Cinema – “Missão Impossível: Acerto de Contas Parte 1” confirma franquia como símbolo da importância da sala de cinema

texto de João Paulo Barreto

Superando-se como franquia desde sua primeira sequência, lançada há 23 anos sob a batuta de John Woo, a série de filmes “Missão: Impossível” se encontrou, de fato, a partir da parte cinco, “Nação Fantasma” (2015), quando o diretor e roteirista Christopher McQuarrie estreou nas duas funções e renovando, assim, a parceria com o astro Tom Cruise, que havia sido iniciada com o ótimo “Jack Reacher”, filme de 2012. Tal afirmação, porém, não deve ser lida de modo a desabonar as quatro primeiras aventuras baseadas na série criada por Bruce Geller e exibida entre 1966 e 1973.

Em cada uma de suas produções, cuja estreia aconteceu em 1996 com um inspirado Brian De Palma inserindo em cada fotograma do seu longa referências à atmosfera de espionagem presente no clássico programa de TV, além de suas marcantes construções calcadas no suspense que lhe deixou como legado seu maior mentor, Alfred Hitchcock, a franquia trouxe em suas continuações as marcas registradas de cada um dos seus realizadores. E algo que vale a pena citar é o fato de que McQuarrie, nesse último exemplar, deixou bem evidente sua homenagem a De Palma ao inserir, em vários momentos de diálogos, o notório “dutch angle shot” (ângulo de câmera alemão ou inclinado, em tradução livre) para captar a tensão e a seriedade dentro de tais diálogos.

Com o citado John Woo na parte 2, o pulo quantitativo soberbo em relação ao anterior, com as cenas de ação desenfreadas calcadas em motocicletas e nas inserções (marcas registradas de Woo) de pássaros em duelos quase que saídos do velho oeste, foram pavimentando os caminhos para o que encontramos de grandioso nos últimos filmes da franquia. Mas isso não sem antes de termos evidenciada a tragicidade típica das tramas dirigidas por J.J. Abrams embalando a atuação poderosa do vilão vivido pelo saudoso Phillip Seymour Hoffman na parte três (lançada em 2006) ou a estrutura narrativa a remeter à “Os Incríveis” (2004), animação dirigida por Brad Bird, o mesmo nome por trás da parte quarto, “Protocolo Fantasma” (2011).

A partir de “Nação Secreta” (2015), e com seus trabalhos subsequentes, “Efeito Fallout” (2018), e neste mais novo, “Acerto de Contas: Parte 1” (“Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One”, 2023) , a quase indefectível série “Missão: Impossível”, tendo Christopher McQuarrie como maestro, aprimorou o conceito pregado pelo seu protagonista e principal produtor, Tom Cruise. O foco é na união de um roteiro intrincado (mas longe de ser confuso) com sequências que se superam em termos de ação, mas sempre as mantendo dentro de uma organicidade e tendo justificada sua existência no desenvolvimento da trama.

Então, ao vermos Ethan Hunt saltando de um desfiladeiro ao pilotar uma moto (!) e entrando em queda livre até o momento que precisa acionar seu paraquedas para escapar das pontiagudas rochas ao seu redor (!!) e tendo que direcionar seu impulso no alcance de um trem em movimento (!!!), não é somente um exibicionismo visual que se apresenta como desafio para o ator notório por não usar dublês. Na resolução daquela sequência no climax final de “M:I-7”, percebe-se que, sim, há uma prioridade em se superar em relação ao apuro técnico e criativo a cada exemplar da franquia, mas a maneira como o espetáculo visual é desenhado pela trama é sempre atrelado a uma justificativa narrativa que se complementa de maneira útil e inteligente ao seu texto.

Atualizando sua escrita para um período no qual, diante de tamanho avanço da tecnologia, não sabemos discernir o que é real do que é falso no mundo oriundo da internet e da inteligência artificial, a franquia insere um vilão virtual capaz de sabotar submarinos espiões e criar obstáculos intransponíveis para a equipe do IMF. E homenageando Hitchcock, o objeto capaz de controlá-lo nada mais é que uma chave especial a representar o “elemento macguffin”, nada mais que um simples objeto que leva o roteiro à frente e articula todos os movimentos e ações de seus personagens centrais.

Assim, uma vez que se tem engendrada toda a estrutura dramática de heróis e antagonistas (um deles, alguém do passado de Hunt que retorna para assombrá-lo), cabe a Cruise e McQuarry rechear todos os espaços com perseguições, sequências brutais de luta e a marca registrada da franquia: as corridas de seu personagem central. No segundo item dessa lista, a perda de um dos principais rostos do IMF durante um duelo em Veneza traz para o filme o peso da tragicidade que se mantém em torno de Ethan Hunt.

E é justamente nessa sequência que vemos como a presença do diretor Christopher McQuarry como nome central dessa fase atual da franquia “Missão Impossível” se torna evidente. Sua opção em utilizar os becos e vielas da cidade italiana como locais onde os embates corporais acontecem, destacando a ausência de espaço e a escalada da violência que o elemento claustrofobia traz às cenas, surge como um dos pontos evidentes da qualidade desse novo exemplar.

Obviamente que esse mérito se deve, também, ao trabalho do experiente montador Eddie Hamilton, que já havia trabalhado nos últimos dois “M:I” e em “Top Gun: Maverick” (2022), mais um símbolo da missão (quase) impossível de Tom Cruise em salvar a experiência da sala de cinema como local de entretenimento e como meio de manter vivo um modo de consumir cultura que anda combalido em tempos de streaming.

Neste ponto, quando se toca no assunto da importância da ida a uma sala cinema como modo completo de se absorver o que um filme pode oferecer a sua audiência, é palpável a percepção do que Tom Cruise e seu diretor aqui têm como meta. A sequência final a envolver um trem desgovernado no qual o inevitável desastre é ilustrado pelo herói e sua nova parceira (Hayley Atwell, deixando para trás a Marvel) como uma destruição gradativa em aspectos visuais, desenha para o espectador atento para o que se apresenta à sua frente exatamente essa noção do que o cinema de ação, quando feito de modo a respeitar a inteligência de sua audiência, pode alcançar.

Difícil, agora, é conseguir superar isso na última parte prevista para ano que vem.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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