Três filmes argentinos: “30 Dias com Minha Ex”, “O Suplente”, “Matrimilhas”

textos de Marcelo Costa

“30 Noites Com a Minha Ex”, de Adrián Suar (2022)
À primeira vista, o título “30 Noches con mi Ex” – enorme sucesso de bilheteria na temporada argentina – sugere uma daquelas comédias entre o romance e o escracho em que o final, prevê o espectador apressado, verá um ex-casal, “obrigado” a conviver sob o mesmo teto, novamente entregue ao amor e à felicidade eterna, mas a proposta de Adrián Suar, que além de dirigir também atua, é muito mais delicada por focar em saúde mental. Andrea Lobato (Pilar Gamboa), conhecida como Loba, está internada há três anos em uma casa de apoio psiquiátrico, prestes a obter alta. A médica responsável, no entanto, recomenda que sua ressocialização seja acompanhada pela filha adolescente Ema (Rocío Hernández) e pelo ex-marido, Turbo (o próprio Suar), sugerindo que Loba fica com eles os primeiros 30 dias, no apartamento da família. A vida de Turbo, metido com o mercado de câmbio na Argentina (um dos mercados mais caóticos do mundo), é bastante agitada, e ele não vê com bom olhos a presença da ex no que agora é seu ambiente, mas atende ao pedido da filha e… a confusão se instala. Boa parte dos momentos cômicos de “30 Noites Com a Minha Ex” advém de deslizes mentais de Loba, algumas vezes forçadamente caricatural, o que gera um certo incomodo, mas a sensação geral é de que o roteiro de Javier Gross busca humanizar a personagem e a doença, trazendo-a para o cotidiano e enlevando-a com uma baita atuação de Pilar Gamboa, eleita melhor atriz nos Prêmios Condor de Prata 2023 por esse papel. O resultado é uma comédia que, apesar dos clichês, soa muito mais dramática do que romântica e faz rir enquanto aborda o tema importantíssimo da ressocialização. Vale uma espiadela sem compromisso.

Nota: 6.5 (disponível no Star+)


“O Suplente”, de Diego Lerman (2022)
Lucio (Juan Minujín) é um professor escalado para cobrir a vaga na cadeira de literatura de uma escola, tendo que conquistar a atenção de um grupo de alunos que preferiria que ele não estivesse ali. Enquanto isso, em sua vida pessoal, ele precisa lidar com Sol, filha adolescente de um casamento desfeito, com quem não se entende (apesar de ter uma relação bastante amistosa com a ex-esposa), e com o pai, um professor aposentado reconhecido e respeitado no bairro, mas que está em observação hospitalar. O que se destaca na história de Diego Lerman é justamente como seu personagem ocupa a posição de substituto em todas as esferas que se relaciona (incluindo aqui um romance frugal com outra professora), quase que como se as funções sociais não lhe coubessem seja como escritor, professor, pai, filho e amante, não necessariamente nessa ordem. E é justamente quando tenta ajudar a um de seus alunos –envolvido com traficantes poderosos – que Lucio experimenta uma posição de protagonismo, ainda que a trama siga por caminhos bastante percorridos em roteiros que desenham o “cinema em ambiente escolar” na periferia de grandes cidades (como o brilhante exemplar francês “Entre os Muros da Escola”, de 2008). Exemplar em defender a tese de seu título, “O Suplente” é valorizado pela desenvoltura dos alunos em sala de aula, ainda que exprimindo um cotidiano conhecido. Renata Lerman, que interpreta a filha Sol (e é filha do diretor), foi eleita revelação feminina nos Prêmios Condor de Prata 2023, o principal prêmio do cinema argentino, mais um destaque para um filme simples e realista.

Nota: 7 (Disponível na Netflix)


“Matrimilhas”, de Sebastián De Caro (2022)
Fede é dentista, profissão de seu pai e seu avô, ainda que a culinária esteja cada vez mais presente em sua vida. Belén tem uma loja de brinquedos infantis, sociedade com uma amiga. E, juntos, Fede e Belén têm dois filhos. O casamento dos dois passa por um momento difícil, com pouca atenção e muita cobrança, mas eles aparentemente encontram a solução que precisam num app que dá pontos para cada ação positiva que um deles faça para o par do mesmo jeito que retira pontos se alguém na relação pisa na bola. Mais do que isso: o app Equilibrium também premia os participantes mais dedicados, o que seduz Fede, que quer somar muitos pontos e viajar com amigos para uma competição culinária, embora esqueça de avisar a esposa que muito do que ele está fazendo por ela é pensando no prêmio. Porém, sem querer, Belén descobre, e a trama deliciosa de “Matrimilhas” reedita uma das melhores comédias românticas deste século, aquela em que Kate Hudson aposta que conseguirá perder Matthew McConaughey em 10 dias (com direito a karaokê com “You’re So Vain”, de Carly Simon, e muita lavação de roupa suja). Ainda que formulesca (qual comédia romântica não é?), “Matrimilhas” é bastante simpática e agradável, muito pelo carisma da dupla Luisana Lopilato e Juan Minujín (muito mais à vontade aqui do que em “O Suplente”), que interpreta o casal “dedicado”, e por um competente elenco secundário. O roteiro conduz a história de maneira suave até o clímax, perfeito, e só peca por não intensificar o desfecho, simplório demais, o que de maneira alguma descredencia um filme divertido, bem-humorado e com algumas sacadas interessantes sobre relacionamentos.

Nota: 7.5 (Disponível na Netflix)


– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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