Meu disco favorito de 2022: Ratos de Porão, por Marcelo Costa

MEU DISCO FAVORITO DE 2022 #1
“Necropolítica”, Ratos de Porão
escolha de Marcelo Costa

Artista – Ratos de Porão
Álbum – “Necropolítica”
Lançamento – 13/05/2022
Selo – Indepedente
Ouça: Spçotify / Youtube

Em abril de 1992, o Ratos de Porão foi capa da principal revista de música do país, a Bizz, que trazia em destaque uma foto do vocalista João Gordo fumando charuto e segurando alguns cruzeiros amassados. No editorial, a revista se “defendia” dizendo que o Ratos tinha vendido tantos discos quanto os Titãs em 1991, e a chamada da reportagem no miolo da revista cravava: “Cada vez mais sujos e famosos”.

Naquela época, o Ratos vinha de dois discos que estampavam cada vez mais um crossover thrash metal, os hoje clássicos “Brasil” (1989) e “Anarkophobia” (1991), e ainda que aquela capa tenha sido extremamente merecida, os 30 anos seguintes presenciaram uma banda fiel aos seus princípios, lançando discos, fazendo turnês, mas, em certo ponto, num nível de “fama” menor do que aquela que os levou a estamparem a capa da Bizz.

Corta para 2022: oito anos depois do violento “Século Sinistro”, e 30 depois daquela capa, o Ratos está de volta não só com um álbum novo fodaço gravado em condições diferenciadas devido a pandemia, mas também abraçando aquela sonoridade clássica da fase “Brasil” / “Anarkophobia”, ou como João Gordo gosta de provocar, soando “metalzinho” com letras “esculhambando com a família fascista brasileira”, nas palavras do baterista Boka.

Um aparte importante aqui: muito da safra da música produzida no período pandêmico tenta desviar do foco dramático de uma tragédia que vitimou 6.661.666 pessoais no mundo todo (o número cabalístico é a soma apresentada em 17 de dezembro de 2022 pelo News Google), então a ideia é olhar para o futuro e esquecer todo o sofrimento que vivemos nos anos anteriores, com medo, isolados, e vendo corpos sendo empilhados em cemitérios.

É perfeitamente entendível a busca pela alegria, pela fuga, pelo desbunde, mas se daqui 20, 30, 50 anos alguém quiser ouvir a trilha sonora do período pandêmico no Brasil, elevado ao caos por um governo genocida e irresponsável, não tem nenhum álbum que chegue perto do relato poderoso, tanto sonoro quanto temático, de “Necropolítica”, o álbum metalzinho que o Ratos de Porão lançou em 2022.

Com a arte da capa citando e homenageando o Black Sabbath, mas adaptando o pano de fundo do álbum “Sabbath Bloody Sabbath” para situações esdruxulas da vida brasileira no período de enfrentamento da Covid 19, “Necropolítica” dá o seu recado logo nos primeiros segundos em que o ouvinte dá play no streaming, no CD ou no vinil, introduzido pelo som de uma pessoa sofrendo no respirador de um hospital.

Daí pra frente, o ouvinte irá mergulhar em uma retrospectiva tensa do período: “Alerta Antifascista”, a faixa de abertura, fala de um “predador da democracia, patético, fanfarrão”. “Aglomeração”, a música seguinte, fala de pessoas antivacina, cita as “experiências” tanto de “ozônio no cu” quanto de cloroquina, fala de bolsominion armado, kit covid e motociata para concluir no refrão: “Jesus te protege na aglomeração… sem máscara!” É só o começo!

Uma das melhores faixas do álbum, com João gritando de maneira absolutamente entendível, é “Passo Pano Pra Elite”, uma canção que versa sobre “Cocaína no avião / Offshore em Cayman”, e ainda crava que o agro é morte. A faixa título conta sobre políticos que tem o “poder decidir quem deve viver / poder decidir quem deve morrer” enquanto “O Vira-Lata” fala de rachadinha e de uma milicia digital que ataca a democracia.

Tem mais, tem mais, e tanto “Bostanagua” quanto “Entubado” trazem títulos autoexplicativos. Já a faixa de encerramento “Neonazi Gratiluz”, fala em terra plana, homem branco, no guru da morte e em preconceitos contra o SUS. São 10 canções urgentes, retratos de um país desgovernado deixado a própria sorte.

“Necropolítica” é um álbum poderoso de uma banda poderosa, que em 2022 estendeu seus tentáculos sobre grandes festivais (eles tocaram pela primeira vez no Rock in Rio e no Primavera Sound), mas continua afiada tal qual estava em 1992. Aliás, se você quiser saber como era a Pátria Amada Idolatrada Salve, Salve naquele período, dê play em “Brasil” e “Anarkophobia” para perceber que muitas coisas continuam iguais. E torça para que daqui 30 anos quem quiser saber como foi 2022 encontre “Necropolítica”, o meu álbum favorito do ano.


– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne

CONHEÇA OUTROS DISCOS FAVORITOS

2 thoughts on “Meu disco favorito de 2022: Ratos de Porão, por Marcelo Costa

  1. Assino embaixo do texto, mas ouso lembrar que na minha terra, Belém do Pará, os delinquentes fizeram o mesmo. E mais, foi de lá o festival censurado e perseguido pelo Moro e Cia, o facada fest.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.