bandas. Mas vejo que o renascimento teve a ver com o fato de que aquelas pessoas das antigas estavam meio que parando e o timing era certo. Para a gente, nós tínhamos a perspectiva do Fugazi, do Embrace, das coisas emo, mas ainda éramos jovens o bastante para amar o hardcore, então nós queríamos conectar as duas coisas, ao mesmo tempo. Porque o Ian Mckaye não ia fazer outra banda hardcore, então ele seguiu para algo que fosse uma progressão. Mas nós estávamos meio que presos entre duas coisas já que éramos jovens. Nós vimos as duas coisas e gostávamos de ambas, então é por isso que isso foi algo original para nós. E as pessoas começaram finalmente a “desistir” na cena. Em San Diego, por exemplo, o Battalion of Saints eram a maior banda de hardcore da cidade, meio que de todos os tempos, e eles acabaram, talvez antes do início dos anos 1990 (nota: a banda acabou pela primeira vez 1985 – e depois voltou à ativa em 1995). Como já foi dito algumas vezes, San Diego tinha uma cena meio pesada, cheia de idiotas, e muitas das pessoas jovens tinham que meio que se esconder no Che Café, era algo que afastava as pessoas. Mas essa é meio que a razão pela qual o Che Café e o revival aconteceram ao mesmo tempo, porque você tinha as pessoas mais velhas saindo e nós meio que tendo que ficar longe delas.

Você mencionou o Che Café e a cena de San Diego, que tinha muitas outras bandas incríveis nessa época. O que você acredita que fez com a que cidade tivesse uma cena tão interessante, com nomes como Pitchfork, Drive Like Jehu, Amenity e vocês, por exemplo? Foi um momento perfeito, digamos, para tudo acontecer? E vocês pensam que essa cena poderia ter acontecido em outra cidade ou San Diego tinha algo de diferente nesse sentido?
Aaron: Acho que para mim, eu estava ainda no começo do ensino médio quando comecei ir a shows, então ainda era muito jovem. E eu ia nos shows e o que notei, não sei se vocês também, é que definitivamente havia um elemento hippie, que era ao mesmo tempo legal e estranho. Não entendia realmente na época, mas olhando para trás acho que era realmente muito legal. E isso vai de encontro ao fato que é uma cidade de praia, nós vivíamos logo ao lado da praia e você tinha esse elemento meio hippie. O Rick (Froberg, guitarrista e vocalista, que faleceu apenas alguns dias após essa entrevista ser feita), do Pitchfork e Drive Like Jehu, tinha essa vibe meio hippie. O Crash Worship foi outra banda de San Diego muito influente, eles não eram hardcore, mas provavelmente foram a banda mais foda que eu já vi. Mas eles tinham essa vibe meio hippie, culto pagão. E penso que muito disso foi algo que teve bastante influência e era diferente de outras cidades em que você tinha cenas musicais. O Che realmente foi muito importante, dou todo o crédito para eles. Era algo muito louco, não havia problemas de capacidade. Eu vi shows do Green Day, Chumbawamba, No Doubt lá. Era meio que um enigma que você não encontraria hoje em dia. Penso que elementos como ter pessoas artísticas e estranhas e também um lugar como o Che, que tinha uma pegada do tipo “É, nós fazemos shows de todo mundo aqui”.

Matt: Com certeza. Definitivamente há um elemento estranho na música de San Diego, que se mistura com outras coisas, como o hardcore. Como era uma cena menor, não havia muito dinheiro ou algo assim. Você não tinha forças meio que pressionando a se conformar, como acontecia em outros lugares. Ou ter uma forte pressão para ser desse ou daquele jeito. Em outras cenas, como Nova York, você tinha que ser como o Agnostic Front. Você não tinha uma central de controle em San Diego, apenas muitas peças pequenas que formavam o todo e ninguém realmente no controle. E você tinha pessoas criativas. Você pega suas referências de gente como o John Reis (produtor, dono da gravadora Swami Records e integrante de bandas como Pitchfork, Drive Like Jehu, Rocket from the Crypt), que estava fazendo coisas legais, e você tem um efeito borboleta. Isso também aconteceu em outros lugares, como Louisville e Chicago. E mesmo coisas como a cena straight edge de Boston, em que você teve figuras como o Al Barile, do SSD, para meio que dominar e fazer tudo acontecer. Não tenho muita certeza de qual a conclusão disso, mas acho que as cenas seguem a dinâmica de determinadas pessoas. Penso que tudo se conecta com John Reis, Crash Worship, pessoas que nós admirávamos, eles merecem todo o crédito que puderem receber.

Essa é a última pergunta. Gostaria que vocês me dissessem três discos que mudaram as suas vidas e porque eles fizeram isso. Como vocês estão em três, cada um pode dizer um talvez.

Aaron: Essa é difícil, cara.

Matt: Sim, muitos discos mudaram a minha vida. Talvez o “Millions of Dead Cops” (1982), do MDC. Esse álbum mudou as coisas quando eu era bem jovem, me colocou em um caminho.

Aaron: Acho que eu diria o segundo disco do Swiz, chamado “Hell Yes I Cheated” (1989). Esse era um disco foda pra caralho.

Ron: Para mim, o disco que me fez gostar de hardcore pela primeira vez provavelmente foi o “Milo Goes to College” (1982), do Descendents, se eu realmente olhar para trás. Acho que foi o primeiro disco que alguém me deu no começo do ensino médio. Mas isso foi em Minnesota, eu ainda nem tinha mudado para o sul da Califórnia nessa época.

Aaron: Eu ainda escuto o Descendents (risos).

Matt: É, o “Milo Goes to College” é um disco incrível que todo mundo deveria escutar e conhecer do avesso, é um álbum sensacional. Acho que eles ainda recebem crédito por isso, eles inventaram o pop punk.

Ron: Ou os Germs. O disco do Germs (“GI”, de 1979) foi o que realmente me fez entrar de cabeça no hardcore.

Aaron: Eu era um skatista até escutar o disco dos Sex Pistols, “Never Mind the Bollocks” (1977). Uma amiga de San Diego me deu uma fita que tinha esse disco. E acho que não andei mais de skate depois disso, apenas pensei algo como “Agora eu sou punk” (risos).

–  Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!

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