Entrevista: Clifford Dinsmore fala sobre o relançamento de “Manic Ride”, clássico disco do BL’AST!, e os 40 anos da banda

entrevista por Luiz Mazetto

Uma das bandas mais interessantes e subestimadas do hardcore dos EUA, o BL’AST! lançou originalmente três discos de estúdio entre 1983 e 1991, todos pela lendária gravadora SST Records, de Greg Ginn, do Black Flag, com quem compartilhavam shows e influências sonoras no início de carreira. Na última década, o grupo se uniu ao selo Southern Lord Records, de Greg Anderson, para relançar essa trinca em edições especiais, com novas mixagens e/ou masterizações e títulos levemente alterados.

O primeiro foi “Blood!”, reedição de “It’s in My Blood” (1987), que foi lançado em 2013 com participação de Dave Grohl e com a adição das faixas de guitarras gravadas pelo então segundo guitarrista da banda William DuVall (Alice in Chains). No ano seguinte, veio “The Expression of Power”, reedição do disco de estreia da banda, “The Power of Expression” (1986).

Agora, quase 10 anos depois, finalmente chegou a hora de “Manic Ride” (2023) completar o pacote ao trazer uma versão totalmente remasterizada de “Take the Manic Ride” (1989), um dos discos mais intensos do hardcore/crossover dos anos 1980, mas que sofria com uma produção ruim em sua edição original – fato que foi devidamente corrigido agora com a ajuda de Brad Boatright, produtor, guitarrista do From Ashes Rises e cabeça à frente do estúdio Audiosiege, e que já havia trabalhado com o BL’AST! nos relançamentos anteriores.

Na entrevista abaixo, feita por telefone em meados de março, o vocalista Cliff Dinsmore fala sobre a importância dessa nova edição e os desafios para conseguirem torná-la realidade, a cena hardcore/crossover da época e a amizade com Corrosion of Conformity e D.R.I., relembra como viu na época a ascensão de bandas como Dinosaur Jr., Meat Puppets e Hüsker Dü e revela como Dave Grohl dirigiu quilômetros nos anos 1990 para lhe mostrar um disco que mudou a sua vida.

Em primeiro lugar, parabéns pelo relançamento. O que mais me impressionou é como as músicas estão soando bem, a diferença em relação ao original fica clara logo nas primeiras notas da música de abertura, “Somewhere I’ve Found”, com a bateria e o baixo soando gigantes. Sei que esse relançamento era algo que vocês queriam fazer já há algum tempo. Por isso, gostaria de saber qual o sentimento de ter esse álbum prestes a sair agora e com esse som, mais próximo do que vocês queriam na época?
É muito bom, porque quando fizemos o disco originalmente era meio que um projeto de gravação experimental, que basicamente não funcionou. E foi apenas deprimente fazer o nosso disco meio que mais avançado do ponto de vista musical e então ele acabar soando daquela maneira. A versão original é realmente muito ruim. Foram anos tentando remasterizar esse disco, sem muito sucesso. Até finalmente chegarmos ao ponto em que o Brad Boatright conseguiu fazer isso. É insano, e também de ficar tão surpreso ao escutar o disco e pensar “Uau, isso finalmente é real”, sabe (risos)?

Você mencionou os discos anteriores que vocês relançaram com a Southern Lord também, “Blood!” (2013) e “Power of Expression” (2014). Por que esse álbum levou mais tempo para ser relançado da maneira como vocês queriam?
Basicamente, com o “Blood!” (2013) nós tínhamos as fitas originais, que realmente nos permitiam remixar. Enquanto que tudo que veio depois disso… O “Power of Expression” tinha uma gravação boa o bastante para poder ser apenas remasterizado e soar bem. Mas o “Manic Ride” era uma bagunça tão grande, as fitas originais acabaram sendo jogadas fora, acho que foram jogadas na lixeira pela esposa de um dos caras ou algo assim. Então virou esse lance de tentar trabalhar com recursos limitados, musicalmente tentar remasterizar a partir do CD e fazer outras coisas. À medida que a tecnologia melhorou, e que o Brad ficou melhor no que faz, ele finalmente pôde fazer isso. Mas ele estava tentando isso há bastante tempo. Não sei exatamente o que tornou possível cruzar essa linha e finalmente ter o disco soando bem, se foi uma nova tecnologia que ele tinha ou algo que ele descobriu. Mas somos muito agradecidos por ele ter conseguido fazer isso.

E todo esse processo aconteceu de forma remota? Ou vocês estiveram no estúdio com o Brad em algum momento?
Não, não estivemos no estúdio, apenas recebíamos cópias para aprovação.

E você e o Mike estiveram envolvidos diretamente nisso, imagino que também com o Greg (Anderson), da Southern Lord, certo?
Sim, sim. E é sempre divertido fazer esses relançamentos porque é sempre divertido trabalhar com o Greg e com a Southern Lord. Nesse caso em particular é legal finalmente ter esse disco finalmente soando bem.

Imagino que vocês não ficaram muito felizes com a versão original na época. Por isso, queria saber se o fato de a versão original do disco não soar muito bem teve alguma coisa a ver com vocês terem encerrado as atividades da banda algum tempo depois do lançamento?
Estou certo que sim, com certeza. Apenas porque havia muitos problemas naquele momento específico na banda. O BL’AST! tinha ido tão longe musicalmente, foi quase como se tivéssemos criado uma música que era quase difícil demais para tocarmos ou algo assim (risos). Algo louco demais. E acho que isso começou a cobrar um preço de nós, em que estávamos tocando essa música insana e, naquele momento, o lance do hardcore estava meio que morrendo e tudo estava meio que se voltando mais para rock universitário, com bandas como Dinosaur Jr, Meat Puppets e Hüsker Dü, coisas assim, um som mais indie. Então ao mesmo tempo que o hardcore já estava se deteriorando, aqui estamos nós fazendo essa música completamente no limite, que as pessoas não entendiam realmente naquela época, de qualquer forma. Acabou se tornando um disco influente, especialmente com bandas da então nova cena de hardcore, como Botch, Converge e Dillinger Escape Plan, quando as coisas ficaram muito técnicas. Então acabou que teve muita gente influenciada pelo disco. Mas na época do lançamento as pessoas queriam que a gente voltasse para algo mais na linha do “Power of Expression” e “It’s in My Blood”. Então é meio que um disco mal compreendido. Por isso, acho importante ele ser relançado anos depois e as pessoas poderem falar algo como “Ok, essa música existiu nessa época” (risos).

Não sei, tenho um sentimento que talvez fosse um disco à frente do tempo, porque na época você tinha o hardcore, o thrash metal, o crossover e tudo mais que estava rolando. E esse disco, apesar de ter influências desses estilos, não se limita a nenhum deles.
Isso teve muito a ver com o fato que realmente era um disco meio fora do caixa. Era onde as nossas cabeças estavam na época, não sei como eles chegaram nesse lugar (risos). Mas era a música que estávamos fazendo na época, por isso é legal ver esse disco finalmente de uma maneira que as pessoas possam escutar de verdade. Era uma música bastante avançada para aquela época, especialmente para aquele momento do hardcore. Então foi muito frustrante para nós o fato de o disco não soar bem. É muito legal ter o disco de volta e soando bem finalmente.

Agora que todos os seus discos foram relançados pela Southern Lord, seja em versões remixadas ou apenas remasterizadas, pensa que é possível olhar para o seu trabalho de maneira diferente? Ou que a banda pode receber um reconhecimento maior?
Acho que sim, com certeza. É legal ter tudo disponível por aí, para que as pessoas possam ter uma referência, do tipo “Ah, Ok, essa fase do BL’AST!. Existem esses três discos que são completamente diferentes um do outro”. E também provavelmente pode ajudar as pessoas a escutarem e verem a progressão natural da banda, meio que entender melhor o que nós já fizemos quando a gente soltar um disco novo.

O BL’AST! está completando 40 anos de história em 2023. Como você vê o legado da banda após tanto tempo?
É legal. Definitivamente não é um legado normal, porque não existimos como uma banda durante todo esse tempo. Mas com certeza é legal olhar para os discos e escutar o que fizemos. E ter esses álbuns disponíveis agora. Também tem sido muito legal nos reunirmos para fazer shows de tempos em tempos – não é algo que nós provavelmente faremos o tempo todo, de forma consistente, mas ao mesmo tempo acreditamos que é importante sair por aí para tocar vez ou outra. Então certamente estamos animados para fazer alguns shows de novo, porque foi realmente incrível tocar com o Joey (Castillo, Circle Jerks e ex-Danzig e QOTSA) e Nick Oliveri (ex-Kyuss e QOTSA).

Quando vocês começaram, era meio que uma fase intermediária do hardcore nos EUA, já que tinha sido iniciada alguns anos antes. Como era para vocês? Porque você tinha essa cena gigante na Califórnia, não apenas em Los Angeles e Orange County. Além do Black Flag e da SST, obviamente, vocês eram próximos e/ou foram influenciados por alguma outra banda local naquela época?
Sim, nós tínhamos a nossa galera, com quem estávamos sempre tocando. Tocávamos muito com o D.R.I., com o Corrosion of Conformity, que era da Carolina do Norte. O Dr. Know também, muitas bandas de Oxnard (cidade na Califórnia). Muitas das bandas da Bay Area também, nós conhecemos o Melvins quando eles mudaram para a Bay Area. Há algumas bandas com as quais gostamos muito de tocar. Tocamos muito com o Excel. Ou nós fazíamos os shows grandes da Goldenvoice, que teria o Slayer como headliners ou o Exploited ou alguma banda de fora do país. Ou fazíamos esses shows mais regionais, com bandas dos EUA e da Califórnia. Mas nós definitivamente tínhamos a nossa galera. Passávamos muito tempo em Oxnard, com todas aquelas bandas. E também com as bandas da Bay Area. Sempre era divertido! Tocar com as bandas da SST era sempre algo muito legal e diferente, com Descendents e Firehouse. Sempre tentamos tocar em shows com lineups bastante diversos.

Você mencionou há pouco que quando esse disco foi lançado a cena punk/hardcore estava passando por uma mudança, com bandas mais melódicas ganhando mais atenção. Você curtia alguma dessas bandas que eram mais melódicas, como o Husker Du e o Dinosaur Jr, que você mencionou, ou mesmo o Wipers, que era um pouco mais antiga?
Eu realmente gostava de muitas dessas bandas. Isso que era legal de estar na SST (gravadora de Greg Ginn, do Black Flag). Lembro de realmente curtir essas bandas na época. Mas ao mesmo tempo nós não queríamos soar como elas, sabe? Queríamos fazer o nosso próprio lance, nós não vimos realmente o fim do hardcore chegando. Na verdade, quando você para pra pensar nisso, foi um final muito curto do hardcore. Depois eu me envolvi bastante em uma banda chamada Spaceboy, que tinha um som bem estranho, meio pós-hardcore. Nós meio que não vimos o final completo do hardcore chegando. E a cena meio que morreu e seguiu em frente, apenas não havia muitos shows de hardcore por um tempo. As pessoas estavam meio que indo em outras direções. E então quando o hardcore voltou, nos anos 1990, isso aconteceu de uma maneira muito forte. Esse é o lance do hardcore, ele parece ganhar mais e mais momentum com o passar do tempo. Hoje em dia é novamente um estilo de música forte, como era antes, houve uma grande volta. Essa é outra coisa legal: quando você sai por aí para tocar, você vê muitas das mesmas pessoas que iam nos primeiros shows do BL’AST!, então você consegue ter os mais velhos junto com os mais jovens (risos).

Você mencionou há pouco o Botch, Converge e Dillinger Escape Plan. Por isso, queria saber se gosta dessas bandas e se já se encontrou com os integrantes delas?
Ah sim, já encontrei os caras do Converge no início da banda, eles curtiam a fase final do BL’AST! e o Spaceboy também. Não conhecíamos essas bandas realmente, mas apenas apreciamos o que eles estavam fazendo, algo como “Uau, alguém está pegando o que fizemos e levando, com um lance meio math-rock e levando para outro planeta, um novo extremo”. Então foi legal poder ver o hardcore continuar progredindo de uma maneira que nós sentimos que tinha a nossa pegada.

Você conhece alguma banda brasileira, aliás?
Deixa eu ver, tiveram esses caras que conhecemos há anos por meio do Billy Anderson. Acho que o nome deles traduzido para o inglês seria algo como Basement Rats.

Ah, o Ratos de Porão! Sim, eles gravaram um disco com o Billy anos 1990 (“Carniceria Tropical”, de 1997).
Isso! E lembro

Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Ok, teria de ser, deixa eu pensar. Quando você é uma criança pequena e escuta Black Sabbath pela primeira vez (risos). Esse teria de ser um deles.

E então o “Gluey Porch Treatments” (1987), do Melvins. Esse foi o primeiro disco do Melvins que escutei. Quem me apresentou foi o Scott Hill, do Fu Manchu. Isso foi antes do Fu Manchu, na verdade. Ele tocava no Virulence, eles tinham dirigido pela costa e foram na minha casa. Assim que entraram, ele falou “Tenho essa fita para você, é de uma banda chamada Melvins”. E falei “Legal”, mas por causa do nome, fiquei pensando “The Melvins? Eles são uma banda de piada ou algo assim?” Não esperava que fosse pesado e não os conhecia realmente, não tinha ouvido falar muito deles naquela época, eram uma banda nova ainda. Mas então coloquei o disco para tocar e fiquei pensando “Meu deus!”. Senti como se estivesse esperando por aquela música a minha vida toda. E foi apenas algo incrível, porque pouco depois disso, em que eu passei umas duas semanas escutando o disco dia e noite, eles se mudaram para San Francisco. Foi quando os conheci pela primeira vez. Eu estava na parte de fora de um show que todos tínhamos ido assistir e eu e o Mike estávamos conversando e ele falou “Ei, esses são os Melvins” e então falei “Nem fodendo, estou escutando o disco de vocês 24 horas por dia”. (risos). Então esse disco foi realmente muito, muito impactante.

E há outros dois, apenas em termos de originalidade, o tipo de disco que você escuta bastante. Sei que tecnicamente isso está virando uma lista de quatro álbuns, em vez de três. Mas o “You’re Living All Over Me” (1988), do Dinosaur Jr, foi outro disco que escutei na época e que também me influenciou muito, de verdade. É um dos meus discos favoritos de todos os tempos.

E quando o “Blues for The Red Sun” (1992), do Kyuss, foi lançado, esse foi outro disco monumental, que escutei bastante. Lembro que o Dave Grohl, bem na época que ele tinha saído do Scream e entrado no Nirvana, ele e o vocalista do Scream, Pete Stahl, vieram para Santa Cruz. Eles estavam na nova BMW do Dave, estavam rodando e passeando por Santa Cruz, e mencionaram o Kyuss. Acho que eu tinha visto o Kyuss uma vez com o Scream ou outra banda, mas não prestei atenção neles realmente. E eles ficaram falando “Ah cara, você tem que ouvir o Kyuss”. Eu falei “Ok, então vamos achar o Kyuss”. Então essa se tornou a missão, apenas sair rodando por aí no carro novo do Dave para encontrar o disco do Kyuss. Nós encontramos o primeiro, “Wretch”, voltamos, colocamos no som e falamos “Ok, isso é o Kyuss!” e então foi algo como “fuén”, “qualquer coisa” (risos). Não achamos grande coisa. Mas então o Dave e o Pete ficaram realmente focados, algo como “Nós precisamos encontrar o outro disco, precisamos ir em todas as lojas da cidade até achar esse álbum” (risos). Nós finalmente encontramos o “Blues for the Red Sun”, voltamos para casa e colocamos no som e ficamos “Puta que pariu! Ok, agora nós entendemos o que vocês estavam falando” (risos). Eles puderam ver os nossos rostos mudando. E esse foi outro disco gigante. Para te dizer a verdade, se houve um disco que meio que destruiu o BL’AST!, que colocou o último prego no caixão, acho que quase seria esse. Nesse momento, começaram a surgir muitas influências de fora. Nós não queríamos “seguir o movimento” ou algo assim, mas nós estávamos sendo influenciados por outros tipos de sons. E teria que dizer que esse foi meio que um disco chave para “acabar” com o BL’AST!, no sentido de ter influências externas entrando e fodendo com o que a gente tinha, meio que desviando o que nós tínhamos musicalmente.

Depois do “Take the Manic Ride”, nós meio que entramos em uma crise de identidade estranha em termos de som. Então provavelmente foi bom a banda ter acabado (risos). As coisas ficaram bastante (confusas)… por um tempo. A música que nós estávamos produzindo não era realmente ótima. E sinto que se nós voltarmos a isso agora para fazer um novo disco, ele será ótimo. Será o que as pessoas queriam e o que nós queremos. Provavelmente será o disco mais pesado possível do BL’AST! incorporando os melhores elementos do nosso som, em vez de como aconteceu naquela época, em que o nosso som acabou ficando bastante “modelado” por influências externas, meio que não era mais o BL’ASR!. Então acho que fizemos a coisa certa em terminar a banda naquele momento, penso que não sairia nada de bom se continuássemos juntos (risos).

E vocês chegaram a pensar em fazer um movimento parecido com o que o Corrosion of Conformity fez a partir do “Blind” (1991) e depois com o “Deliverance” (1994), em que passaram do hardcore/crossover para o stoner/doom?
Quer dizer, isso é definitivamente… É legal ver bandas que ficam juntas por tanto tempo e permanecem incríveis, continuam se reinventando o bastante para continuarem juntas. O Corrosion of Conformity definitivamente é uma das nossas bandas favoritas de todos os tempos. Todas as coisas que eles fizeram ao longo dos anos têm sido incríveis. Mas foi uma mudança bastante drástica em termos sonoros, durante esse período transicional me lembro de ser muito amigo desses caras e estar sempre próximo deles, sendo que meio mudado junto com esse tipo diferente de som. E com certeza foi uma grande mudança. Foi uma situação do tipo em que você poderia facilmente ter mudado o nome da banda naquele ponto. Mas foi muito legal eles terem mantido o nome da banda e permanecido juntos. E ver bandas como o Neurosis ficarem juntos por tanto tempo, o Melvins também. Acho que especialmente o Melvins, que é uma banda que sempre foi tão verdadeira em manter o som do Melvins ao mesmo tempo em que se reinventaram ao longo dos anos. Eles sempre serão uma das minhas bandas favoritas e uma enorme referência pela maneira incrível como sempre se apresentaram ao longo dos anos.

Você mencionou há pouco sobre quando conheceu os caras do Melvins em San Francisco. O fato de você ter mudado de Santa Cruz para San Francisco abriu novas possibilidades em termos musicais?
Na verdade, eu nunca vivi em San Francisco, mas estava lá praticamente o tempo todo. Houve uma época em que estava cinco dias por semana na cidade ou algo assim (risos). O Spaceboy costumava ensaiar bastante em San Francisco, nós também costumávamos sair muito lá, íamos em todos os shows na cidade. E definitivamente nós éramos bastante ativos na cena de San Francisco. Santa Cruz fica a apenas uma hora, uma hora e meia de San Francisco. Por isso, nunca senti que precisasse realmente viver em San Francisco, mas certamente houve uma época em que curtia muito passar boa parte do tempo na cidade. Em San Francisco e em Santa Cruz – e na Califórnia como um todo – há um processo enorme de gentrificação, uma espécie de “yuppiezação” de tudo, com o Vale do Silício. E o impacto que isso teve em tudo. O modo como San Francisco costumava ser naquela época, quando o aluguel era barato, havia muitos shows. E todos os tipos de shows, underground, em locais grandes, armazéns – você tinha uma cena underground realmente incrível. Tinha bandas fazendo shows grandes das quais você ouvia falar, que não saíam muito de San Francisco, bandas como Ludacry. Você tinha essa cena underground incrível e o “faça você mesmo” estava realmente acontecendo. E tudo isso só acontecia basicamente porque essas pessoas podiam arcar com os custos de viver na cidade. Hoje ninguém tem dinheiro para viver em San Francisco (risos).

Essa é a última pergunta. Queria saber do que você tem mais orgulho na sua carreira como músico?
Eu gosto porque houve um período em que eu meio que saí do punk por um tempo, eu ia embora para fazer faculdade e quase acabei não tocando no BL’AST!. Eu não estava na banda na época em que estavam fazendo a transição para mudarem do M.A.D. para o BL’AST! mesmo. E eu não queria estar naquela banda, o que aconteceu foi uma decisão muito difícil. Basicamente eu ia sair da cidade e Steve (Borek), o outro guitarrista da banda além do Mike (Neider), me deu uma fita K7do “Power Of Expression”. E dali um ou dois meses eu ia me mudar para estudar no sul da Califórnia e não faria nada com o BL’AST!. Então eu peguei essa fita e coloquei para ouvir, e você tinha músicas como “Time to Think”, “Surf and Destroy”, tinha uma intro louca, com um som meio riscado, que parece uma bomba relógio e tudo explode. Aí eu pensei “Uh oh, parece que tenho que fazer mudanças nos planos”. Aquele momento, aquele segundo foi crucial, do tipo “Se eu não fizer isso, eu sou um puta de um idiota. Independente do que eu esteja curtindo ou não, eu preciso fazer isso, tocar nessa banda e nesse disco.” Foi apenas aquele clique instantâneo na minha cabeça, do tipo “Estou 100000% comprometido com isso a partir de agora”. Então fiz essa mudança de rota e as coisas começaram a andar muito rápido. Em termos do que fizemos e do que temos orgulho, penso que criar esse tipo de música dentro da estrutura do hardcore, que era tão diferente de tudo que havia na época. O ponto de partida para tudo que fizemos foi meio que o Black Flag e o SS Decontrol (que depois mudou o nome apenas para SSD). As influências deles na gente são muito fortes no nosso primeiro disco. Mas em termos musicais, sinto que sempre fomos impelidos a tentar não soar como uma banda típica de hardcore. Isso era algo que meio que o nosso maior inimigo, apenas soar como uma banda genérica de hardcore. Nós queríamos levar para algum lugar diferente e realmente nos impulsionar musicalmente e apenas criar algo que fosse mais pesado do que qualquer coisa na época. E olhando de volta, em retrospecto, eu sei que fizemos isso, o que traz um sentimento bom. E é legal que tivemos algum tipo de influência, talvez muitas pessoas não tenham entendido naquela época – e o quanto a música ficou estranha e para onde ela foi. Mas poder ser uma influência de destaque hoje em dia e ser reconhecido como parte das mudanças importantes que aconteceram no hardcore, ter o nosso nome lá, saber que fomos responsáveis por algumas bandas novas, que continuam carregando a tocha, para mim é algo muito bom.

–  Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!

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